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Notícia

Levantamento do Ministério do Trabalho detecta reincidência em escravidão

trabalho escravo: vamos abolir de vez essa vergonha

Pelo menos 257 de 19.547 trabalhadores resgatados, entre 2004 e 2008, retornaram à condição análoga a de escravo

Governo detecta reincidência em escravidão – Pará é o Estado com mais casos de recaída do regime, quando o trabalhador fica atrelado a uma dívida com o seu próprio empregador

Levantamento do Ministério do Trabalho com base nos pagamentos do seguro-desemprego detectou a existência de trabalhadores resgatados mais de uma vez em situação análoga a de escravo.

Dos 21.667 trabalhadores resgatados entre 2004 e 2008, 19.547 receberam o seguro-desemprego. O levantamento da pasta, feito a pedido da Folha, revela que, entre esses beneficiados, 257 receberam seguro-desemprego mais de uma vez, ou seja, foram submetidos ao menos duas vezes a esse tipo de mão-de-obra. Matéria de Eduardo Scolese, da sucursal de Brasília, Folha de S.Paulo, 12 de abril de 2009.

A partir de 2003, o trabalhador resgatado pelo grupo móvel de fiscalização (formado por auditores, procuradores e policiais federais) passou a receber três parcelas do seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo cada (R$ 465).

Ao detectar a reincidência, o ministério mapeou a residência de cada um desses trabalhadores. Entre os Estados, a liderança é do Pará, com 57 dos 257 casos. Em seguida, aparecem Maranhão (54), Bahia (44) e Tocantins (30).

Entre os municípios, no topo do ranking está Ananás (TO), com 21 casos. Um deles é Irani Pereira da Silva, 38, casado e pai de cinco filhos.

“Aqui a gente não tem emprego. Não tem opção e acaba indo trabalhar lá [fazenda] de novo”, afirmou Silva, resgatado em 2006 e 2008 pelo grupo móvel. Nas duas ocasiões, trabalhava numa área de pecuária do município. “Tenho filhos pra criar. O jeito é ralar pra sobreviver”, disse, por telefone.

Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho do ministério, diz que a reincidência ocorre pela falta de opções. “Quando retorna [do primeiro resgate], com as verbas rescisórias e as parcelas do seguro-desemprego, num primeiro momento o trabalhador tem recursos para sobreviver e sair da vulnerabilidade. Mas, ao terminar esses recursos, sem alternativa de trabalho e renda no local de origem, ele, no desespero, acaba sendo pego na rede dos “gatos” [os aliciadores do trabalho escravo].”

Segundo ela, outros dois pontos contribuem com a reincidência: a existência do chamado “peão de trecho”, que é o trabalhador sem residência fixa que vive no aguardo dos “gatos”, e o discurso falso do empregador usado para convencer o trabalhador.

Nos dias de hoje, configura-se a escravidão quando os trabalhadores são submetidos à chamada “servidão por dívida”, ou seja, são forçados a ficar nas propriedades até saldarem os débitos contraídos com os empregadores na “compra” de alimentos, roupas e equipamentos usados no trabalho. Como não têm como pagar essas dívidas, permanecem escravizados até serem “resgatados” pelos fiscais do ministério.

Para frei Xavier Plassat, da coordenação da campanha da CPT (Comissão Pastoral da Terra) para a erradicação do trabalho escravo, as ações do grupo móvel são insuficientes.

“Não basta essa repressão. No lado da demanda, é preciso punição, com prisão e multa, para que [o fazendeiro] não tenha o gosto de recomeçar com essa prática. No lado da oferta, são necessárias políticas públicas de grande envergadura, como a reforma agrária, para que esse trabalhador não opte por esse tipo de mão-de-obra”, afirmou Plassat.

No início do mês passado, num ação sem precedentes no país, a Justiça Federal de Marabá (PA) condenou criminalmente 28 pessoas acusadas de ter submetido trabalhadores à situação análoga à escravidão.

No levantamento, o ministério também mapeou a naturalidade desses reincidentes. Dos 257 nessa situação, 84 (32%) são maranhenses. Atrás, vêm os nascidos na Bahia (48), Tocantins (26), Pará (24) e Piauí (23).

Áreas incluídas na “lista suja” passam por nova fiscalização

O governo inicia neste mês uma ação de “refiscalização” em todas as áreas do país flagradas com trabalho escravo e incluídas, desde o final de 2004, na chamada “lista suja” do Ministério do Trabalho.

Já passaram por esse cadastro nacional 366 empresas e pessoas por conta da exploração desse tipo de mão-de-obra.

A ordem dessas novas visitas do grupo móvel ocorrerá de forma aleatória, justamente para causar um efeito surpresa nos proprietários que estejam repetindo a prática.

A fiscalização também verifica se os trabalhadores recebem condições adequadas de alimentação, alojamento e se contam com equipamentos de proteção adequados para o trabalho que realizam.

Desse roteiro de refiscalização serão excluídas as propriedades que, após o primeiro flagrante e a inclusão na “lista suja”, mudaram de atividade econômica ou foram vendidas ou desmembradas.

O objetivo, segundo o governo, é checar a eficácia do trabalho de fiscalização do grupo móvel do ministério.

Para a CPT (Comissão Pastoral da Terra), essa “repressão” não é capaz, sozinha, de solucionar o problema do trabalho escravo.

Quem for flagrado de novo, além de uma multa dobrada, terá sua ficha reencaminhada ao Ministério Público do Trabalho com o agravante da reincidência da irregularidade.

“[A propriedade] permanece na lista durante dois anos, sendo monitorada, para verificar se realmente aprendeu a fazer a coisa do jeito certo. A única forma de verificarmos o resultado concreto desse trabalho é retornando para ver se esse efeito pedagógico existiu”, afirma Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho.

Segundo a pasta, essa ação não irá atrapalhar o ritmo normal de outras fiscalizações. Isso porque todas as áreas já flagradas estão com suas coordenadas lançadas em aparelhos GPS (Global Positioning System), o que facilita a organização de uma sequência de visitas num mesmo dia.

No ano passado, a Justiça Federal de Marabá condenou criminalmente 28 pessoas acusadas de ter submetido trabalhadores rurais a condições semelhantes à escravidão. As penas variaram -a maior condenação foi a de dez anos de prisão. Os condenados poderiam recorrer. (ES)

[EcoDebate, 14/04/2009]

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