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AVC Diagnóstico e tratamento dos fatores de risco, artigo de Wilson Nadruz Junior

 

AVC – Diagnóstico e tratamento dos fatores de risco, artigo de Wilson Nadruz Junior

[ComCiência] A enxaqueca, também conhecida como migrânea, é uma disfunção cerebral com reconhecido componente genético e que afeta cerca de 20% das mulheres, sendo três vezes menos comum entre os homens. Tanto os neurônios como os vasos cerebrais estão envolvidos como principais protagonistas da enxaqueca, e uma boa definição para o cérebro de uma pessoa com enxaqueca é a de um cérebro hiperexcitável: excita-se com mais facilidade que o normal diante de estímulos externos (luminosidade, ruídos, cheiros) ou internos (privação de sono, estresse psicológico).

Cerca de 25% das pessoas que sofre de enxaqueca apresenta também o fenômeno da aura, que é um aviso de que a dor está por começar, mas que também pode acontecer já na fase da dor de cabeça. O fenômeno comumente apresenta-se como sintomas visuais – visão de pontinhos luminosos, flashes em ziguezague, falha no campo visual. Menos comumente, a aura pode se apresentar como formigamento de um lado do corpo, dificuldade para falar e, mais raramente, como perda da força de um lado do corpo. Durante a aura, o cérebro é acometido por uma breve onda de excitação, seguida imediatamente de uma onda de depressão de sua atividade elétrica de forma mais sustentada. Esse componente elétrico é acompanhado de breve dilatação dos vasos, seguida por constrição e, consequente, redução do fluxo sanguíneo. Esse fenômeno também é demonstrado em pessoas com enxaqueca que não experimentam sintomas da aura.

Atualmente, é bem reconhecido que as manifestações da enxaqueca vão além da aura e da dor de cabeça propriamente dita. São várias as condições clínicas que são mais comuns entre indivíduos com enxaqueca do que na população em geral. Transtornos de humor e de ansiedade são algumas delas. Tais condições chegam a ser três vezes mais comuns nos indivíduos com enxaqueca. As mesmas diferenças nos circuitos neurais que levam algumas pessoas a ter crises de dor podem também favorecer a apresentação dessas condições psiquiátricas. Essa também é uma forma de explicar a alta prevalência de tontura ou vertigem, que chega a acometer 50% dos enxaquecosos, e o fato da epilepsia ser mais comum nessa faixa da população.

Sintomas gastrointestinais, como refluxo, dispepsia, constipação, diarréia e náusea, também são mais comuns entre os enxaquecosos do que na população em geral, e ainda mais comuns no caso de crises frequentes de enxaqueca. Vários fatores podem contribuir para isso: uso de medicamentos, disfunção do sistema nervoso, fatores psíquicos. Também j á foi demonstrado que dores pelo corpo são cerca de duas vezes mais comuns em indivíduos com enxaqueca. E, recentemente, alguns estudos evidenciaram uma maior frequência de endometriose e intensidade do fluxo menstrual em mulheres com enxaqueca. Asma, rinite e outras alergias s ão mais comuns entre indivíduos com enxaqueca, fato que chama a atenção para um possível mecanismo alérgico em parte dos pacientes com enxaqueca.

Já o entendimento da relação entre enxaqueca e a doença cerebrovascular tem sido perseguido por décadas e ainda é uma discussão que está longe de ser esgotada. E a interface entre a enxaqueca e a doença cerebrovascular realmente não é simples, pois temos evidências de que as duas condições se relacionam de diferentes formas: 1) a enxaqueca como fator de risco para doença cerebrovascular; 2) um acidente vascular cerebral como fator precipitante de crise de enxaqueca; 3) existência de fatores que estão associados tanto ao risco de enxaqueca como de doenças cerebrovasculares; 4) crises de enxaqueca que mimetizam um acidente vascular cerebral. No presente artigo, manteremos o foco na discussão do primeiro ponto descrito acima.

Enxaqueca como fator de risco para doença cerebrovascular

Lesões cerebrais vasculares isquêmicas, especialmente nas regiões mais posteriores do cérebro, são mais comuns em indivíduos com enxaqueca com aura, fato não demonstrado de forma inequívoca entre aqueles com enxaqueca sem aura. O risco também é maior quando as crises são frequentes, cerca de três vezes maior quando se mistura enxaqueca e cigarro, até dez vezes maior quando se mistura a enxaqueca com cigarro e pílula anticoncepcional. Mais recentemente, estudos têm revelado que o risco de eventos vasculares é elevado como um todo, incluindo doença isquêmica do coração e doença vascular da retina.

