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Artigo

Enchentes: Pátios, Estacionamentos, Pavimentos Drenantes, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

 

[EcoDebate] Esse é o último artigo de uma série de textos dedicados à demonstração da importância das medidas ditas não estruturais no combate às enchentes urbanas. Esses textos estão concebidos para, o mais didaticamente quanto o espaço permite, demonstrar a imperiosa necessidade da adoção de uma nova cultura técnica para a gestão dos problemas urbanos e orientar ações que podem perfeitamente ser adotadas pela sociedade e pelas administrações públicas e privadas desde já, por sua simples deliberação, sem nenhuma necessidade burocrática que as desestimule a tanto.

Com os quatro primeiros artigos tratamos dos bosques florestados, da serapilheira, das calçadas e valetas drenantes, dos reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva e do binômio maldito erosão/assoreamento; hoje trataremos dos pátios, estacionamentos e pavimentos drenantes.

Mas antes vamos recuperar o que, no primeiro artigo, já foi esclarecido sobre as principais causas das enchentes urbanas. E vamos todos também saber que as medidas não estruturais são aquelas que, inteligentemente, atacam diretamente as causas das enchentes e não somente suas consequências.

Sobre as principais causas de nossas enchentes urbanas não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas drenagens pelo volumoso assoreamento provocado pelos milhões de metros cúbicos de sedimentos que anualmente provém dos intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana.

Esse quadro determina o que podemos chamar a equação das enchentes urbanas: “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.

Para se ter uma ideia da dimensão desse problema da impermeabilização considere-se que o Coeficiente de Escoamento – índice que mostra a relação entre o volume da chuva que escoa superficialmente e o volume que infiltra no terreno – na cidade de São Paulo está em torno de 80%; ou seja, 80% do volume de uma chuva escoa superficialmente comprometendo rapidamente o sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de Escoamento fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido.

E para se ter ideia do perverso efeito do binômio erosão/assoreamento saiba-se que é responsável por reduções de até 80% da capacidade de vazão das drenagens urbanas.

Diante de um cenário assim colocado, qual seria a providência mais inteligente e imediata para combater as enchentes (e que estranhamente as administrações públicas, todas muito simpáticas às grandes obras e aos seus impactos político-eleitorais, não adotam)? Claro, sem dúvida, concentrar todos os esforços em reverter a impermeabilização das cidades fazendo com que a região urbanizada recupere ao menos boa parte de sua capacidade original de reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação. Concomitantemente, promover um intenso combate técnico à erosão provocada por obras pontuais ou generalizadas de terraplenagem, reduzindo com isso o fantástico grau de assoreamento do sistema de drenagem. Ou seja, fazer a lição de casa, parar de errar. Parece fácil, mas não é. Essa mudança de atitude exigirá uma verdadeira revolução cultural na forma como todos, especialmente nossa engenharia e nosso urbanismo, até hoje têm visto suas relações com a cidade.

Tomada a decisão dessa mudança cultural, haverá à mão, inteiramente já desenvolvido, um verdadeiro arsenal de expedientes e dispositivos técnicos para que esse esforço de redução do escoamento superficial das águas de chuva seja coroado de sucesso: calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, reservatórios para acumulação e infiltração de águas de chuva em prédios, empreendimentos comerciais, industriais, esportivos, de lazer, multiplicação dos bosques florestados, ocupando com eles todos os espaços públicos e privados livres da cidade.

Em uma cidade que adota generalizadamente uma cultura técnica urbanística e construtiva que está na origem causal das enchentes, a presença e multiplicação de grandes áreas contínuas impermeabilizadas, como estacionamentos e pátios de serviços, representa a forma mais ostensiva de desrespeito à população no que toca à questão das enchentes urbanas, mais até que o caricaturado e odiado ato de um cidadão jogar lixo em plena rua; especialmente considerando-se o pleno conhecimento que se tem dos males que causam às cidades suas áreas impermeabilizadas.

Cresce ainda essa indignação ao sabermos que desde há muito há tecnologias especialmente desenvolvidas para dotar esses amplos espaços de considerável condição de permeabilidade para acumulação e infiltração de águas de chuva. Ainda hoje, está no campo dos pavimentos permeáveis uma das principais e férteis frentes de inovações tecnológicas da engenharia nacional e internacional. Excetuando-se a área viária urbana, que exige condições técnicas especiais de desempenho, para o que as novas tecnologias de pavimentos drenantes ainda não encontraram solução financeiramente razoável (mas está próxima), todas as outras áreas de menor trânsito e a menores velocidades, pátios, estacionamentos, estão amplamente contempladas com soluções drenantes já comercialmente disponíveis em todo o país.

Essas soluções podem envolver tanto o desenho de um estacionamento como a constituição de seu pavimento. Do ponto de vista paisagístico não há porque um estacionamento ou uma área aberta para feiras e eventos não possam ser esteticamente agradáveis, com muito verde e sombreamentos naturais. A ideia do estacionamento esteticamente e ambientalmente estéril é de uma pobreza imaginativa ímpar.

