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Artigo

Comunidade Dandara e o Direito ao Meio Ambiente, artigo de Marco Antonio Borges Netto

[EcoDebate] Em Belo Horizonte há um punhado de ocupações. Lendo os jornais, detive com a notícia de que irão leiloar uma das torres de Santa Tereza1, um tempo atrás fiquei sabendo que os ocupantes do Dandara2 seriam despejados no Natal e recentemente que a Prefeitura de Belo Horizonte considera que a ocupação está ambientalmente errada.

Sobre as ocupações em si, considero legais, o Estatuto da Cidade diz:

Art. 5º – Lei municipal específica para área incluída no Plano Diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

Art. 7º – Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

Art. 8º – Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei” (3).

E a Prefeitura nem sequer atualizou o Plano Diretor no prazo e, há décadas o terreno em que se encontra a Comunidade Dandara encontrava-se não edificado e não utilizado em área nobre da capital, sem que a Prefeitura tomasse as devidas providências legais.

Por óbvio, não quero justificar que podemos descumprir a Lei, porque o Poder Público descumpriu. E sim, se o Poder Público cumprisse a parte que a Lei lhe obriga, muito provavelmente a situação seria outra, menos problemática e danosa.

Sobre a questão ambiental, a Comunidade Dandara não degrada o meio ambiente. No Plano Diretor comunitário, elaborado pelos moradores com assessoria técnica, está previsto a proteção de nascentes e do curso d´água existente no terreno, bem como a criação de hortas. Além disso, foi vetada a utilização de fossas negras e sugeriu-se a construção de banheiros ambientalmente seguros como o Basson ou o uso de fossas sépticas ou de banheiros ligados à rede de esgoto.

O projeto pautou-se no disposto no artigo 225, da Constituição:

“… Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Segundo Loacir Gschwendtner4, esse preceito constitucional em questão é seguido por seis parágrafos que atribuem ao Poder Público deveres específicos para lhe dar EFETIVIDADE, sendo certo que o artigo 225 deve ser lido em consonância com os princípios fundamentais inseridos nos artigos 1º a 4º, que fazem da tutela ao meio ambiente um instrumento de realização da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

E essa efetividade do Poder Público sempre foi tímida.

 

Basta lembrar que só recentemente criou-se o DRENURBS. Que é um programa “elaborado para ser implementado em fases sucessivas, o Drenurbs está promovendo a despoluição dos cursos d’água, a redução dos riscos de inundação, o controle da produção de sedimentos e a integração dos recursos hídricos naturais ao cenário urbano5”. E mesmo assim o Governo do Estado, em parceria com a Prefeitura, cobriu quilômetros do Rio Arrudas, na contramão do referido programa.

Além do que, o parcelamento da Comunidade Dandara prevê muito mais que 20% de permeabilidade, conforme exige a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo.

Aliás, o Projeto Dandara pode ter sido o pioneiro na questão ambiental. Pois como constata FELIPPE6, “nunca houve um projeto, seja acadêmico, governamental ou privado, que objetivasse localizar, identificar e mapear as nascentes do território da capital. Ocorreram algumas iniciativas isoladas que, devido à grande dificuldade da temática, não frutificaram. O primeiro grande empecilho é o fato da mancha urbana ocupar mais de 80% do território municipal, o que promove a descaracterização ou mesmo a destruição de grande parte das nascentes de Belo Horizonte.”

Vale ressaltar que há um acompanhamento técnico na Comunidade para evitar transtornos e equívocos. Perfeição não há, mas fato é que a Comunidade Dandara não danifica o meio ambiente conforme apregoa o Poder Público.

 

Sobre o autor:

Marco Antonio Borges Netto, bacharel em Direito, urbanista e professor do curso de arquitetura e urbanismo – UNIPAC Bom Despacho/Minas Gerais

1 Projeto desenvolvido, desde 2002 pelo EI e EMAU PUC Minas e, com financiamento do Programa Crédito Solidário, infelizmente, encerrado em meados de 2005, as duas torres de 17 pavimentos, abandonadas pelas construtora e incorporadora, foram ocupadas, desde 1997, por moradores sem-teto de Belo Horizonte que vivem em condições bastante precárias e sofrem com o preconceito.

2 O projeto de arquitetura e urbanismo elaborados por estudantes e profissionais, coordenado pelo arquiteto e professor da UNIPAC Tiago Castelo Branco, que prestam assessoria técnica à Comunidade Dandara foi apresentado na Bienal de Arquitetura de Medelin. Também participei desse projeto. Fonte: http://www.ideasbiau.es/blog/propuestas-presentadas/

EcoDebate, 18/03/2011

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