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Glifosato, energia e outras ervas, entrevista com o engenheiro agrônomo Diego Ferraro

 

O engenheiro agrônomo Diego Ferraro se assombra com o fato de que o sistema agrícola possa ser tratado como um paciente, procurando sinais de doença e determinando terapias adequadas.

A entrevista é de Leonardo Moledo e está publicada no jornal argentino Página/12, 21-09-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Você está aqui, na Faculdade de Agronomia da UBA e se especializando em…

Ecologia dos sistemas agrícolas. Há algumas semanas você fez uma entrevista com María Otegui, que também se dedica à ecologia de sistemas agrícolas. Mas ela é ecofisióloga, trabalha em uma escala muito mais reduzida que a minha. Ela trabalha em nível da planta, eu trabalho em nível do sistema. Um grupo de plantas interage com outras populações, o que é o caso das ervas daninhas ou das pragas ou do solo ou do clima. A ideia é entender o que acontece com o sistema em seu conjunto.

Toda disciplina tem uma série de coisas que conhece e maneja e uma série de problemas que não sabe como resolver. Quais são os problemas que não se sabe como resolver?

Há muito conhecimento sobre o que são a agronomia e a técnica e os processos associados a levar adiante um cultivo (isto é, quando vamos semear, quantas sementes por metro quadrado). O que ainda não temos bem ajustado é quais são as implicações ambientais do que fazemos. Nós chamamos isso de “sustentabilidade agrícola”. Somos capazes de inferir para o resto do sistema, e não apenas para o meu cultivo, as consequências de cultivar como cultivamos? Por exemplo, podemos calcular as consequências do fato de cultivar a soja do jeito como a cultivamos?

Quais são as consequências do fato de cultivar a soja do jeito como a cultivamos? Por que há toda uma história com o glifosato… Felizmente, outro dia, em Ciencia Hoy, saíram alguns artigos esclarecendo um pouco o panorama.

Um deles é da minha autoria. De alguma maneira, as inferências que se fazem acerca do impacto do glifosato são as mesmas que se poderiam fazer do impacto de se tomar dois quilos de aspirina. O glifosato é uma ferramenta de manejo associada à química e tem determinadas pautas de uso que, caso forem usadas corretamente, servem para aumentar a eficiência de obtenção de um cultivo em um determinado lugar.

O problema é que as pessoas fumigam na cara. Mas esse já não é um problema químico.

Absolutamente. E também não é um problema de agronomia.

Não? Se você inclui um povoado X no sistema que estuda e esse povoado está submetido ao glifosato…

Mas falo da agronomia como um conjunto de técnicas que se articulam entre si para obter um cultivo, ou carne… Nesse sentido, o glifosato é uma ferramenta a mais, que tem suas pautas de utilização. Mas não se pode dar um exemplo pontual de mau uso para invalidar a ferramenta. Isso revela outro problema: a falta de canais que a comunidade científica tem para fixar uma posição, apesar dos grandes esforços que se fazem. A velocidade com que se sucedem os escândalos e a velocidade com que são refutados é muito diferente. Creio que seria importante que a comunidade científica refletisse sobre estas questões e pensasse no pode fazer para abrir canais de comunicação mais efetivos.

De acordo. Que outras coisas não sabe?

Quando um médico trata um paciente, tenta encontrar um indicador que sintetize de algum modo a saúde desse enfermo. Nós estamos apontando fortemente para encontrar um indicador de saúde de um paciente, que é o sistema agrícola.

E até onde chega esse sistema? Como se pode delimitá-lo?

O modo mais fácil é abordar o tema da indicação a partir de um componente isolado.

Mas se é isolado não é um sistema…

Exatamente. Toda ampliação dos limites tem, por um lado, um aumento da relevância e, por outro, uma perda de precisão no que se mede. O sistema agrícola, em termos espaciais, poderia ser definido como “paisagem”. A escala “paisagem” é uma escala onde certos elementos se repetem com frequência: há um grupo de solos que sempre se repete, um grupo de atividades que sempre se repete, um grupo de tomadores de decisões que sempre se repete.

Por exemplo?

A região do pampa tem zonas diferentes. Uma é o pampa austral (Balcarce, por exemplo), que é um lugar com muita influência das serras. Depois há o pampa deprimido. E também há o pampa ondulado, que é a região núcleo agrícola da Argentina. Para nós, os agroecologistas que estamos metidos nisso, são as atividades fundamentais que se realizam ali. No pampa ondulado, os solos são de ótima qualidade agrícola: nesse lugar se tem um conjunto de solos que determina a adaptabilidade de um conjunto de atividades e ao mesmo tempo tem um ator social que está fazendo a atividade ali.

E os pools de plantio?

