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Hidrelétrica de Estreito: um pequeno exemplo do que poderá ser Belo Monte

Uma audiência pública realizada nesta quarta feira, 7, na Câmara dos Deputados, em Brasília, pôde demonstrar o que a população da região do Xingu, no Pará, deve esperar caso a usina hidrelétrica de Belo Monte seja construída. Presentes na audiência “Impactos ambientais e econômicos da implantação de UHEs de Estreito e Belo Monte”, os moradores atingidos pela hidrelétrica de Estreito, no Tocantins, relataram a realidade de abandono na região depois do início das obras da usina. A mesa da reunião foi composta pela sub-procuradora geral da República, Sandra Cureau, o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Cirineu da Rocha, liderança do Fórum dos Atingidos pela Barragem de Estreito, Adalsivan Rocha Coelho, o relator da “Missão Xingu – Violações de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”, Dr. José Guilherme Zagallo e, presidindo a audiência, o deputado Domingos Dutra, do PT do Maranhão.

Em sua fala, a sub-procuradora geral da República, Sandra Cureau, ressaltou que a construção de Estreito representa a expulsão dos ribeirinhos e a destruição de seus projetos de vida. “E assim, eles vão engrossar o vasto contingente migratório das grandes cidades. A negociação que existe com os ribeirinhos é muito desigual”, afirmou. De acordo com a sub-procuradora, muitos trabalhadores que vivem do rio não são considerados atingidos e nem reconhecidos por suas atividades e sofrem sem o seu meio de vida, entre eles: pescadores, posseiros e meeiros, barqueiros, barraqueiros, extrativistas, oleiros, entre outros.

Sobre Belo Monte, Sandra fez uma pequena retrospectiva dos anos em que o Ministério Público Federal entrou com ações contra Belo Monte e ainda lembrou que nesta quinta-feira (8), o MPF entraria novamente com ações de anulação da licença de Belo Monte.

Desabafos

As famílias da região de Estreito estão acampadas na área a ser inundada há mais de nove meses para que a barragem não ocorra. O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Cirineu da Rocha afirmou que o Consórcio Estreito Energia (Ceste), não segue nenhuma orientação do que ficou estabelecido. “Parece que as empresas estão acima do Estado! É uma obra pública, num rio público, onde uma empresa privada vai ganhar dinheiro e as famílias locais só perdem”, desabafou. “Peço a não liberação da licença de operação de Estreito, pois será um desastre para todos nós”.

O representante do Fórum dos Atingidos pela Barragem de Estreito, Adalsivan Coelho, fez coro à liderança do MAB. “Estamos há dez anos tentando chegar a um espaço público para fazer denúncia do que está acontecendo! Somos humilhados, não temos direito à voz, e todas as promessas que nos fizeram são mentiras!”, disse a liderança. Segundo Adalsivan, o Ceste foge das “mesas redondas”, envia relatórios mentirosos ao governo e massacra as comunidades. “Nós precisamos dos senhores! Nosso grito está abafado pelo poder e pelo dinheiro!”, ressaltou. Adalsivan citou, entre outros casos de desrespeito, o fato de o Ceste pagar um valor bem abaixo do que vale a terra de um atingido para que saiam da área.

Espelho do futuro

A audiência também foi espaço para que um relatório da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca) fosse apresentado. Denominado “Missão Xingu – Violações de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”, o documento foi apresentado por um de seus relatores, Dr. José Guilherme de Carvalho Zagallo. Em sua fala, Zagallo demonstrou a tamanha destruição que haverá caso Belo Monte seja construída, declarando que as conseqüências serão ainda maiores do que em relação à usina de Estreito, porque Belo Monte poderá ser a terceira maior usina hidrelétrica do mundo.

O relatório apresenta as várias falhas do projeto de Belo Monte e os impactos irreversíveis sobre a população que vive às margens do rio Xingu. Segundo o relatório, “a mais grave violação aos direitos humanos detectada durante a missão foi a não realização das Oitivas Indígenas, obrigatórias pela legislação brasileira e pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2002”. O relatório também faz dez recomendações ao governo, entre elas: que o Ibama anule a licença prévia, que a Aneel suspenda imediatamente o leilão da compra de energia que deve ocorrer no próximo dia 20, que o BNDES se abstenha de financiar as obras cujo processo de licenciamento esteja sendo questionado. Zagallo também apresentou um mapa onde fica clara a grande área a sofrer com a seca – incluindo terras indígenas – devido aos barramentos a serem construídos.