São vários os candidatos para explicar o aumento de eventos vasculares entre indivíduos com enxaqueca: 1) aterosclerose; 2) sangue com maior tendência à trombose; 3) alterações cardíacas associadas; 4) redução do calibre dos vasos durante a crise.

Aterosclerose e sangue com maior tendência à coagulação

Um estudo publicado no ano de 2008 pelo periódico Neurology, da Academia Americana de Neurologia, sugere que o primeiro suspeito da lista, a aterosclerose, não parece ter muita chance de ser o culpado do maior risco de eventos vasculares entre indivíduos com enxaqueca.

Moradores do norte da Itália foram submetidos a acompanhamento médico por 5 anos, incluindo exames seriados das artérias femorais e carótidas, que medem o grau de aterosclerose de um indivíduo. Na população estudada, as pessoas que sofriam de enxaqueca tinham até mesmo um grau de aterosclerose menor do que aqueles sem enxaqueca. Em contraste, a população que apresentava enxaqueca apresentou maior risco de trombose nas veias, tanto nas pernas como no pulmão. A frequência de trombose venosa entre as pessoas com enxaqueca foi de 18,9%, comparada a 7,6% nas pessoas sem enxaqueca. Esses resultados, além de indicarem que a aterosclerose não deva ser o maior responsável pelas complicações vasculares dos pacientes com enxaqueca, sugerem que o segundo suspeito – sangue com maior tendência à trombose – possa realmente ter mais culpa do que se imaginava até então. O maior risco de trombose nas veias, encontrado na pesquisa, apoia essa hipótese, já que a coagulação do sangue é vista como o principal fator causal nesse tipo de trombose.

Os indivíduos com enxaqueca, desse estudo, ainda apresentaram mais fatores da coagulação do sangue que predispõem à trombose (mutação do fator V Leiden), especialmente no caso da enxaqueca com aura. O aumento de outros fatores que predispõem à trombose já haviam sido descritos por outros estudos, como é o caso do fator protrombina, fator de von Villebrand e fator ativador de plaquetas. Também já é sabido que há uma ativação da coagulação sanguínea no momento de uma crise de enxaqueca e que perdura por alguns dias. Além disso, o risco de trombose, nesse estudo italiano, foi maior nas pessoas que tinham mais anos de história de enxaqueca, concordante com pesquisas anteriores que já haviam mostrado que crises frequentes de enxaqueca aumentam o risco de lesões cerebrais por trombose nas artérias.

Há cada vez mais evidências de que a enxaqueca pode ser considerada como um fator agressor da camada mais interna dos vasos (endotélio), lado a lado com os tradicionais fatores agressores, tais como o tabagismo e hipertensão arterial. E uma menor função do endotélio está associada a um maior risco de eventos vasculares. Alguns estudos ainda demonstraram que indivíduos com enxaqueca apresentam um maior contingente de fatores de risco vascular, como tabagismo, hipertensão arterial e maiores níveis de colesterol. A somatória desses fatores que insultam o endotélio pode colaborar sobremaneira para o risco de eventos vasculares entre os enxaquecosos.

Alterações cardíacas

Durante o desenvolvimento fetal, o lado direito do coração comunica-se com o lado esquerdo através do forame oval, comunicação que permanece aberta em cerca de 25% da população em geral e em 50% das pessoas com diagnóstico de enxaqueca com aura. Além disso, estudos também demonstraram que a prevalência de enxaqueca é duas vezes maior entre aqueles que apresentam o forame oval patente.

A maior frequência de forame oval patente entre os enxaquecosos levanta a hipótese de que a passagem do sangue venoso do lado direito do coração – ainda não filtrado pelos pulmões – para o lado esquerdo, permite que o cérebro passe a ter contato com uma série de substâncias em concentrações que seriam capazes de gerar crises de enxaqueca. Entretanto, essa hipótese nunca foi de fato demonstrada. Alguns estudos revelaram melhora das crises de enxaqueca em pacientes que foram submetidos ao fechamento dessa comunicação, mas também há estudos que não confirmaram esses resultados, e, por isso, o procedimento de fechamento do forame oval ainda não pode ser considerado como uma estratégia de tratamento que deva ser indicada aos pacientes com enxaqueca.

