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Artigo

A Europa e a iniciativa dos três vintes, artigo de Luis Queiros

A segunda análise estratégica da política energética, divulgada no final do ano transacto pela Comissão Europeia, reafirma o compromisso na Iniciativa 20-20-20: conseguir até 2020 uma redução de 20% das emissões de gases com efeito de estufa; aumentar para 20% a quota das energias renováveis no consumo energético; e melhorar a eficiência energética em 20%.

De entre as várias acções que se pretende levar a efeito no âmbito desta iniciativa, destacam-se os investimentos em estruturas de transporte de energia, como sejam o plano de interconexão do Báltico e a construção do designado corredor meridional do gás. Este corredor visa reduzir a dependência da Europa em relação ao gás russo, procurando acesso às fontes alternativas do mar Cáspio e, em última análise, às enormes reservas de gás do Iraque, do Irão e do Qatar.

Não espanta esta preocupação da Comissão com o gás natural. Ele adquiriu uma importância muito grande na produção de energia eléctrica na União Europeia, e é já responsável por 28% da capacidade total, à frente do carvão e do nuclear. Em alguns países, como são os casos da Holanda, da Itália, do Reino Unido e da Espanha, essa importância é ainda maior. E é para centrais eléctricas a gás que estão a ser dirigidos os maiores investimentos nos próximos anos. Será também assim em Portugal.

Acontece que a União Europeia produz apenas 40% do gás natural que consome. Os restantes 60% chegam, na sua maior parte, através de gasodutos: da Rússia, 25%; da Noruega, 15%; da Argélia, 11%; uma pequena parte de 9% chega à Europa de outras origens, transportado em navios metaneiros sob a forma de gás liquefeito. Para agravar a situação, a produção interna de gás natural, centrada sobretudo na Holanda e no Reino Unido, está a diminuir rapidamente, prevendo-se que em 2020 satisfaça apenas 25% do consumo total europeu.

As intenções da Comissão são boas, ao propor a Iniciativa 20-20-20. Mas as metas ambicionadas parecem difíceis de atingir no curto espaço de 11 anos. Actualmente, as energias renováveis representam apenas 8,5% da energia primária europeia. E depois do falhanço dos biocombustíveis, não se vê como chegar aos 20% até 2020. A actual crise económica só vem dificultar as coisas, pois torna-se cada vez mais difícil assegurar o financiamento dos novos projectos na produção eólica e solar.

O aumento da eficiência energética, como forma de reduzir o consumo, é um bom caminho. Mas pode ter um efeito oposto ao desejado, como postula o paradoxo de Jevons: maior eficiência na utilização de um recurso leva a uma maior utilização desse recurso. Mais difícil ainda se afigura a redução em 20% das emissões de gases com efeito de estufa: a captura ou sequestro do anidrido carbónico é ainda uma miragem, e a iniciativa fala apenas de instalações experimentais até 2020. Os novos projectos em curso para a energia nuclear, que o Comissário Piebalgs parece acarinhar, também não são em número e dimensão suficientes para contrariar de forma significativa as indesejadas emissões.

Tanto a nova administração Obama-Biden com o seu programa Nova energia para a América como a Comissão Europeia com a iniciativa 20-20-20 elegeram definitivamente a energia como um dos temas a colocar no topo das prioridades das suas agendas.

A Europa e os Estados Unidos padecem do mesmo mal, a grande dependência energética externa. E adoptam políticas semelhantes para o combater. Parecem contudo condenadas a seguir caminhos divergentes, para atingir os seus objectivos. Os EUA vão procurar suprir as suas carências no Canadá, no México, na Venezuela e nas áreas costeiras do Atlântico Sul (Brasil e golfo da Guiné). A estratégia europeia aconselha que a política externa da União tenha em conta os objectivos energéticos. Daí as propostas que surgem, de acções visando uma aproximação à Rússia, aos países do Cáspio, aos do Médio Oriente e do Norte de África, que são afinal as áreas geograficamente mais vocacionadas para fornecer a energia de que a Europa necessita.

A eventual saída dos americanos do Iraque – onde europeus e americanos defendem interesses comuns – acentuará ainda mais essa divergência. No Médio Oriente convergirão, no futuro, não só os interesses das economias mais desenvolvidas (UE, EUA, Japão e Coreia) mas também os da China, da Índia e do Paquistão, cada vez mais ávidos de energia.

Deste modo a Rússia, com as suas vastas reservas energéticas, surge de forma inevitável no caminho da Europa. A seguir à Turquia e à Ucrânia, poderá muito bem ser um candidato desejado para integrar a União Europeia.

Presidente do Grupo Marktest. Membro da ASPO-Portugal

* Artigo publicado no Jornal de Negócios, Portugal

** Enviado por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate.

[EcoDebate, 26/02/2009]

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