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Notícia

Documento Final do III Encontro Continental do Povo Guarani

Por Egon Heck, de Assunção, Paraguai

O céu se preparava para derramar sua benção sobre as centenas de Guarani que estavam em Assunção, concluindo mais um importante momento de suas lutas pela “terra,território, autonomia e governabilidade”. A manhã estava reservada para a discussão e aprovação do documento final e a entrega deste às autoridades. Por razões de saúde o presidente Lugo não veio ao encontro. Porém um grupo foi recebido por ele em sua residência.

Recebeu com grande interesse as informações sobre o encontro e suas decisões. Prometeu dar prioridade à questão indígena quando o  Paraguai estiver na presidência do MERCOSUL.

Enquanto a comissão entregava o documento a Lugo, no plenário os ñanderu faziam o ritual da benção do documento final. Cantos e falas dos líderes religiosos de todos os países,  tornaram o momento muito cheio de emoção e dignidade.

Dentre os avanços deste encontro fica a criação do Conselho Continental da Nação Guarani, que tem como objetivo maior consolidar a articulação, solidariedade e organização dos povos Guarani, na perspectiva de conquista de seus direitos, na construção da autonomia em seus territórios. Também ficou assumida a importância de crescer a consciência da Nação Guarani, com sua cosmovisão e projeto de vida , a partir de sua identidade e cultura.

Segue o documento final:

DOCUMENTO FINAL DO III ENCONTRO CONTINENTAL DO POVO GUARANI

ASSUNÇÃO, PARAGUAI,   15 a 19 de Novembro de 2010

Nós, representantes de diferentes organizações indígenas da Nação Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, nos reunimos na cidade de Assunção, Paraguai durante o III Encontro Continental do Povo Guarani dando continuidade ao I Encontro Continental realizado em São Gabriel/RS Brasil, em 2006 e do II Encontro Continental que aconteceu na cidade de Porto Alegre/RS Brasil em 2007. Hoje, sob o tema Terra-Território, Autonomia e Governabilidade, animando permanentemente nossos corações pelas palavras sábias de nossos anciões e anciãs, buscando compreender a partir das coincidências em longos debates e profundas reflexões realizadas sempre de acordo com os princípios de respeito e consensos, tradicionais em nossas culturas, queremos fazer chegar ao mais profundo do espírito das autoridades, nacionais e internacionais e a todos os cidadãos dos lugares que habitam nosso pensamento nestas palavras.

CONSIDERANDO

*  Que a Nação Guarani sempre teve um espaço territorial próprio o “Yvy maraê’y” ou Terra Sem Mal que extrapola fronteiras.

*  Que desde a cosmovisão da Nação Guarani, parte de nossas milenárias culturas: o fogo, o ar, a terra e a água, constituem uma unidade e são elementos vitais para a vida; a terra sagrada é a vida para nossos povos.

*  Que a Nação Guarani a partir da sua cosmovisão sempre buscou evitar confrontações com os que se apropriaram de seu território, de forma violenta na maioria das vezes.

*  Que desde a demarcação das fronteiras nacionais a Nação Guarani ficou fragmentada e dividida geopoliticamente em etnias, comunidades, aldeias, famílias, condição esta que enfraqueceu significativamente seu projeto espiritual, cultural e linguístico como Nação.

*  As transnacionais e/ou multinacionais, com o apoio dos diferentes governos no poder não respeitam os direitos consuetudinários e coletivos da Nação Guarani, destruindo territórios, expulsando comunidades.

*  Os diversos governos não atendem as demandas da Nação Guarani apesar da existência de normas nacionais e internacionais que protegem e promovem os direitos dos povos indígenas; como a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas e as leis nacionais, Constituições e Leis dos Estados.

*  São exemplos do afirmado acima que o Poder Judiciário brasileiro autoriza despejos de comunidades da Nação Guarani de seus territórios, contra as leis e os protegem.

*  O não cumprimento, pelo governo brasileiro, do art. 231 da sua Constituição Federal, sobre a demarcação das terras; da mesma forma o governo argentino não cumpre a lei 26.160 “de Emergencia de la tierra comunitaria indígena” para a demarcação territorial.

*  Na Argentina se pretende vender o Lote 08 da reserva da Biosfera Yaboti, declarada pela UNESCO em 1992, a uma Fundação com fundos europeus, quando ali vivem ancestralmente duas comunidades da Nação Guarani

*  A Nação Guarani no Paraguai sofre uma perda constante de seu território ancestral fruto de uma carência de políticas efetivas orientadas em defesa do mesmo

*  Existem inúmeras comunidades que vivem em condições subumanas, sem as mínimas condições de segurança física, de saúde e alimentação.

