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DINC: sem filho e com dupla renda, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Prof. José Eustáquio Diniz Alves
Prof. José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] O antropólogo francês Claude Levi-Strauss, em livro que é um clássico do século XX, assinala que a estrutura elementar do parentesco inclui três tipos de relações familiares: 1) a relação de consaguinidade (p. ex: entre irmão e irmã); 2) a relação de aliança (entre marido e mulher) e 3) a relação de filiação (entre progenitor e filho). Seguindo esta lógica, a ONU define família como um grupo de no mínimo duas pessoas formada por laços de consaguinidade, descendência (ou adoção) e matrimônio.

Entre a vasta literatura sobre família, o casal sem filhos é um tipo de arranjo familiar pouco estudado, talvez porque represente um caso muito particular de família que, seguindo as regras do tabu do incesto, não envolve laços de descendência ou consaguinidade. Ou seja, o tipo de família formada por um casal sem filhos tem como base uma aliança entre duas pessoas que resolvem viver juntas sob o mesmo teto e não fazem do casamento uma atividade procriativa.


DINC é o acrônimo de Duplo Ingresso, Nenhuma Criança (ou em ingles Double Income, No Children). São casais de dupla renda e que não possuem filhos. Em 1997 existiam cerca de um milhão de casais DINC no Brasil, passando para dois milhões em 2007, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – do IBGE.

A família DINC cresce no mundo todo e no Brasil devido à conjugação de duas tendências:

1)queda das taxas de fecundidade e aumento do número de pessoas que não querem ter filhos;
2)aumento da participação feminina no mercado de trabalho e redução da parcela de mulheres dedicadas exclusivamente aos afazeres domésticos;

Os casais de dupla renda e sem filhos podem ser de sexos diferentes (heterossexuais) ou do mesmo sexo (homossexuais). No primeiro caso, podem não ter filhos por opção ou vontade de um ou dos dois parceiros ou por razões involuntárias, como a infertilidade de pelo menos um dos conjuges. Contudo, um casal infértil pode adotar uma criança e deixar de ser DINC. Para os casais homossexuais, existe a possibilidade da reprodução assistida (fertilização em vitro), no caso das lésbicas via obtenção de um doador de esperma e no caso dos gays via doação de óvulo e de uma “barriga de aluguel”. Os casais DINC homossexuais também possuem a alternaiva de homoparentalidade por meio de adoção de uma criança.

Existem casais DINC em que apenas um dos conjuges trabalha e o outro possui renda de outro tipo (como aluguéis, participação em lucros, etc.). Existem casais DINC em que os dois já são aposentados e não trabalham mais. Mas a grande maioria dos atuais casais DINC heterossexuais apontados pela pesquisa do IBGE são constituidos de casal que trabalha, são relativamente jovens, tem maior nível educacional do que a média, moram em áreas urbanas das regiões Sul e Sudeste e possuem renda média domiciliar per capita bem mais elevada dos que a dos outros arranjos familiares.

O crescimento dos casais sem filhos e em que os dois trabalham tende a crescer, pois a vida atual oferece muitas alternativas de ocupação e lazer além do cuidado da casa e das sucessivas gerações. O casal DINC parece se adaptar melhor aos novos parâmetros da sociedade pós-moderna fortemente caracterizada pelo hedonismo e o consumismo, com forte predominância dos valores do individualismo.

As pessoas atualmente não dependem tão fortemente da família consanguinia e, sem o compromisso do cuidado dos filhos, podem se relacionar de maneira mais dinâmica com o resto da sociedade, mostrando mais mobilidade e menor dependência dos parentes. O crescimento dos casais sem filhos e em que os dois trabalham tende a crescer, pois com a reversão do fluxo intergeracional de riqueza, a fecundidade – em termos de racionalidade econômica – tende a zero, na medida em que crescem os custos dos filhos e diminuem os seus benefícios.

Praticamente não existem casais DINC na pobreza e nem nos programas de transferência de renda do governo, pois eles possuem uma mobilidade ascendente. Isto mostra, que mudanças nos arranjos familiares também contribuem para a inclusão social. Alguns estudos também indicam que este tipo de família contribui para reduzir os impactos sobre o meio ambiente.

Atualmente a percentagem de casais DINCs é pequena, embora esteja crescendo rapidamente no Brasil e na América Latina. O casal DINC se constitui em um caso paradigmático de família que se adapta melhor aos parâmetros da sociedade pós-moderna, mas, que se for seguido de maneira universal, significará uma brutal redução da população, pois, ao não terem filhos, a sucessão de gerações é interrompida.

Referência:
Barros, Alves e Cavenaghi. Novos arranjos domiciliares: condições socioeconômicas dos casais de dupla renda e sem filhos (DINC), ABEP, 2008

LEVY STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1982.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. As opiniões deste artigo são do autor e não refletem necessariamente aquelas da instituição.
E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 22/06/2010

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