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‘Países industrializados enfrentam inadimplência de CO2’. Entrevista com Hans Joachim Schellnhuber

CO2

Em entrevista à “Spiegel Online”, Hans Joachim Schellnhuber, o conselheiro do governo alemão para proteção ao clima, argumenta que medidas drásticas devem ser tomadas para prevenir uma catástrofe. Ele está propondo a criação de um “orçamento” de CO2 para todos os habitantes do planeta, independentemente se vivem em Berlim ou Beijing. Reportagem de Christian Schwägerl, no Der Spiegel.

Spiegel Online: Sr. Schellnhuber, o objetivo que será estabelecido na cúpula sobre o clima em Copenhague em dezembro para o aquecimento global é de dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Como é possível atingir esse objetivo?

Schellnhuber: A humanidade tem de limitar a si mesma a liberar apenas uma quantidade fixa de carbono na atmosfera até 2050. O Conselho Alemão para a Mudança Climática (WBGU) conduziu uma auditoria para determinar a quantidade que os países podem emitir para permanecer dentro dos limites dos dois graus. As descobertas são sérias.

Spiegel Online: Por quê?

Schellnhuber: Porque as nações industrializadas já excederam suas quotas se levarmos em consideração as emissões do passado. Para ter uma chance de dois terços de atingir aquela meta, só podemos emitir 750 bilhões de toneladas entre hoje e 2050. Para uma chance de três quartos, só podemos emitir 660 bilhões de toneladas. Se você dividir essas emissões por pessoa e compará-las com a emissão atual você verá que a Alemanha, os Estados Unidos e outras nações industrializadas ou já usaram toda sua cota permitida, ou farão isso nos próximos anos.

Spiegel Online: Mas 750 bilhões de toneladas soam como muita coisa.

Schellnhuber: Não é, de fato. Significa que cada pessoa na terra só poderá produzir cerca de 110 toneladas de CO2 entre 2010 e 2050. Um cidadão alemão médio emite cerca de 11 toneladas por ano, o que significa que seu “orçamento” será consumido em dez anos. De acordo com os nossos cálculos, a probabilidade de atingirmos essa meta é muito pequena. Quem faria roleta russa com um revólver com seis câmaras, com duas delas carregadas? A quantidade permissível de CO2 é incrivelmente baixa comparada à quantidade que estamos emitindo atualmente em estações de energia elétrica, carros e fábricas. Se os chineses continuarem emitindo tanto CO2 na atmosfera como fizeram em 2008, eles terão esgotado seu orçamento em 24 anos – bem antes de 2050.

Spiegel Online: Por que você baseou seus cálculos numa divisão igual da quantidade permitida de CO2 entre a população total do mundo sendo que cada país é diferente do outro?

Schellnhuber: Nosso princípio básico é de que todos os seres humanos têm direitos iguais em relação à atmosfera. Este é um direito básico. Foi isso também que a chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro indiano, Mammohan Singh, decidiram numa reunião em 2007. Por que um alemão poderia lançar mais CO2 na atmosfera do que alguém de Bangladesh? Não, precisamos dividir a quota com igualdade e justiça entre todos os países.

Spiegel Online: Mas na Alemanha, por exemplo, precisamos de aquecimento central com mais frequência do que nos climas mais quentes.

Schellnhuber: E nos países quentes eles podem querer usar o ar condicionado com mais frequência do que na Alemanha, o que também requer muita energia. Este ano Nova Déli teve temperaturas de até 45ºC durante meses a fio. Se você considerar o quanto de combustível nós usamos para nos aquecer no inverno, seria justo eles usarem ar condicionado que usa energia de combustíveis fósseis.

Spiegel Online: A que conclusões a WBGU chegou?

Schellnhuber: O meta de reduzir a taxa de corte de emissões de CO2 de 25% em 1990 para 40% agora simplesmente não é suficiente. A Alemanha, por exemplo, está com dificuldades para reduzir as emissões em 40% até 2020 em relação aos níveis de 1990. Se o país quisesse atingir as metas estabelecidas de forma realista, entretanto, precisaria reduzir as emissões em 60%, ou metade do que temos hoje. As nações industrializadas estão enfrentando a inadimplência de CO2. Isso significa que elas precisam aumentar seus esforços para reduzir a mudança climática, do contrário, usarão o orçamento de CO2 previsto para os países pobre e as futuras gerações.

Spiegel Online: Há uma saída?