Quanto ao risco de eventos cerebrovasculares, os estudos até o momento não permitiram a demonstração de que a maior frequência de forame oval patente entre os enxaquecosos confere-lhes maior risco de doença cerebrovascular. Além disso, já foi demonstrado que os tipos de acidente vascular cerebral menos comuns entre pacientes com enxaqueca são os que têm origem no coração (cardioembólico) e aqueles por aterosclerose de grandes artérias.

Redução do calibre dos vasos durante a crise de enxaqueca

Durante uma crise de enxaqueca, tem-se uma redução temporária do fluxo sanguíneo cerebral por constrição da microcirculação, e reconhece-se que esse fenômeno pode provocar um acidente vascular cerebral, também conhecido como infarto migranoso. O espasmo de grandes artérias também já foi demonstrado em raros casos de acidente vascular cerebral durante uma crise de enxaqueca.

Para se classificar um acidente vascular cerebral como infarto migranoso, o déficit neurológico deve ser coincidente com o momento em que o indivíduo experimenta uma típica crise de enxaqueca com aura. Além disso, os sintomas do acidente vascular cerebral devem ser da mesma natureza das crises de enxaqueca experimentadas pelo indivíduo. O fato é que apenas uma minoria dos acidentes vasculares cerebrais em enxaquecosos ocorre durante uma crise de enxaqueca, não podendo ser classificados como infartos migranosos.

Algumas medicações usadas no tratamento agudo de crises de enxaqueca (triptanos e derivados ergotamínicos) podem até mesmo colaborar para o desenvolvimento de um acidente vascular cerebral, por provocarem constrição, mas existem apenas raros casos descritos na literatura. Entretanto, pesquisas revelam que essas medicações não aumentam o risco de eventos vasculares e podem ser consideradas seguras no tratamento da enxaqueca. Há certo consenso de que se deve evitar tais medicações em alguns tipos raros de enxaqueca (enxaqueca basilar e hemiplégica) e entre pacientes com risco aumentado de apresentar um evento vascular, como é o caso daqueles com doença coronariana.

Particularidades na mulher

O risco de um acidente vascular cerebral em indivíduos com enxaqueca é maior entre as mulheres, especialmente mulheres jovens que apresentam aura, são tabagistas ou usuárias de pílula anticoncepcional, e entre aquelas com crises frequentes. O uso de contraceptivos orais pode dificultar o controle das crises de enxaqueca, e pílulas com menor concentração de estrogênio podem favorecer o controle.

Deve-se ponderar o custo-benefício do uso de pílula anticoncepcional entre mulheres com enxaqueca com aura, frente ao risco de derrame cerebral. A mulher deve evitar o uso de pílula anticoncepcional com conteúdo de estrogênio, especialmente se tiver mais de 35 anos de idade, se for portadora de fatores de risco vascular (tabagismo, hipertensão arterial) ou se tiver história pessoal ou familiar de eventos vasculares (trombose). A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a enxaqueca com aura como categoria 4 na indicação do uso de pílula anticoncepcional com conteúdo de estrogênio, o que quer dizer que é uma condição de saúde em que os riscos do uso da pílula são inaceitáveis.

Um recente estudo publicado pela revista Neurology, em agosto de 2008, nos traz um entendimento melhor ainda entre a relação entre o uso da pílula anticoncepcional, enxaqueca com aura e risco de derrame cerebral. Vinte e cinco mil mulheres foram acompanhadas por 12 anos, e aquelas que apresentavam enxaqueca com aura tiveram duas vezes mais risco de apresentar eventos vasculares, incluindo não só derrame cerebral como também infarto do coração. Os pesquisadores também demonstraram que as mulheres que, além da enxaqueca com aura, ainda apresentavam uma variante do gene MTHFR, já bastante estudado como fator de risco para eventos vasculares, apresentaram um risco quatro vezes maior de desenvolver derrame cerebral.

Além do poder de aumentar o risco de eventos vasculares em mulheres com enxaqueca com aura, o uso de contraceptivos orais pode dificultar o controle das crises, e pílulas com menor concentração de estrogênio podem favorecer o controle. E é bom lembrar que o mesmo cuidado com as pílulas vale para reposição hormonal entre mulheres na menopausa que apresentam enxaqueca com aura.