Para Antônia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo Para Sempre presente na audiência, a situação de Estreito é um espelho. “Acompanhamos a luta de Estreito. É lamentável que estejam acampados há tanto tempo. A situação de vocês serve de espelho para nós e isso significa que somos tratados como lixo”, afirmou. “Estas empresas são criminosas e tudo o que fazem com vocês lá no Tocantins vão fazer com a gente no Pará. O governo entrega nossas vidas às empresas criminosas. O Judiciário também tem culpa, porque faz vista grossa, são omissos e coniventes com todas as injustiças que acontecem conosco”, desabafou.

A audiência contou ainda com a participação do deputado Chico Alencar, do Psol, do senador José Nery, também do Psol, deputada Iriny Lopes, do PT, deputado Domingos Dutra, do PT (proponente da audiência), deputado Pedro Wilson, do PT entre outros. Os cinco representantes dos ministérios convidados para participarem da audiência não compareceram.

Cerca de 30 mil pessoas serão “chutadas” por Belo Monte

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), juntamente com a Comissão para a Amazônia e a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), apoiados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizaram na manhã desta quinta-feira (8), debate sobre a viabilidade da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

Compuseram a mesa, o presidente do Cimi e bispo da Prelazia do Xingu, dom Erwin Kräutler, o pesquisador de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Hernandez, o diretor de Licenciamento do Ibama, Pedro Alberto Bignelli, e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. O debate foi mediado pelo jornalista Beto Almeida e transmitido ao vivo pela Rede Vida de Televisão.

Em sua fala, dom Erwin fez um resgate histórico da luta contra Belo Monte e reafirmou, mais uma vez, sua posição contrária à obra. Para ele a questão não se refere ao direito da população de ter acesso à energia de qualidade, mas que meios serão empregados para se garantir tal direito. “É pacífico que o Brasil precisa de energia de qualidade, mas a obra não trará essa energia limpa e barata como diz o governo. Que energia limpa é essa que afetará milhares de famílias, trará doenças, apodrecerá um lago e acabará com o meio de subsistência de tantas pessoas?”, indagou.

Ainda de acordo com dom Erwin não há como se discutir a obra sem se falar de fato quais serão os impactos que ela causará. O empreendimento afetará pelo menos 30 povos indígenas e teve seus impactos sub-dimensionados pelo Governo Federal como a área afetada, a população atingida, a perda de biodiversidade, o deslocamento compulsório da população rural e urbana, entre outros aspectos.

“Sou contra o projeto do jeito que foi feito, com autoritarismo e preconizando o discurso desenvolvimentista do governo que só fala das vantagens e nunca das desvantagens que Belo Monte trará. Cerca de 30 mil pessoas serão chutadas de lá e levadas sei lá para onde. Essa obra vai ser a maior agressão já vista à Amazônia”, declarou.

Dando voz ao discurso desenvolvimentista do governo, como apontado por dom Erwin, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim disse que é impossível imaginar uma sociedade sem energia, que é sinal de desenvolvimento. Ele afirmou que a hidrelétrica de Belo Monte será a única construída ao longo do rio Xingu. Respondendo a indagação de dom Erwin sobre que garantias a população teria para acredita em tal promessa, ele disse que acredita na lei, onde está assegurada que as outras seis usinas previstas anteriormente para a região não poderão ser construídas.

No mínimo uma certeza contraditória, pois o próprio Tolmasquim declarou que para atender a demanda de energia da população, o país teria que construir uma hidrelétrica com o potencial da usina de Itaipu a cada três anos, quando cada uma geraria cerca de 5 mil megawatts por ano.

Já Bignelli, diretor de Licenciamento do Ibama, embasou seu discurso no fato de órgãos como o Instituto Chico Mendes, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Palmares e a própria Fundação Nacional do Índio (Funai) terem se mostrado favoráveis ao licencimento, e consequentemente à obra. Para ele, todos os impactos apontados nos estudos sobre a viabilidade da obra serão contemplados pelas 40 condicionantes dispostas no licenciamento prévio concedido em fevereiro.

Para Francisco Hernandez, pesquisador da USP, o tema é bastante polêmico, pois a usina, supostamente a terceira maior do mundo – fica atrás apenas de Três Gargantas, na China, e Itaipu – será construída em uma área de imensa biodiversidade, com populações tradicionais, indígenas e ribeirinhas, que é a Amazônia. “Várias lacunas e graves problemas nos fizeram chegar à conclusão que o projeto de Belo Monte é inviável e deve ser abandonado”, disse.

Segundo Hernandez, a obra tem uma dimensão catastrófica tão grande que deve ser repensada, levando em conta não somente as áreas alagadas, mas toda a população que será atingida. “Como engenheiro eletricista reconheço a importância da geração de energia, mas sou contra a usina porque sei dos impactos desastrosos que ela trará”, afirmou.

Informe nº 908 do Cimi, publicado pelo EcoDebate, 12/04/2010

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