Malásia e ASEAN com melhor desempenho socioeconômico do que o Brasil e a ALC
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Malásia e o Sudeste Asiático tem apresentado melhor desempenho socioeconômico do que o Brasil e a América Latina e Caribe (ALC) nos últimos 50 anos.
Os gráficos abaixo, com dados do FMI, mostram a renda per capita, a preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp) da Malásia e do Brasil e da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN-5) e da ALC.
Em 1980, a Malásia tinha uma renda per capita de US$ 8,7 mil e o Brasil de US$ 13,7 mil. Em 2024, os números passaram para US$ 36,2 mil e US$ 19,6 mil. Para 2030 o FMI estima uma renda per capita de US$ 43 mil para a Malásia e de US$ 21,9 mil para o Brasil. Portanto, o Brasil tinha quase o dobro da renda da Malásia e a situação se inverteu atualmente. Em 2023, o Brasil tinha um IDH de 0,786 (ocupando o 84º lugar no ranking global) e a Malásia tinha um IDH de 0,819 (ocupando o 67º lugar no ranking global). O Brasil continua um país de renda média e a Malásia entrou no grupo dos países ricos e de altíssimo IDH.
Em 1980, a ASEAN-5 (Malásia, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Singapura) tinha uma renda per capita de US$ 4,3 mil e a ALC de US$ 13,9 mil. Em 2024, os números passaram para US$ 17,6 mil e US$ 19,2 mil. Para 2030 o FMI estima uma renda per capita de US$ 21,5 mil para a ASEAN-5 e de US$ 21,4 mil para o ALC. Portanto, a ASEAN-5 tinha uma renda per capita 3 vezes menor do que da ALC em 1980 e deve superar ligeiramente em 2030.

A Malásia e a ASEAN-5 adotaram o modelo de promoção das exportações, enquanto o Brasil e a América Latina adotaram o modelo de “substituição de importações”. Fajnzylber (1981) foi um dos economistas pioneiros na percepção das vantagens do modelo adotado pelos países asiáticos. De modo sintético, podemos resumir os principais pontos que possibilitaram o sucesso da Malásia e da ASEAN-5:
1) Modelo de crescimento liderado pelas exportações: isto possibilita que a estrutura produtiva consiga uma competitividade externa e interna e que o país possa evitar crises cambiais, pois tem capacidade de geração de divisas;
2) Manutenção de altas taxas de investimento que permitem a renovação e a atualização permanente da estrutura produtiva, de infraestrutura, ao mesmo tempo que eleva a complexidade e a produtividade geral da economia, o que favorece o aumento dos lucros e dos salários;
3) Manutenção de altas taxas de poupança, garantindo os recursos nacionais para manter as altas taxas de investimento e a formação de capital nacional e a capitalização das famílias;
4) Em termos demográficos avançaram rapidamente na transição demográfica (reduzindo as taxas de mortalidade e natalidade) e puderam colher o bônus demográfico em decorrência de uma estrutura etária favorável;
5) Investimento na universalização da educação e na qualidade do ensino, permitindo a formação de capital humano e um grande avanço da ciência e tecnologia;
6) Investimento no pleno emprego e no trabalho decente, aproveitando todo o potencial produtivo da força de trabalho e mantendo o desemprego e o subemprego em níveis baixos, além de baixos níveis de violência;
7) Criação de políticas visando combater as desigualdades sociais e garantindo um baixo índice de Gini de desigualdade de renda. Forte presença do Estado nas políticas públicas, mas sem sufocar a livre iniciativa e a eficiência alocativa do mercado;
8) Estabilidade econômica, com inflação sob controle, baixas taxas de juros, câmbio competitivo e facilidade na organização empresarial, além de sinergia entre as diversas forças do sistema produtivo.
O gráfico abaixo mostra a taxa de poupança nacional bruta da ASEAN-5 e da ALC entre 1980 e 2030, segundo dados do FMI. Nota-se que as taxas de poupança eram aproximadamente iguais em 1980, mas os países asiáticos mantiveram taxas em torno de 30% do PIB, enquanto os países latino-americanos apresentaram taxas em torno de 20%. Taxas brutas de poupança mais elevadas possibilitaram economias mais dinâmicas na ASEAN-5.

Com maior dinamismo econômico, os países da ASEAN-5 conseguiram manter superávits na conta de transações correntes, enquanto os países da ALC tiveram déficits permanentes. O superávits anuais em transações correntes da ASEAN-5 ficaram perto de US$ 100 bilhões nos países da ASEAN-5, enquanto os países da ALC tiveram déficits anuais perto de US$ 100 bilhões. Os países asiáticos são menos dependentes de capital externo e possuem maior poder de investimento próprio.