Schellnhuber: Num estudo especial nós descrevemos uma possível saída. A WBGU também descobriu países que emitem muito menos CO2 na atmosfera do que a quota os permitiria. A maioria desses países está entre os mais pobres do mundo, onde a proteção climática e o futuro são problemas centrais. Essas nações estão nos salvando, evitando que a mudança climática aconteça num ritmo ainda mais rápido. Isso deveria ser por fim reconhecido e recompensado. Por esse motivo, elaboramos um esquema em que as nações industrializadas podem comprar cotas de emissão de países com níveis mais baixos de emissão de CO2. O dinheiro ganho com esse comércio global de emissões poderia então ser usado no financiamento de tecnologia sustentável e no desenvolvimento desses países.

Spiegel Online: Então as nações industrializadas teriam de pagar somas massivas de dinheiro?

Schellnhuber: Sim. Até ? 100 bilhões (R$ 263 bi) por ano. Se o um sexto mais rico da população do mundo tivesse que pagar essa quantia, cada pessoa deveria pagar ?100 (R$ 263) por ano. O Ocidente retribuiria parte da riqueza que tomou do sul nos últimos séculos e estaria em débito com países que hoje estão entre os mais pobres do mundo. Entretanto, será necessário assegurar que os países pobres usem o dinheiro para os propósitos estabelecidos – ou seja, para ajudá-los a desenvolver uma economia mais verde. Isso os ajudaria a se adaptar a um mundo mais ecoconsciente em relação ao futuro e também evitaria que as nações industrializadas enfrentassem problemas ainda maiores.

Spiegel Online: Mas até agora tem sido difícil mobilizar dinheiro para metas ambientais.

Schellnhuber: Sim, mas será muito mais caro continuar do jeito que estivemos levando as coisas até agora. As quantias podem soar gigantescas, mas os investimentos em infraestrutura e fornecimento de energia são necessários [nesses países] de qualquer forma. Nosso objetivo é apenas assegurar que esses investimentos sejam sustentáveis – algo que podemos garantir com um custo extra relativamente pequeno. Principalmente na Alemanha, onde a tecnologia ambiental tem um padrão relativamente alto, há um enorme potencial para o benefício econômico, porque o dinheiro investido pode fluir diretamente de volta para o país. Esta é uma oportunidade de ouro para mudar o curso das coisas. Se você incluir os custos a longo prazo da mudança climática, esta seria uma opção barata.

Spiegel Online: Os alemães gostam de se vangloriar por serem campeões da luta contra a mudança climática. Isso é justificável?

Schellnhuber: Em relação a outros países, a Alemanha faz bastante coisa para combater a mudança climática, mas isso não é desculpa para nos acomodarmos, colhendo os louros e esperando até que os outros nos alcancem. Ainda não atingimos nosso objetivo final.

Spiegel Online: O senhor acha que a chanceler Angela Merkel apoiará sua proposta?

Schellnhuber: O que nós elaboramos na verdade não é nada mais do que um resumo do que Merkel já disse no passado. Ela é uma das defensoras da meta de dois graus, do comércio de emissões e do direito igual a cotas de emissões para todos. Nós simplesmente colocamos isso num plano abrangente. O fato de que as cotas de emissões da Alemanha estarão esgotadas em 10 anos se não mudarmos os hábitos só pode significar uma coisa: o próximo governo precisa adotar um pacote climático drástico imediatamente. Isso nos ajudará a desenvolver as tecnologias sustentáveis de amanhã muito mais rápido.

Spiegel Online: Dado o ritmo lento das negociações sobre o clima nas Nações Unidas, seu plano não é exageradamente idealista?

Schellnhuber: O WBGU não é político; nós meramente aconselhamos o governo e apresentamos nossos estudos e descobertas para o público. Nossa ideia de “orçamento” não tem nada a ver com utopias, mas sim com as condições físicas sob as quais podemos evitar que nossa civilização seja destruída. Nossa principal responsabilidade é fornecer uma bússola que mostre se o governo está de fato no caminho certo no que diz respeito a combater a mudança climática. Não podemos pedir à Índia ou à África para interromperem seu desenvolvimento econômico até que o Ocidente tenha controlado a mudança climática.

Sobre Hans Joachim Schellnhuber
Hans Joachim Schellnhuber, 59, é um físico e pesquisador da mudança climática mundialmente famoso. Depois de trabalhar na Alemanha e na Califórnia, ele foi nomeado diretor-fundador do Insituto Potsdam para a Pesquisa em Impacto Climático (PIK) em 1991. Ele também é professor de física teórica na Universidade de Potsdam e professor-visitante da Universidade de Oxford.

Tradução: Eloise De Vylder

Reportagem [‘Industrialized Nations Are Facing CO2 Insolvency‘] de Der Spiegel, no UOL Notícias.

EcoDebate, 08/09/2009

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