EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

O silêncio das florestas ao amanhecer

 

pessoa caminhando na floresta
Foto: EBC/ABr

A floresta acorda mansamente para um novo dia, cálida, em preces silenciosas, aguardando que o mundo cuide dela com amor, esperança e respeito

Ensaio de Rosângela Trajano

O tempo nas florestas é diferente do nosso. Lá as árvores costumam olhar para a vida com uma quietude sublime feita de lacunas e vazios propositais atrás de bonitezas cúmplices à labuta da vida enquanto ser que dorme e sonha. As florestas sentem o sono dos homens e com eles se silenciam à espera de um novo amanhecer. As árvores seguem o mesmo caminho dos anjos de volta para o céu em silêncio completo quando a madrugada fica cinzenta.

E no chegar do amanhecer, este silêncio se torna mais contemplativo porque é neste momento em que os seus galhos se aprontam para mais um vento, suas folhas caem como plumas no chão que costuma recebê-las com carinho e cuidado mesmo que esteja úmido. Os pássaros e insetos que dormem tranquilos vão despertando aos poucos, em silêncio, sem alarde para que o amanhecer seja o espetáculo mais bonito do dia.

Este silêncio existencial se debruça na competência das árvores e animais de serem, os guardiãs da natureza, de saberem que tudo inicia e termina nas suas raízes, de uma história que antecede às máquinas e a automação dos nossos passos. No silêncio das florestas ao amanhecer pode-se ouvir o passo do homem ao tocar o chão, os besouros e outros animais despertarem em busca de comida e a saudade de quem não mais voltará, sim, de quem passou pela floresta e deixou a sua história bonita.

Para surpresa das florestas, logo se inicia um enorme barulho que vem dos automóveis, das fábricas, das casas, dos homens que trabalham ali perto, do sopro apocalíptico que insiste em dizer-lhes que o concreto é o senhor do tempo.

É preciso pensar no silêncio das florestas ao amanhecer com a humildade dos monges, das pessoas que ainda dormem, das crianças que sonham com bruxas e dragões. Silêncio! A floresta acorda mansamente para um novo dia, cálida, em preces silenciosas aguardando que o mundo cuide dela com amor, esperança e respeito.

No silêncio do amanhecer as florestas procuram embelezar o mundo com seus frutos, com sua coragem, com sua sabedoria.

Não balançam seus galhos, não deixam que o vento brinque com elas enquanto os homens dormem. As florestas cuidam da raridade de cada ser-em-si pertencente ao mundo do niilismo onde pensar no nada é mais sonhar do que falar.

As florestas buscam na metafísica de Platão o belo no banquete das ideias, do nascer do sol, da lebre a contemplar as raízes das suas árvores, do pintor que em silêncio as visitam para pintar seus quadros coloridos com o verde das árvores que contrastam com as demais cores, pinceladas que despertam o papel órfão de maturidade e testemunhas. A vida na floresta é um completo silêncio o tempo todo, e se o leitor amado prestar bem atenção não há nas árvores nenhum tipo de barulho, apenas aquela sensação de que estão ali nos escutando, prontas para nos acolher, mas com a bondade e a criação materna de tranquilizar corações doídos.

Cada folha, cada galho, cada raiz é colocada num monólogo de si para si enquanto a madrugada vai dando adeus e o céu ganha o brilho do sol acordando para nos mostrar que as árvores são senhoras anciãs mentoras de uma glacial substância atemporal que presenteia os homens seus saberes medicinais e terapêuticos. Experimentemos aproveitar um pouco do silêncio das florestas nem que seja apenas uma vez na vida.

E quando a madrugada permite que o sol nasça por completo ainda assim as florestas continuam silenciosas, porque elas sabem que caducar na motivação do ventre alheio é querer casar a terra com a serpente. Ainda há de esperar a nossa augusta autoridade da vida: Deus!

Rosângela TrajanoColunista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

 

Citação
EcoDebate, . (2025). O silêncio das florestas ao amanhecer. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/12/10/o-silencio-das-florestas-ao-amanhecer/ (Acessado em dezembro 31, 2025 at 20:16)

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O conteúdo do EcoDebate está sob licença Creative Commons, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate (link original) e, se for o caso, à fonte primária da informação