Durante a gravidez, as crises costumam melhorar em torno de 60 a 80% das mulheres. Recentemente, foi demonstrado que mulheres com enxaqueca têm um risco três vezes maior de apresentar hipertensão arterial na gravidez e um maior risco de gerar bebês de baixo peso. Esses achados apontam que mulheres grávidas e que têm enxaqueca devem ser acompanhadas de forma mais cuidadosa e que a identificação do antecedente de enxaqueca deve passar a fazer parte de uma consulta pré-natal. Vale lembrar que a pressão alta na gravidez é uma das principais causas de complicações tanto à saúde da mãe como à do bebê.

Além disso, chegou-se a demonstrar que a enxaqueca está associada a um risco 17 vezes maior de derrame cerebral em mulheres grávidas e 4 vezes maior de infarto do coração. Esses resultados foram confirmados por uma pesquisa recém-publicada pelo periódico British Medical Journal. Mais de 18 milhões de mulheres grávidas foram acompanhadas por três anos, e foram identificadas aquelas que tiveram o registro de crises de enxaqueca durante a internação hospitalar para o parto. O registro de crises de enxaqueca esteve associado a um maior risco das seguintes doenças na gravidez: derrame cerebral (risco 15 vezes maior), infarto do coração (risco 2,1 vezes maior), tromboembolismo pulmonar (risco 3,2 vezes maior), hipertensão arterial ou pré-eclampsia (risco 2,3 vezes maior) e diabetes (risco 1,9 vezes maior).

A metodologia do estudo não permitiu concluir se a enxaqueca é causa ou consequência dessas doenças associadas. Entretanto, há um sólido corpo de evidências que aponta a enxaqueca como fator de risco para eventos vasculares. Esse estudo acrescenta que mulheres grávidas que apresentam crises de enxaqueca durante a internação para ganhar o bebê devem ser monitoradas de forma mais cuidadosa, por apresentarem maior risco de eventos vasculares, sobretudo, o derrame cerebral.

Tanto a população leiga quanto os profissionais da área da saúde ainda têm a falsa crença de que a enxaqueca é um problema menor. A OMS reconhece a enxaqueca como um problema de saúde pública de alta prioridade e a classifica como uma das 20 doenças que mais provocam incapacidade, lado a lado com o derrame cerebral, a aids e o diabetes. No caso das mulheres, ela é a 12ª nesse ranking da OMS.

Apesar de infrequentes, as complicações cerebrovasculares associadas à enxaqueca são inequívocas, mais especificamente no caso da enxaqueca com aura. Esses pacientes devem ter acompanhamento rigoroso para controle de riscos vasculares modificáveis, como é o caso da hipertensão arterial, dislipidemia e tabagismo. No caso das mulheres, o diagnóstico de enxaqueca deve gerar um maior cuidado no acompanhamento pré-natal assim como uma análise mais crítica dos riscos das terapias com estrogênio.

Ricardo Afonso Teixeira é neurologista clínico e doutor em clínica médica pela Unicamp, e atualmente, dirige o Instituto do Cérebro de Brasília e é o titular do Blog ConsCiência no Dia-a-Dia. Estima-se que, anualmente, 15 milhões de novos casos de acidente vascular cerebral (AVC) ocorrem no mundo. Desse total, 5 milhões vão a óbito e 5 milhões evoluem com sequela neurológica significativa. No Brasil, o AVC é a principal causa de morte. Além disso, segundo dados do INSS, o AVC e o infarto do miocárdio são responsáveis por 40% das aposentadorias precoces no país, o que demonstra o impacto devastador das doenças cardiovasculares, e em especial do AVC, não só do ponto de vista humano, como também socioeconômico.

Diversos fatores podem predispor um indivíduo a ter um AVC. Esses são classificados em não modificáveis e modificáveis.

Os não modificáveis incluem a idade, a raça, o sexo e a história familiar. Dentre os modificáveis, destacam-se a hipertensão arterial, as dislipidemias (alterações nos níveis de gorduras no sangue), o fumo, o diabetes mellitus e a obesidade.

