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Cientistas fazem avaliação das vulnerabilidades das áreas metropolitanas de SP e RJ em relação às mudanças climáticas

Primeiro esboço – O Painel Internacional de Especialistas em Megacidades, Vulnerabilidade e Mudança Climática Global, encerrado na última quarta-feira (22/7), resultou em uma avaliação preliminar que servirá para traçar, pela primeira vez, um mapa qualitativo das vulnerabilidades da Região Metropolitana de São Paulo frente aos efeitos do aquecimento global.

De acordo com um dos coordenadores do painel, o climatologista Carlos Afonso Nobre – do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) –, os resultados obtidos serão apresentados dentro de três meses e fornecerão elementos para um primeiro esboço dos mapas, que serão concluídos em 2010 com o objetivo de subsidiar políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas.

Liderado pelo Inpe e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o painel foi realizado na semana anterior no Rio de Janeiro. O objetivo, segundo Nobre, era mapear as principais vulnerabilidades nas duas maiores capitais brasileiras.

Segundo Nobre, uma das conclusões do painel é que mudanças climáticas deverão exacerbar as vulnerabilidades já existentes na Região Metropolitana de São Paulo, como aquelas relacionadas à chuva intensa, que gera inundações, congestionamentos, deslizamentos em encostas, enchentes, acidentes e doenças.

“As projeções são de episódios de chuvas de maior intensidade, ainda que o volume de chuvas não deva aumentar ao longo do ano. Teremos que nos preparar para um aumento dos problemas que já enfrentamos hoje com as chuvas de verão. Toda a cidade será afetada, mas nas favelas isso será mais dramático”, disse Nobre à Agência FAPESP.

Ainda que o volume de chuva não vá ser muito alterado ao longo do ano, segundo Nobre, haverá mais veranicos e períodos de seca mais intensa, que terão impacto sobre o abastecimento de água da Grande São Paulo.

“Essa questão já é preocupante hoje e, no futuro, o planejamento do abastecimento de água terá que levar em consideração que as secas poderão ser mais intensas que as do presente, com uma população maior e, talvez, menos pobre, tendendo a consumir mais água”, declarou.

O painel concluiu também que, como acontece na maior parte das regiões do planeta, as populações mais pobres são mais vulneráveis aos fatores ambientais tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. Outro padrão geral em todo o mundo – a relação entre vulnerabilidade e gênero – também foi observado nas duas metrópoles brasileiras.

“Nas grandes cidades dos países em desenvolvimento as populações mais pobres são as que estão em áreas de risco. No entanto, há também uma vulnerabilidade considerável da população de baixa renda que está fora dessas áreas. Como também era de se esperar, observamos que as mulheres são mais vulneráveis que os homens”, disse Nobre.

As ondas de calor deverão aumentar a demanda dos serviços de saúde, o que afetará em especial os idosos, segundo Nobre. “A exacerbação desse fenômeno também aumentará a demanda de infraestrutura, já que as pessoas deverão passar a usar cada vez mais o ar condicionado”, disse.

A diminuição das chuvas e da umidade relativa do ar durante o inverno deverá criar condições de inversão térmica em um nível crítico, segundo o cientista. Por outro lado, a insolação mais intensa aumentará as reações fotoquímicas com os poluentes dispersos na atmosfera.

“Se não houver uma redução das emissões de precursores de poluição, vamos ter episódios mais agudos de poluição do ar. Esses episódios aumentarão certamente o número de mortes relacionadas à poluição, que ocorrem em número não desprezível em São Paulo”, afirmou Nobre.

Possíveis adaptações

O diagnóstico preliminar feito pelo painel, segundo Nobre, será aperfeiçoado nos próximos meses e os cientistas procurarão identificar as áreas geográficas específicas onde algumas das vulnerabilidades poderão se manifestar de forma mais acentuadas.

“Para cada um desses fatores o painel de especialistas procurou elencar quais seriam as respostas possíveis em termos de ações de políticas públicas – o que chamamos de adaptação”, explicou.

