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Artigo

A lenta transição demográfica da África Subsaariana, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

População da África Subsaariana

 

[EcoDebate] A transição demográfica é um dos fenômenos sociais de mudança de comportamento de massa mais importantes da história da humanidade. Desde o surgimento do Homo Sapiens, há cerca de 200 mil anos, as taxas de mortalidade sempre foram altas e para compensar os óbitos precoces, as taxas de fecundidade também tinham de ser altas. Segundo Angus Madison, por volta de 1800, a esperança de vida da população mundial estava na casa de 25 anos e as taxas de fecundidade estavam em torno de 6 filhos por mulher.

Mas as taxas de mortalidade, principalmente mortalidade infantil, começaram a cair com os avanços da industrialização, da urbanização, da educação, do saneamento básico e o aumento da oferta de alimentos. Depois de um certo tempo, após o início da transição da mortalidade, teve início a transição da fecundidade. Este processo de mudança de altas taxas para baixas taxas de mortalidade e natalidade/fecundidade é conhecido como transição demográfica.

Praticamente todos os países e regiões do mundo já iniciaram este processo de transição demográfica. Contudo, o nível, o padrão, o início, o ritmo de queda e o final do processo variam sobremaneira. De modo geral, pode-se dizer que a Europa (e países de forte influência europeia como EUA, Canadá e Austrália) liderou a transição demográfica, pois foi o continente que, ainda no século XIX, experimentou o início da queda das taxas de mortalidade e fecundidade. Mas a transição demográfica se espalhou para o resto do mundo, em ritmos diferentes, ao longo do século XX.

Segundo a Divisão de População da ONU, em 1950, a população da Europa era de 549 milhões de habitantes, de 544 milhões na China, de 376 milhões na Índia, 179 milhões na África Subsaariana e 169 milhões na América Latina e Caribe (ALC). A população somada de Europa, China, Índia e ALC era de 1,6 bilhão de habitantes, sendo que a população da África Subsaariana naquela época representava cerca de 10% deste total.

Mas como o ritmo da transição demográfica foi diferente em termos nacionais e regionais a distribuição espacial e o ritmo de crescimento populacional mudou a configuração. Em 2016, a Europa já apresentava o segundo menor contingente de habitantes (641 milhões) a China e a Índia ficavam com primeiro e segundo lugar e a África Subsaariana, com 1 bilhão de habitantes ficava em terceiro lugar.

Para 2046, a situação vai mudar bastante conforme as projeções da ONU. A população da África Subsaariana vai atingir 2 bilhões de habitantes, ficando em primeiro lugar. Em seguida vem a Índia com 1,7 bilhão de habitantes, superando a China (com 1,36 bilhão), a ALC com 779 milhões de habitantes, superando a Europa com 711 milhões de habitantes.

Na segunda metade do século XXI, a população vai decrescer na maior parte do mundo, mas vai continuar crescendo na África Subsaariana e deve atingir 3 bilhões de habitantes em 2072 e 4 bilhões de habitantes em 2100. Ou seja, no final do século, a população da África Subsaariana será equivalente à população de Índia, China, Europa e ALC também com 4 bilhões de habitantes. Portanto, entre 2016 e 2100 a população da África Subsaariana vai passar de 1 bilhão para 4 bilhões de habitantes, colocando um grande desafio para a redução da pobreza, a melhoria da qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental. Há que destacar que o Norte da África já está em uma fase mais adiantada da transição demográfica e deve apresentar estabilidade do crescimento até o final do século.

Para entender a lenta transição demográfica da África Subsaariana vale a pena ler o trabalho Africa’s unique fertility transition, apresentado na reunião anual da Population Association of América (PAA), que aconteceu de 31 de março a 02 de abril de 2016, de um dos demógrafos mais importantes do mundo, John Bongaarts. Segundo o autor, a diferença da África Subsaariana em relação à outros países e regiões é que a transição demográfica acontece de maneira tardia (later), em ritmo mais lento (slower), teve início em um limiar de desenvolvimento mais baixo (Earlier) e o nível da fecundidade é elevado (higher) do que em outras regiões do mundo, assim como é menor o uso de métodos contraceptivos. Reproduzo abaixo as conclusões do artigo de Bongaarts:

“Conclusion

This study uncovered both expected and unexpected patterns in the fertility transitions of African populations. The results can be summarized concisely: The African transition is later, earlier, slower and higher than the earlier transitions in other regions of the developing world.

Later. The onset of the transition in Africa occurred on average in the mid-1990s, about two decades later than in non-African countries. This delay is more or less in accord with conventional theory which predicts that transitions take place later in time in countries where socioeconomic development is delayed.

Earlier. The level of development at time of onset of the African fertility transition was lower than at the onsets in other LDCs. In other words, the African transitions occurred earlier than they would have occurred if Africa had followed the non-African relationship between fertility and development. This finding is expected from diffusion theory.

Slower. The pace of fertility decline at the time of the African transition onset was slower than the comparable pace at the onset of non-African transitions. At the same time the pace of improvement in development indicators at time of the African onset was also slower. This finding is therefore largely in accord with conventional demographic theory.

Higher. At a given level of development Africa’s fertility is higher, contraceptive use is lower and desired family size is higher than in non-African countries. While the higher preferences can explain the lower prevalence of contraception and the higher fertility, the reasons for the relatively high preferences lie in traditional pro-natalist social, economic and cultural practices as discussed by Caldwell (1992).

The slow pace of the African transition and the occasional stalling of fertility declines can therefore be attributed to several factors. First, the pace of African development has been slow and other things being equal this alone would lead to slower transitions. Second, the pro-natalist nature of African societies implies a resistance to fertility decline that does not exist or is weaker in non-African countries. Finally, although the role of family planning programs in Africa has not been examined in this chapter, the fact that these programs remain weak in many African countries undoubtedly contributes to slow transitions in much of the continent (see further discussion in other contributions to this volume). The AIDS epidemic may have been partly responsible for diverting resources and policy attention from other health issues, including family planning (Schiffman 2008). But this is clearly a missed opportunity because in the few countries where governments have made family planning programs a priority (e.g. in Rwanda and Ethiopia) rapid uptake of contraception and fertility decline followed (Olson and Piller 2013, Westoff 2013)”.

Referência:

BONGAARTS, John. Africa’s unique fertility transition, Population Association of America, Washington, 31 de março a 02 de abril de 2016

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 22/04/2016

[cite]

 

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