A idade é um importante fator de risco para o desenvolvimento de AVC. Para se ter uma idéia, o risco de AVC aumenta em 2 vezes a cada 10 anos, a partir dos 55 anos. Por outro lado, indivíduos de raça negra e do sexo masculino apresentam maior incidência de AVC em comparação àqueles de raça branca ou do sexo feminino, respectivamente. Ademais, os indivíduos com história familiar de AVC (especialmente os parentes de primeiro grau) têm cerca 2 vezes mais chance de desenvolver essa doença, independentemente de outros fatores de risco.

Hipertensão arterial

A presença de hipertensão arterial aumenta em 3 a 5 vezes o risco de AVC. Nesse contexto, estima-se que 40% dos indivíduos que apresentam eventos vasculares cerebrais são portadores de hipertensão arterial. Um caso famoso que demonstra o impacto da hipertensão arterial sobre o AVC é o do ex-presidente americano Franklin Delano Roosevelt, o qual comandou o país durante a Segunda Guerra Mundial. Roosevelt era um hipertenso de difícil controle clínico e veio a falecer em 1945, em consequência de um AVC hemorrágico, quando sua pressão arterial estava em níveis próximos a 300X200mmHg. Esse fato mostra que a hipertensão não controlada pode provocar um AVC do mais simples cidadão até o mais importante governante.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, são considerados hipertensos aqueles indivíduos com pressão arterial sistólica maior ou igual a 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica maior ou igual a 90mmHg. Em contrapartida, os portadores de diabetes mellitus ou de insuficiência renal são classificados como hipertensos quando a pressão arterial sistólica é maior ou igual a 130mmHg e/ou a pressão arterial diastólica é maior ou igual a 80mmHg, demonstrando que esses indivíduos são particularmente sensíveis a aumentos nos níveis de pressão arterial.

Diversas medidas não medicamentosas podem reduzir a pressão arterial e contribuir para a prevenção do desenvolvimento de hipertensão arterial. Dentre elas, destacam-se a redução no consumo de sal, a realização de atividade física regular, o controle do peso corporal e adoção de um estilo de vida menos estressante. Além disso, o consumo exagerado de álcool deve ser evitado. Por outro lado, existem várias medicações anti-hipertensivas disponíveis no mercado, as quais são úteis para a manutenção da pressão arterial em níveis considerados normais.

Dislipidemias

As alterações nos níveis de lípides (gorduras) no sangue, também conhecidas como dislipidemias, aumentam em 2 a 3 vezes o risco para o desenvolvimento do AVC. As principais dislipidemias que estão relacionadas aos eventos vasculares cerebrais compreendem o aumento do colesterol-LDL (conhecido como o colesterol ruim) e a presença de níveis baixos de colesterol-HDL (conhecido como o colesterol bom). De maneira geral, níveis de colesterol-HDL são considerados adequados quando maior ou igual a 40mg/dL nos homens e maior ou igual a 50mg/dL nas mulheres. Já o valor desejável de colesterol-LDL é bastante influenciado pela presença concomitante de outros fatores de risco, como hipertensão arterial, tabagismo, diabetes mellitus e história familiar de AVC ou de infarto do miocárdio. Nesse sentido, indivíduos que não apresentam nenhum fator de risco podem ter um valor aceitável de colesterol-LDL abaixo de 160mg/dL. Nos sujeitos portadores de muitos fatores de risco, os valores ideais podem ser menores que 100mg/dL. Já naqueles que tiveram AVC ou infarto do miocárdio prévio, o colesterol-LDL deve ser mantido abaixo de 70mg/dL.

Níveis elevados de colesterol-LDL podem ser resultantes do consumo elevado de gorduras e/ou de características genéticas. A primeira medida a ser tomada para reduzir o colesterol-LDL é a diminuição do consumo de gorduras, especialmente as de origem animal. Entretanto, quando as mudanças na dieta não forem eficazes ou quando os níveis de colesterol-LDL forem muito elevados, pode ser necessário o tratamento farmacológico. As medicações mais utilizadas para reduzir o colesterol-LDL são as chamadas estatinas (por exemplo, sinvastatina, pravastatina, atorvastatina, rosuvastatina), as quais reduzem a síntese de colesterol no fígado. Embora essas medicações sejam muito seguras, seu uso deve ser sempre recomendado e acompanhado por um médico, pois pode haver efeitos adversos, especialmente no fígado e nos músculos.

