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Artigo

Usinas na Amazônia: onde está a verdade? artigo de Lúcio Flávio Pinto

[Adital] Para o seu estilo mais recente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma grande concessão aos chamados movimentos sociais: recebeu em Brasília, no dia 22, integrantes de entidades que combatem a implantação da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. A obra é o maior dos investimentos incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento, produto da associação do presidente com sua candidata in pectori à presidência da república na eleição do próximo ano, a ministra Dilma Rousseff, a “mãe do PAC”.

Envolvido pela intensa polêmica em torno de outras duas obras-primas do PAC, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, o presidente reagiu mal humorado às “impertinências” do Ibama, que não queria conceder o licenciamento ambiental das obras. Lula pediu para tirarem os bagres do seu peito, numa tentativa de transformar em piada um dos pontos da controvérsia: o destino dos peixes, com ênfase no mais importante deles, depois do represamento do rio.

Desta vez, o mandatário chamou os bagres simbólicos ao seu redil na capital federal. A audiência com integrantes da igreja, do Ministério Público Federal e da comunidade acadêmica durou uma longa hora, durante a qual Lula ouviu com atenção e pareceu impressionado pelos argumentos técnicos dos que contestam a viabilidade – econômica e ambiental – da grande usina de energia. Mas nada disse, muito menos prometeu ou agendou qualquer coisa.

Segundo os cidadãos que participaram do encontro (além de representantes de comunidades ameaçadas pela obra, o bispo da prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário, dom Erwin Kräutler; o professor do Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo, Célio Bermann, e os procuradores da República e do Ministério Público Federal do Pará Felício Pontes e Rodrigo Costa e Silva), os dirigentes da Eletrobrás e da Eletronorte ouviram tudo sem opor resistência aos argumentos dos críticos do projeto. O silêncio podia ser interpretado como admissão da contestação – ou como manobra tática. Mas nada tem a ver com a enormidade das discrepâncias entre o discurso oficial e a argumentação dos opositores de Belo Monte.

A versão oficial é que serão investidos “apenas” sete bilhões de reais para produzir 11,3 mil megawatts, quase três vezes a potência de Jirau, um terço a mais do que Tucuruí e só um pouco abaixo de Itaipu, a maior hidrelétrica, com o inconveniente (que agora o consumidor sentirá no bolso) de ser dividida ao meio com o Paraguai. Tudo isso com apenas um represamento no Xingu e não mais com a sucessão de barragens prevista originalmente para a bacia. Os críticos sustentam que o custo real está entre R$ 25/30 bilhões e que a energia firme será apenas de um terço da potência nominal. Com o agravante de que durante três a quatro meses a geração será zero, por falta de água suficiente durante o período de seca do Xingu para movimentar uma única das 20 máquinas da casa de força.

Sem o contraponto das duas empresas estatais de energia presentes ao ato, Lula mostrou-se impressionado com as informações que ouviu. “Acho que o presidente ficou sensibilizado com os dados técnicos apresentados e com os relatos sobre os impactos da obra para as comunidades ribeirinhas e indígenas”, disse dom Erwin. “Pela primeira vez nós conseguimos colocar nossa angústia e indignação para o presidente. Também ficou claro para os responsáveis pela área de energia que nós nos preparamos muito bem, que entendemos do assunto”, relatou o bispo.

O procurador federal Rodrigo Timóteo foi mais comedido: observou que nenhuma medida concreta foi adotada. Houve apenas a abertura de um canal de diálogo entre as partes opostas no enredo. O procurador sentiu certa frustração por sair da audiência “sem uma data ou posicionamento mais concreto”. Reconheceu, porém, a “abertura”. Ela poderá ser apenas um detalhe formal no histórico do projeto se a audiência não for seguida por uma discussão técnica, em uma instância autorizada, sobre a discrepância de dados quantitativos em torno de Belo Monte.

O Ministério Público poderia tomar a iniciativa, referendado pelo chefe do poder executivo, que é o licenciador da obra, de reunir os dois lados numa audiência pública e colocar as divergências em confronto em busca da verdade. Uma obra desse porte não pode permanecer suscetível a diferenças do porte das que têm aparecido. As informações estão desencontradas por má-fé ou incompetência. Como há bilhões de reais e milhares de megawatts de energia a mais ou a menos, é preciso pôr tudo em pratos limpos para que se decida servir ou não esse banquete, feito à base de dinheiro público, para atender (ou camuflar) interesse público.

O confronto elucidará quem está mesmo preparado. E, além disso, dizendo a verdade. Mas sob um aparato institucional com efetivo poder para dar conseqüência legal aos atos, não permitindo que eles se tornem apenas um lance de relações públicas, ou metáfora de mau gosto.