Os pools de plantio não vão a qualquer lugar; aqueles que buscam arrendar uma terra não vão a qualquer lugar. O agroecossistema é, para nós, essa combinação de fatores: a oferta ambiental, a matriz de manejo que essa oferta ambiental tem e as decisões que o agente toma em relação ao ambiente. Nesse sistema (que contempla a terra, o cultivo, as chuvas, etc.) acontecem coisas. O que nós estamos tratando de dilucidar é quais partes de tudo isso servem para diagnosticar o estado desse “paciente”. Agora, particularmente, estamos fincando a faca no uso da energia desse sistema. Um sistema agrícola é um sistema biológico como qualquer outro e, por isso, está submetido a certas regras de uso da energia.

Atualmente, estão sendo tomadas boas decisões agrícolas na Argentina?

Na técnica, estão sendo tomadas as melhores decisões. O nosso sistema não precisa invejar a tecnologia de nenhum outro sistema. O que ainda não temos é uma boa avaliação dos possíveis impactos sobre o ambiente, e essa é uma das coisas que estamos fazendo. De fato, o próprio produtor recebe muitas informações sobre como praticar a agricultura, mas quase nada sobre as implicações ecológicas de sua ação.

Não se está semeando sem rotação? Não se tende ao monocultivo?

Historicamente, na Argentina houve monocultivo de três produtos diferentes: trigo, milho e agora soja. O sistema foi capaz de se articular em torno dessa decisão dos produtores de fazer um monocultivo.

Quando houve monocultivo de milho?

Entre os anos 1960, 1970 e começo dos anos 1980, antes que entrasse a soja (que começou como cultivo em meados dos anos 1960, mas se impôs no começo dos anos 1990). Antes que isso acontecesse, uma grande quantidade de terra estava coberta por milho. Isso tem uma consequência ambiental importante: o milho é um cultivo que absorve muito carbono e o fixa no solo. Esse carbono dá ao solo uma fertilidade importante. A soja, ao contrário, é uma fixadora pobre de carbono. A questão da monocultura está mais ou menos resolvida em termos tecnológicos.

Mas não esgota a superfície?

Não necessariamente. Nós temos a sorte de ter uma grande quantidade de solos com uma grande fertilidade química, isto é, de gerar todos os anos uma quantidade de nutrientes…

De onde saem esses nutrientes?

De um “banco” chamado “matéria orgânica”. Um solo com milhões de anos de formação tem uma parte inorgânica (pedras) e uma orgânica. Essa matéria orgânica é matéria viva: são diferentes moléculas que estão combinadas. Existe no solo uma comunidade de descompositores que faz com que essa matéria orgânica se desmembre em componentes mais simples (basicamente nitrogênio e nitratos) para que as plantas possam absorvê-los e crescer.

Mas, mais cedo ou mais tarde isso vai acabar…

Justamente, quando faço um cultivo que traz grande quantidade de matéria orgânica ao solo (como o milho) estou reinvestindo nesse banco. A soja investe menos.

Então, o banco pode quebrar…

Depende de quanto o banco tiver para oferecer… O problema não é esse; o problema é entender que muito da energia que se usa para cultivar soja ou milho ou qualquer outra coisa, provém de fontes não renováveis. Nós estamos fazendo cultivos com energia não renovável, como os fertilizantes. Para fazer uma tonelada de fertilizantes, usa-se petróleo. Se eu produzisse esse fertilizante, em vez de usá-lo de forma artificial, poderia substituí-lo usando os insumos do meu próprio sistema (que tem uma taxa de renovação particular), estaria cada vez dependendo menos de um fluxo de energia externo e cada vez mais de um interno. É nisso que queremos insistir: quanto da agricultura que praticamos é dependente de um fluxo externo de energia? E quanto dos sistemas agrícolas depende de fluxos internos?

Como seria um sistema sustentável?

Aquele que consegue uma boa produção com a maior utilização de fluxos internos de energia. Esse é um debate que, embora não apareça muito, tem cada vez mais importância, porque agora no mundo se faz muita agricultura para produzir energia (biocombustíveis). Mas aqui há um problema. Se está fazendo, supostamente, um ciclo fechado. Se estaria fazendo um cultivo que captura carbono e, a partir disso, produz energia. Exemplo: eu faço biodiesel com soja. Se o coloco num carro, este anda e expulsa pelo cano de escape dióxido de carbono. No ano seguinte, produzo soja. Esta soja, para crescer, necessita de dióxido de carbono da atmosfera. Parece o ciclo perfeito: faço um cultivo que captura o dióxido de carbono que meu combustível produziu e pronto. Mas o problema é que o ciclo não é fechado, porque para fazer essa soja não basta o dióxido de carbono da atmosfera. O balanço energético é negativo. Quando alguém gasta energia para produzir coisas para comer, não se preocupa muito (porque, em última instância, é preciso comer). Mas gastar energia para produzir mais energia e terminar tendo um balanço negativo não faz muito sentido.

(Ecodebate, 27/09/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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