O aumento do colesterol-HDL é geralmente atingido por meio da realização de atividade física regular, enquanto que algumas medicações, como o ácido nicotínico e os fibratos, podem também ser utilizadas para este fim.

Tabagismo

O tabagismo aumenta o risco cardiovascular em 2 a 3 vezes. Porém, em um tabagista prévio, o risco relativo cardiovascular é reduzido ao de um não tabagista após um ano da interrupção do hábito de fumar. Além disso, o fumo passivo pode predispor a uma maior incidência de AVC, demonstrando que a cessação do fumo não só traz benefícios para o fumante como também para os que convivem com ele.

Diabetes mellitus

O diabetes mellitus é uma doença causada por uma produção inadequada de insulina, que é um hormônio cuja função principal é transportar glicose do sangue para dentro das células. Dessa forma, o paciente com diabetes mellitus tipicamente apresenta um aumento na glicemia (que é a glicose aferida no sangue). O diagnóstico de diabetes pode ser feito de três formas: 1) quando o indivíduo apresentar duas medidas de glicemia obtidas em jejum maiores ou iguais a 126mg/dL; 2) quando o indivíduo tiver uma glicemia obtida em qualquer horário maior ou igual a 200gm/dL, estando esta associada a sintomas como poliúria (urinar bastante), polidipsia (beber muita água), polifagia (comer exageradamente) e emagrecimento; 3) quando a glicemia estiver maior ou igual a 200gm/dL após 2 horas de ingestão de uma quantidade pré-estabelecida de glicose (esse teste é conhecido como teste de tolerância à glicose). Se um indivíduo preencher 1 dos 3 critérios acima, ele é considerado diabético.

Diversas evidências têm sugerido que o controle da glicemia não exerce impactos muito significativos sobre a incidência de AVC nos indivíduos diabéticos, embora possa reduzir o risco de lesões na retina, nos rins, e nos nervos periféricos. Assim, recomenda-se que a glicemia de jejum seja mantida em valores abaixo de 110mg/dL. Essa meta pode ser alcançada através de mudanças nos hábitos alimentares, os quais incluem redução do consumo de açúcar, doces e massas, e do uso de medicações hipoglicemiantes.

Em contrapartida, o risco de AVC nos diabéticos é particularmente sensível a alterações nos níveis dos lípides e da pressão arterial. Nesse contexto, recomenda-se que o colesterol-LDL seja mantido abaixo de 100mg/dL, o colesterol-HDL acima ou igual a 50mg/dL, tanto em homens quanto em mulheres, e a pressão arterial abaixo de 130X80mmHg.

Obesidade

A obesidade aumenta em cerca de 2 vezes o risco para o AVC, independentemente de outros fatores de risco. Além disso, a obesidade predispõe a outras doenças que aumentam o risco de AVC, como a hipertensão arterial, as dislipidemias e o diabetes mellitus. Uma maneira simples de avaliar se um indivíduo está na faixa normal de peso é estimando o Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC é calculado pela fórmula: Peso(kg)/Altura(m) 2. O IMC entre 18,5 e 24,9kg/m 2 é considerado saudável ou normal. O IMC entre 25 e 29,9kg/m 2 é considerado sobrepeso, enquanto que valores maiores ou iguais a 30 kg/m 2 classificam o indivíduo como obeso.

Além da avaliação global do peso, diversas evidências têm demonstrado que o padrão de distribuição de gordura corporal pode influenciar o risco cardiovascular. Nesse contexto, sujeitos com aumento da circunferência abdominal, ou seja, com predomínio de gordura no abdômen, apresentam maior chance de desenvolver AVC.

Conclusão

A partir das evidências demonstradas acima, as principais medidas para a prevenção do AVC incluem:

1. Mudanças de estilo de vida (redução do consumo de sal e gorduras, realização de atividade física regular e controle do peso corporal)
2. Tratamento e controle da hipertensão arterial
3. Cessação do fumo
4. Tratamento das dislipidemias
5. Controle mais rígido dos fatores de risco nos indivíduos diabéticos

Wilson Nadruz Junior é professor da disciplina de cardiologia, no Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Ciências Médicas, da Unicamp, e coordenador do Ambulatório de Hipertensão Arterial do Hospital das Clínicas da Unicamp. Email: wilnj@fcm.unicamp.br

* Artigo originalmente publicado na ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, LABJOR/SBPC

[EcoDebate, 22/06/2009]

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