Ainda no que se refere ao desenho do estacionamento, pode-se trabalhar com os espaços destinados a ficar sob o veículo em condição drenante, com longos canteiros arborizados nos limites dos bolsões, com valas ajardinadas dotadas centralmente de trincheiras drenantes para receber eventuais águas de escoamento, enfim, com um conjunto enorme de arranjos destinados a reduzir substancialmente o Coeficiente de Escoamento da área total utilizada.

No que se refere aos pavimentos drenantes as possibilidades também são várias: pisos intertravados assentados sob base de areia, blocos vazados, concreto permeável, piso asfáltico permeável, ou até alguma combinação dessas possibilidades. O concreto permeável e o piso asfáltico permeável chegam a permitir uma infiltração de até algo como 300 l/m² /min.

Há pavimentos de tal ordem drenantes que a limitação de infiltração acaba sendo definida pela permeabilidade do solo natural de base. Importante nesse sentido, que cuidados construtivos, como por exemplo a escarificação anterior desse solo natural, a execução de bases granulares mais espessas, de trincheiras drenantes, etc., sejam adotados para possibilitar sempre a máxima infiltração.

Da mesma forma, cuidados construtivos deverão ser adotados para a conformação de uma base permeável composta por material granular devidamente compactada, de forma a evitar-se com o tempo deformações indesejáveis. Enfim, procedimentos que a engenharia domina por completo.

Estudos realizados sobre o desempenho de pisos drenantes, seja qual for sua natureza, desde que adotados os cuidados técnicos inerentes aos objetivos definidos, qual seja permitir a máxima infiltração de águas de chuva, indicam que o Coeficiente de Escoamento chega a ser reduzido a até 5%, número irrisório se comparado ao Coeficiente de Escoamento de um pavimento comum impermeável, em torno de 90%, o que demonstra a eficácia desse dispositivo como elemento de um programa de combate às enchentes urbanas.

Uma legislação específica para que os proprietários de estacionamentos e pátios sejam obrigados a adotar dispositivos drenantes pode vir a ser interessante. O autor do artigo tem já elaborada uma minuta lei com essa finalidade, os interessados em conhecê-la poderão solicitá-la diretamente.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

  • Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
  • Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
  • Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
  • Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
  • Articulista do Portal EcoDebate.

Os espaços ocupados por estacionamentos e pátios impermeáveis nas grandes cidades são enormes. Sua implantação e manutenção configuram uma das mais ostensivas formas de desrespeito à população no que toca à questão das enchentes urbanas. Na foto, um exemplo na metrópole paulistana. Foto Google 2011 editada por ARSantos
Os espaços ocupados por estacionamentos e pátios impermeáveis nas grandes cidades são enormes. Sua implantação e manutenção configuram uma das mais ostensivas formas de desrespeito à população no que toca à questão das enchentes urbanas. Na foto, um exemplo na metrópole paulistana. Foto Google 2011 editada por ARSantos.

Não importam as dimensões, grandes, médios ou pequenos os estacionamentos primam pela completa impermeabilização. Fotos ARSantos.

Não importam as dimensões, grandes, médios ou pequenos os estacionamentos primam pela completa impermeabilização. Fotos ARSantos.

Não importam as dimensões, grandes, médios ou pequenos os estacionamentos primam pela completa impermeabilização. Fotos ARSantos.
Não importam as dimensões, grandes, médios ou pequenos os estacionamentos primam pela completa impermeabilização. Fotos ARSantos.

Estacionamento arborizado e pavimento drenante sem perda de espaços. Porque não? Foto autor desconhecido.
Estacionamento arborizado e pavimento drenante sem perda de espaços. Porque não? Foto autor desconhecido.

Pisos drenantes: combinação entre blocos vazados, pisos intertravados e trincheira de infiltração
Pisos drenantes: combinação entre blocos vazados, pisos intertravados e trincheira de infiltração

Vala drenante para separação de bolsões de estacionamento ou finalidades similares. Croqui ARSantos.
Vala drenante para separação de bolsões de estacionamento ou finalidades similares. Croqui ARSantos.

Esquema de assentamento do piso intertravado drenante. Os espaços entre blocos, a serem rejuntados com areia média a grossa, deverão ter espessuras da ordem de 5mm. Croqui ARSantos.
Esquema de assentamento do piso intertravado drenante. Os espaços entre blocos, a serem rejuntados com areia média a grossa, deverão ter espessuras da ordem de 5mm. Croqui ARSantos.

Nota do EcoDebate: Sobre a série “Enchentes”, de Álvaro Rodrigues dos Santos,sugerimos que leiam, também, os artigos anteriores:

Enchentes: Não tirem a serapilheira

Enchentes: Ajardinem suas calçadas

Enchentes: Reter as águas de chuva em reservatórios domésticos e empresariais

Enchentes: Impedir a erosão para evitar o assoreamento

Enchentes: É preciso adensar as cidades


EcoDebate, 09/11/2011

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One thought on “Enchentes: Pátios, Estacionamentos, Pavimentos Drenantes, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • Reportagem precisa, pena que no Plano diretor de campinas, esses detalhes foram deixados de lado pela secr. de planejamento que acharam ser excessivo essa porcentagem de área permeável, nós corpo técnico achamos que deveria ser de 20% por lote e eles colocaram 10%….

Fechado para comentários.