A explicação para o melhor desempenho econômico da Malásia e do ASEAN-5 em comparação com o Brasil e a América Latina e Caribe (ALC) pode ser resumida em estratégias de inserção na economia global, estabilidade macroeconômica, ambiente de negócios e investimento em capital humano.
Estratégia de Inserção Global e Comércio Exterior da ASEAN-5 e Malásia: Integração nas Cadeias de Valor Globais (CGVs):
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Foco em Exportações de Manufaturados: Estes países posicionaram-se estrategicamente como centros de manufatura e montagem para o mundo, especialmente na eletrônica, automóveis, têxteis e componentes.
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Abertura Comercial Ativa: Eles assinaram inúmeros acordos de livre comércio (entre si, com a China, Japão, Coreia do Sul, etc.) e reduziram drasticamente as barreiras tarifárias. Isto os tornou extremamente atraentes para o Investimento Estrangeiro Direto (IED).
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Diversificação de Parceiros: A economia da região não depende de um único parceiro comercial. Estão profundamente integrados com a dinâmica cadeia de suprimentos da Ásia, com a China como um hub central.
Brasil e ALC: Foco em commodities e protecionismo relativo:
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Dependência de commodities: A pauta de exportação do Brasil e de muitos países da ALC é ainda pesadamente concentrada em commodities (minério de ferro, soja, café, petróleo, cobre, alimentos). Isto os torna vulneráveis à volatilidade de preços no mercado internacional.
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Modelo de “Substituição de Importações”: A herança deste modelo, que visava proteger a indústria doméstica, deixou um legado de protecionismo, barreiras não tarifárias e uma indústria menos competitiva globalmente.
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Integração regional menos eficaz: Mercosul, por exemplo, é muito menos integrado e aberto ao comércio exterior do que a ASEAN. Os acordos comerciais com blocos extrarregionais são lentos e complexos.
Ambiente de Negócios e Investimento Estrangeiro Direto (IED). ASEAN-5 e Malásia: Competição por Investimentos
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Facilidade de Fazer Negócios: Estes países competem agressivamente para atrair IED. Isso se traduz em burocracia simplificada, regras claras, incentivos fiscais e zonas econômicas especiais.
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IED Orientado para a Exportação: O investimento estrangeiro que recebem está diretamente ligado à criação de capacidade produtiva para exportação, o que gera empregos, divisas e transferência de tecnologia.
Brasil e ALC: Complexidade e Instituições Mais Fracas
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“Custo Brasil”: O Brasil é notório por sua complexa carga tributária, burocracia excessiva, infraestrutura deficiente e insegurança jurídica. Isso desencoraja investimentos produtivos.
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IED para Mercado Interno ou Recursos Naturais: Muito do IED na ALC é direcionado para a exploração de recursos naturais ou para servir ao mercado interno (protegido), em vez de criar plataformas de exportação competitivas.
3. Estabilidade e Política Macroeconômica. ASEAN-5 e Malásia: Disciplina Fiscal e Monetária
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Fundamentais Sólidos: Após a Crise Financeira Asiática de 1997, estes países implementaram reformas profundas. Fortaleceram seus sistemas financeiros, acumularam grandes reservas internacionais e adotaram políticas fiscais mais prudentes.
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Inflação Controlada: Com raras exceções, mantiveram a inflação em níveis baixos e estáveis, o que fornece previsibilidade para investidores e consumidores.
Brasil e ALC: Instabilidade e Populismo Fiscal
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História de Instabilidade: O Brasil e vários países da ALC têm um histórico de crises de inflação alta (hiperinflação no Brasil nos anos 80/90), default de dívida e desvalorizações bruscas.
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Volatilidade Fiscal: Ciclos de gastos públicos expansionistas não sustentáveis, seguidos de ajustes fiscais dolorosos, criam um ambiente de incerteza que prejudica o planejamento de longo prazo.
4. Investimento em Capital Humano e Infraestrutura. ASEAN-5 e Malásia: Educação Básica e Técnica
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Foco em STEM: Países como Coreia do Sul, Singapura, e em menor grau Malásia e Tailândia, investiram massivamente em educação, especialmente em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), criando uma mão de obra qualificada para setores de alta tecnologia.
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Infraestrutura de Qualidade: Desenvolveram portos eficientes, aeroportos modernos e redes de logística que suportam o comércio internacional.
Brasil e ALC: Desafios na Educação e Infraestrutura
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Deficiências Educacionais: O Brasil sofre com a baixa qualidade da educação básica e pública, resultando em uma mão de obra menos qualificada, apesar de ter universidades de ponta. Há uma grande desconexão entre a formação e as necessidades do mercado.
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Déficit de Infraestrutura: Portos, estradas e ferrovias são frequentemente ineficientes e onerosos, aumentando o custo logístico para as empresas.
Contexto Geopolítico e Demográfico. ASEAN-5: No Centro do Motor de Crescimento Global
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Vizinhança Dinâmica: Estão localizados no coração da região economicamente mais dinâmica do mundo no século XXI, a Ásia-Pacífico, beneficiando-se da proximidade com a China, Índia e outros gigantes.
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“Dividendo Demográfico”: Muitos desses países passaram por uma transição demográfica que resultou em uma grande população em idade ativa, impulsionando o crescimento.
Brasil e ALC: Relativa Isolamento Geográfico
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Distância dos Grandes Centros: A localização geográfica da ALC, longe dos principais centros consumidores da Ásia e Europa, é um desafio logístico natural.
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Envelhecimento Populacional: O Brasil, em particular, está a envelhecer rapidamente, com uma taxa de dependência a aumentar, o que pode pressionar os sistemas de previdência e reduzir o potencial de crescimento no futuro.
O melhor desempenho da Malásia e do ASEAN-5 não é um acidente, mas o resultado de escolhas políticas deliberadas de se integrar na economia global, reduzindo a pobreza, dando foco à educação universal e de qualidade, criando um ambiente propício para os negócios e mantendo uma disciplina macroeconômica que inspira confiança nos investidores.
O Brasil e a ALC, por outro lado, ainda lutam para superar a desigualdade social, o legado do protecionismo, a dependência de commodities e a instabilidade política e macroeconômica que limitam seu potencial de crescimento de longo prazo.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A dinâmica demográfica e econômica do Brasil e da Malásia, Ecodebate, 11/08/23
https://www.ecodebate.com.br/2023/08/07/a-dinamica-demografica-e-economica-do-brasil-e-da-malasia/
ALVES, JED. A ASEAN e a América Latina em direções opostas na economia global, Ecodebate, 11/08/23
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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