O pesquisador afirmou que, no caso da poluição, por exemplo, a adaptação possível deverá passar pela redução drástica das emissões de poluentes. “Se o clima mudar como estamos prevendo, não se pode fazer muita coisa para diminuir a temperatura, ou aumentar a umidade. Mas podemos reduzir de forma dramática as emissões dos precursores de poluição – que, no caso de São Paulo, correspondem especialmente às emissões veiculares”, disse.

A diminuição das emissões veiculares, segundo ele, pode ser feita com combustíveis mais adequados, carros mais eficientes e o incentivo aos transportes de massa, com restrições ao número de automóveis. “São soluções já discutidas hoje, mas que se tornarão imprescindíveis”, declarou.

Em relação às ondas de calor, a adaptação mais plausível, segundo Nobre, seria a arborização. “Trata-se de uma prática que São Paulo perdeu com o tempo. Temos menos de 1% de área verde no centro da cidade. A arborização é uma medida muito simples e benéfica, mas que demanda uma mudança cultural importante”, declarou.

De acordo com Nobre, a cidade de São Paulo já é uma das mais impermeabilizadas do mundo, o que irá favorecer as enchentes e inundações. Esse problema, segundo ele, também admite adaptações. “Já há códigos de construção que tentam diminuir a impermeabilização. Isso se tornará ainda mais importante no futuro. Essa seria uma medida concreta de adaptação”, afirmou ele.

Quanto às populações pobres, será preciso especialmente impedir que elas se instalem em áreas de risco e, aos poucos, remover as famílias que já estão nessas áreas, segundo Nobre. “Outra medida, sem dúvida, é o desenvolvimento social, com a eliminação da pobreza”, afirmou.

Os cálculos de abastecimento de energia, de acordo com o diagnóstico dos cientistas, deverão de agora em diante levar em consideração não mais apenas o aumento da população e do consumo per capita, mas também as mudanças climáticas.

“Outro ponto importante é a questão da migração. Como as secas do semi-árido do Nordeste serão mais intensas nas próximas décadas, deverá haver grande número de refugiados. Grande parte dessas populações tem vínculos de parentesco em São Paulo, o que deverá gerar um intenso fluxo migratório, decorrente da intensificação da seca, para o qual São Paulo precisará estar preparada”, afirmou.

Diferenças entre SP e RJ

Segundo o cientista, há diferenças marcantes entre as vulnerabilidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. “A mais evidente é que São Paulo não está sujeita ao risco do aumento do nível do mar. As duas cidades têm muitas favelas, mas a capital fluminense tem um problema maior: cerca de um milhão de pessoas em favelas localizadas em baixadas – áreas sujeitas a inundações dos rios e do mar. São Paulo também tem favelas sujeitas a inundações, mas em número muito menor”, disse.

A poluição do ar, segundo Nobre, é um problema bem menor no Rio de Janeiro. “Os ventos, a circulação e a brisa marítima fazem com que não seja um problema agudo. E não é um problema de inverno”, disse. A capital fluminense tem muito mais vegetação que São Paulo, segundo ele. “São Paulo não tem mais áreas verdes consideráveis, exceto as áreas de mananciais da Serra da Cantareira e da represa Billings, na região metropolitana”, disse.

A questão da saúde e da poluição é muito mais aguda em São Paulo, segundo ele. As duas cidades têm vulnerabilidade de deslizamento de encostas. As vulnerabilidades de abastecimento de água e seca, além de ondas de calor, são maiores em São Paulo.

“O Rio de Janeiro é mais quente, mas o que faz a vulnerabilidade em relação à temperatura é a diferença em relação ao que se está acostumado – isto é, quando ocorre um aquecimento que sai da faixa do conforto térmico da pessoa. Por isso as ondas de calor poderão causar mais mortes em São Paulo”, explicou.

Reportagem de Fábio de Castro, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 27/07/2009

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