O MP poderia transformar essa instância numa câmara técnica permanente de avaliação dos projetos hidrelétricos na Amazônia, se possível com a missão de não permitir que a capacidade de iniciativa se concentre no poder executivo. A câmara estabeleceria uma agenda imediata para discutir as mais recentes iniciativas do governo nesse setor. Um exemplo é o projeto da plataforma flutuante concebida pela Eletronorte para o complexo do Tapajós, que prevê cinco hidrelétricas na bacia. Adaptada das estruturas instaladas no mar para a produção de petróleo e gás, essa plataforma preveniria a migração para áreas pioneiras em função da implantação de novos projetos. Mas a viabilidade dessa idéia ainda não foi submetida a teste. Como também não foram discutidas as turbinas bulbo previstas para as duas hidrelétricas do Madeira. São tecnologias que precisam ser mais bem conhecidas para que decisões graves, por sua amplitude e custo, não sejam tomadas quase às escuras, ou como privilégio de um pequeno grupo de iluminados.

Barragem

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos anunciou no mês passado que pretende apresentar ao Congresso Nacional, até o fim do ano, uma proposta de regulamentação da construção de eclusas em hidrelétricas. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, “a idéia é tornar obrigatória a construção das eclusas nos projetos hídricos”. A regulamentação pode ser necessária, mas o Código de Água, que é de 1934, exige o restabelecimento da navegabilidade dos rios que perderão essa condição pela construção de barragens em seu leito. Certamente há detalhes técnicos a enfrentar, mas a diretriz é clara. Não é por falta de lei que rios, como o Tocantins, ficam sem passagem. É por abuso e desrespeito dos construtores.

Custo

A última edição da revista Corrente Contínua, da Eletronorte, informa que as obras das eclusas de Tucuruí, no período entre 2007 e 2010, quando deverão ser concluídas e inauguradas, contarão com recursos já orçados em 807,8 milhões de reais. É uma boa informação, mas incompleta. Faltou dizer quanto foi aplicado até 2006, em 20 anos de investimentos. O custo total das eclusas, em valor devidamente atualizado, é um dos segredos da república.

Água: subproduto na capital amazônica

Em Nova York, pode-se abrir a torneira em qualquer lugar da cidade e tomar a melhor água do mundo. Ela vem dos mananciais situados a uma distância não superior a 200 quilômetros da downtown. A população paga para que os proprietários dessas terras mantenham as fontes de água. O valor é alto, mas compensa. Acaba sendo um bom negócio para todas as partes envolvidas.

Experimente cometer a temeridade de tomar a água na torneira em Belém do Pará, portão de entrada da maior bacia hidrográfica do planeta. O risco é alto, ou, se não é, os moradores da cidade o têm como tal. Freqüentemente, o problema é ter o que saia da bica. Cercada de água por todos os lados, inclusive por cima, durante a maior parte do ano, a capital paraense é vítima crônica dos maus tratos desse serviço vital.

Quando se discutia o risco de salinização na tomada de água da cidade no rio Guamá, em 1984, por causa do represamento do rio Tocantins pela barragem de Tucuruí, descobriu-se que o então presidente da Cosanpa servia-se de água mineral na sua casa. De lá para cá, o consumo de água industrializada cresceu tanto que proporciona um dos melhores negócios na cidade atualmente, embora seja no mínimo incerta a qualidade do produto servido como potável à clientela. A multiplicação dos pontos de venda por toda cidade é um indicador da prosperidade desse comércio – e da falência do governo nesse setor.

A saída é privatizar? É a mais fácil e a mais problemática das saídas, sempre passível de suspeição. Fornecimento de água é um típico serviço público. Bem administrado, permite que o subsídio tenha benefício social. Transferido para a iniciativa privada, tem equilíbrio tão precário que ou o concessionário acaba devolvendo o serviço ou a população sofre. De duas maneiras: pela degradação do próprio serviço ou pelo encarecimento da sua prestação.

Ao invés de os poderes públicos – estadual e municipal – acertarem uma maneira de atuarem em conjunto em favor da população, no meio do caminho a prefeitura de Belém parece ter decidido pular direto para a privatização. Mas ao modo do atual gestor: depois de propor o pano de fundo legal para a iniciativa, ele se fecha em copas (no mês de julho, o melhor seria dizer que Duciomar Costa simplesmente sumiu) e faz entendimentos diretos, talvez para apresentar o fato consumado.

O fornecimento de água em Belém é precário e de má qualidade, mas é barato. A população, acomodada a essa situação, se arranja como pode às deficiências. Em compensação, água é tratada na cidade como produto supérfluo. Ninguém se preocupa em economizar, em usar de forma racional. O desperdício é visível em todos os lugares. A diretriz de captação, com base no rio Guamá, armazenamento nos lagos marginais do conjunto Bolonha-Água Preta e pesado tratamento químico, está superada.

Não propriamente pelo crescimento da população, muito maior do que se podia prever nas décadas de 40/50, quando essa concepção foi definida, mas pela agressão ao meio ambiente, pela poluição desenfreada. A melhor opção parece ser o uso da água subterrânea em vários pontos, sem uma única fonte, como agora. Estado e município podiam conjugar em harmonia seus recursos para tirar Belém do estágio em que se encontra. Pelo jeito, porém, só haverá motivos para temer pelo futuro.

Lúcio Flávio Pinto é Jornalista

*Artigo originalmente publicado na ADITAL, Agência de Informação Frei Tito para América Latina

EcoDebate, 12/08/2009

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