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Artigo

Do frango brasileiro na África ao fim do mundo, artigo de Paulo Sanda

 

[EcoDebate] Então escuto o Carlos Alberto Sardenberg na CBN.
A África do Sul está erguendo barreiras contra o frango brasileiro.
Acusam o Brasil de práticas desleais, para conseguirem praticar um preço tão baixo.
O mesmo que o Brasil faz em relação aos eletrônicos chineses.

O Sardenberg continua, mostrando que estas barreiras econômicas, somente atrasam o desenvolvimento, que com isto as indústrias produzem menos, pois o mercado fica reduzido, e consequentemente são gerados menos empregos.

Nada pessoalmente contra o Sardenberg, até fui entrevistado por ele em uma ocasião, mas como ex-operador de pregão Bovespa e BM&F, como economista, eu já cai na esparela de dar crédito a estes absurdos.

Só que já faz alguns anos, acredito que passa de uma década, que venho questionando estes verdadeiros dogmas do mercado.

Explico porque:

Na década de oitenta, havia uma corrente que acreditava que com a evolução das tecnologias, a jornada de trabalho seria reduzida, pois poderíamos produzir mais em menos tempo.

E isto já estava acontecendo e continua, cada vez mais rápido. Aliás já era uma realidade, talvez, desde que foram criadas as primeiras ferramentas para agricultura ou para guerra.

Afinal de contas, da mesma forma que com um arado, puxado por tração animal, um homem podia cultivar de forma mais rápida um pedaço maior de terra. Com espadas, lanças e carros de guerra, um soldado pode matar muito mais inimigos que com as mãos.

Mas não parou por ai, tivemos o advento das armas de fogo e da máquina a vapor.

Cada vez podemos produzir mais e também matar mais.

Esta realidade não mudou, celulares, computadores, internet, automação na agricultura e na indústria, tudo isto faz com possamos produzir cada vez mais com menos pessoas.

A morte também evoluiu, mas evoluiu tanto que saiu do alcance de nossos olhos.

Afinal de contas, para matar uma pessoa com as mãos ou com uma espada, precisavamos estar frente a frente com ela.

Tanto que o personagem Conan o Bárbaro, dizia não gostar de flechas, pois não via os olhos do homem que estava matando.

Na idade média, a sociedade europeia, descobriu que poderia “lucrar” mais, levando a morte para as colônias. Exploravam e vida na África, nas Américas e na Ásia. Mataram muito, devastaram muito. Como resultado de tudo isto, puderam fazer suas revoluções. A industrial a partir da Inglaterra, a “democrática” francesa, antes disto progresso no saber e na cultura. Enfim, o terceiro mundo pagou pelo bem estar europeu.

Mas uma colônia deu um grito de independência. E não foi o Brasil.

Os Estados Unidos começaram a trilhar seu caminho, e aproveitaram as grandes chances surgidas no século XX. As guerras. Forneceram armas, criaram armas, “dominaram” o mundo. Conseguiram arrancar bons nacos de “carne” da Europa, e continuaram a se suprir, esfolando o resto do mundo.

Mas outra coisa começou a mudar.

O “poder” deixou de ser das nações, surgiu uma figura nova, a corporação. As corporações são as legitimas herdeiras dos ideais imperialistas.

O que importa para as corporações, é que o dinheiro circule, para crescer cada vez mais. Desde que seu destino seja sempre seus próprios bolsos.

Para isto elas se valem de todas as armas, com novas roupagem, mas com a mesma finalidade, explorar o ser humano e a natureza. Aliás elas fazem isto tão bem, que estamos a beira do colapso, tanto humano como ambiental.

Pois apesar de produzirmos mais, não temos mais tempo para o prazer, muito pelo contrário, temos que produzir agora por 10, 20, 30, 100. Desta forma, as empresas, produzem de forma mais eficiente com cada vez menos pessoas.

Só que tem uma coisa que não fecha nesta equação, aliás várias.

Se a empresa para lucrar mais, emprega menos. Quem vai poder comprar?

O mercado para poder girar cada vez mais capital, precisa que os produtos sejam consumidos em um ritmo frenético. E como cada vez menos dinheiro as pessoas tem, estes produtos tem que ser mais baratos, e para compensar o baixo preço, a empresa precisa explorar ainda mais as pessoas e os recursos, então menos pessoas são usadas para produzir ainda mais, e mais recursos são devastados.

Notem que na rodada anterior, muitas pessoas já tinham ficado de fora, nesta nova, mais pessoas foram descartadas. E a cada giro do mercado, mais pessoas e recursos são descartados.

Isto não se resolver nunca. Ou melhor vai, da mesma forma que o jogo Banco Imobiliário. Ele começa com um determinado número de pessoas, que disputam para dominar o tabuleiro. O objetivo do jogador é eliminar o outro, ficar com tudo que o outro tem, até que não reste mais nada, e por fim, o outro cai fora. O jogo termina, quando somente um se torna o senhor absoluto de tudo.

Nosso sistema, suga recursos e vidas, mas nos mostra “belas” vitrines de shopping center. Da mesma forma que os europeus sugavam as colônias, e tinham como resultado, desenvolvimento tecnológico e bem estar para eles.

Mas agora, o sistema suga do outro lado do mundo, do nosso lado, e até nós mesmos! E o pior parecemos ou fingimos não perceber.

Os índios, ribeirinhos, caiçaras, pequenos produtores rurais, percebem com a inundação de suas terras, ou a secura, delas, provocadas por barragens, como Belo Monte e outras.

As pessoas escravizadas em carvoarias, oficinas de costura, e outros lugares por toda parte do mundo, sentem.

Os excluídos das periferias das grandes cidades sentem

Nós confortavelmente postados frente aos nossos computadores, notebooks, celulares 3G, etc. Trabalhando em jornadas infinitas, largando o convívio com a família, amigos, os filhos, fingimos não sentir. Sentimos o cansaço, sentimos que estamos perdendo nossas vidas, pois ficam vazias se não estivermos falando do trabalho. Ficamos surdos ao gemido da criação. Até que somos abordados por um pessoa com uma arma na mão. Ou quando as mudanças no clima atrapalham nosso feriado.

Ou não sentíamos, hoje cada vez mais pessoas sentem, e isto esta se traduzindo em primavera árabe, movimentos occupy, lutas contra hidroelétricas, etc.

Sabem porque estas pessoas estão sentindo?

Porque nós já entendemos que quando o jogo acabar, e esta acabando. Não existe ganhador. Tudo deixa de existir, as peças voltam para caixa.

Ou seja a multidão de excluídos está se revoltando, a natureza, mostra sinais de que a sua paciência já acabou.

Ela vai começar a nos negar a água e o alimento que precisamos, a violência pela luta por sobreviver será muito mais forte. Não importa de que lado você ou seus filhos vão estar, se do lado de dentro de uma “muralha”, tentando resistir a invasão de hordas de miseráveis, ou do lado de fora, junto com os miseráveis.

Os condomínios com segurança particular, cerca eletrificada, etc. São somente o começo.

Quando não se pode mais viver, ninguém se importa com a morte. Seja a sua ou a do outro, afinal, a própria já fica decretada.

Paulo Sanda é Teólogo, chefe escoteiro, palestrante, idealista, associado da ONG RUAH e tem sido ativo participante das manifestações Belo Monte NÃO, em São Paulo.

EcoDebate, 17/02/2012

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