*  Na Bolívia a demanda de Território pela Nação Guarani ainda não resultou em total titulação das terras que ocupam.

*  Que a destruição massiva e constante dos recursos naturais, por parte das empresas transnacionais, está deteriorando os bens florestais indiscriminadamente no território Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, gerando danos irreparáveis, fezendo-os sofrer os efeitos das mudanças climáticas, das quais não são os responsáveis.

*  Que a construção das Hidrelétricas Binacionais (Itaipu e Yaceretá) no território Guarani, sem consulta a nossa Nação, produziu não apenas irreparáveis danos ambientais, como também violação dos direitos territoriais, culturais e religiosos da Nação Guarani.

EXIGIMOS:

*  Dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai o reconhecimento como Nação Guarani e sua condição de Transterritoriais e Transfronteiriços e que por esta razão devem ter os mesmos direitos de saúde, educação e trabalho nos quatro países.

* Dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai dêem reconhecimento constitucional a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT.

*  Que deixem de entregar às empresas transnacionais, multinacionais e nacionais territórios da Nação Guarani para sua exploração e devastação, transgredindo os direitos coletivos que os protegem.

*  Do governo da província de Misiones – Argentina – a não autorização da venda do Lote 08 – território Guarani – na reserva da biosfera Yaboti.

*  A demarcação imediata de todas as terras e territórios Guarani. Cumprimento da lei 26.160 da Argentina e que no Brasil o Supremo Tribunal Federal julgue imediatamente todos os processos de demarcação no estado do Mato Grosso do Sul, respeitando o artigo 231 da Constituição Federal de 1988.

*  A não instalação de novos mega-represas comprometendo territórios Guarani e que tanto as Binacionais Itaipu e Yaceretá reconheçam o dano causado as comunidades, restituindo seus territórios.

*  Do governo Boliviano o cumprimento das exigências de maiores extensões de terra à Nação Guarani.

*  Que os espaços políticos internacional impeçam a criminalização das exigências da Nação Guarani.

*  Punição aos que cometeram crimes que afetaram indígenas na luta pelos seus direitos.

*  Que sejam respeitados aos avanços conquistados pela Nação Guarani nos espaços políticos nacionais e internacionais.

*  Que as empresas transnacionais respeitem as normas ambientais, que evitem a destruição massiva e constante dos recursos naturais por parte das mesmas.

*  Que todos os países sobre os quais incide o território da Nação Guarani compreendam e tomem consciência que os direitos sobre a Terra e o Território são inalienáveis e imprescritíveis.

RESOLVEMOS:

PRIMEIRO – A terra e o território são direitos inalienáveis da Nação Guarani, são a vida de nossas cosmovisões; condição que nos permite ser livres e autônomos “IYAMBAE”.

SEGUNDO – Consolidar nossa organização em cada um dos países com presença Guarani a fim de efetivar nossas demandas como Nação Guarani.

TERCEIRO – Constituiu-se um Conselho Continental da Nação Guarani para a articulação com Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai em suas demandas reivindicatórias, e com ele fortalecer nosso desenvolvimento econômico, social e político.

QUARTO – Participar em todas as instancias democráticas do Argentina, Brasil e Paraguai segundo nossos usos e costumes como Nação Guarani conseguindo desta maneira fazer chegar as nossas demandas as máximas instâncias de decisão política.

QUINTO – Exortamos a todos a somarem-se a essa luta, aqueles que fazem parte do pensamento e sentimento da Nação Guarani – organizamos nacionais e internacionais, ONGs, Movimentos Sociais e outros – para apoiar com propostas e projetos orientados a partir  da reivindicação dos direitos consuetudinários e etno-culturais dos Guarani.

SEXTO – Nos declaramos em permanente resistência ante as violações e subjugações ocorridas em toda a extensão de nosso território como Nação Guarani.

SETIMO – Nos unimos na defesa de nossa mãe terra ante a contaminação progressiva do ambiente provocado pelas atividades de exploração do subsolo e hidrelétricas que vulneram os direitos a culta e participação da Nação Guarani.

É o que pensamos, sentimos e dizemos sobre nossos direitos coletivos e as obrigação que tem com a Nação Guarani os países que hoje ocupam nosso território, na esperança de poder conviver na harmonia e liberdade como foi o pensamento de nossos heróis ancestrais.

Documento socializado pelo CIMI e publicado pelo EcoDebate, 24/11/2010

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