Gestão comunitária de pesca prova seu valor na proteção da Amazônia
Pesquisa publicada na Nature Sustainability mostra que manejo de lagos por comunidades ribeirinhas amplia drasticamente a proteção da floresta, mas modelo depende de apoio financeiro para se sustentar.
Um novo estudo demonstra que a gestão comunitária de áreas protegidas na Amazônia brasileira produz resultados de conservação “sem precedentes”, protegendo uma área de floresta 86 vezes maior do que o território diretamente manejado.
A pesquisa alerta, no entanto, que a sustentabilidade deste modelo eficaz—e barato—depende de maior reconhecimento e apoio financeiro, já que os custos hoje são integralmente assumidos pelas populações locais.
Em um contexto onde as unidades de conservação tradicionais na Amazônia sofrem com falta de recursos, equipe e equipamentos, a solução para frear a degradação pode estar justamente nas mãos de quem vive na floresta. É o que aponta uma pesquisa internacional publicada na revista científica Nature Sustainability.
O estudo, conduzido por uma equipe do Instituto Juruá, Universidade de East Anglia (Reino Unido), UFAL e INPA, investigou o manejo comunitário de pesca em um trecho de 1.200 km do Rio Juruá, no Amazonas. A descoberta central é que a proteção imposta pelas comunidades aos lagos de várzea—onde pescam o pirarucu—funciona como um “escudo” para uma área muito maior de floresta.
Os pesquisadores calcularam que, quando se considera toda a zona de proteção direta e indireta patrulhada por cada comunidade, a área conservada de várzea e floresta de terra firme é 86 vezes maior do que a superfície total dos lagos manejados. Somente no estado do Amazonas, estima-se que 15 milhões de hectares de floresta de várzea sejam protegidos por esta estratégia.
Como funciona o modelo
Através de esquemas de vigilância e fiscalização coordenados localmente, as comunidades do oeste da Amazônia se organizam para proteger os lagos contra a exploração por pessoas de fora. O alvo principal é a pesca sustentável do pirarucu, mas o efeito colateral é extremamente positivo: a proteção se estende às matas adjacentes, beneficiando toda a biodiversidade local.
Espécies historicamente ameaçadas, como ariranhas, peixes-boi e tartarugas amazônicas, também veem suas populações se recuperarem, graças à conservação do ecossistema como um todo.
O desafio financeiro
Apesar do sucesso, o estudo alerta para um grande obstáculo: atualmente, os custos dessa proteção—como combustível para os barcos e alimentação dos voluntários—são totalmente bancados pelas próprias comunidades, sem qualquer remuneração pelo trabalho realizado.
Os autores argumentam que implementar esquemas de compensação justa, como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), seria drasticamente mais barato para os governos do que os métodos tradicionais de fiscalização de áreas protegidas. Apoiar financeiramente essas comunidades, conclui o estudo, é a forma mais eficiente em termos de custo e mais crítica para o sucesso de programas de conservação em larga escala.
A pesquisa surge em um momento crucial, quando o mundo renova seus compromissos com a meta global de proteger 30% do planeta até 2030 (30×30), e evidencia o papel vital que as populações tradicionais desempenham na preservação da Amazônia.
Escalas de proteção geradas pela cogestão de pirarucu na Amazônia
a, Ilustração elucidando a paisagem onde a proteção territorial e a vigilância são implementadas. A proteção se estende muito além dos lagos de oxbow, cobrindo áreas substancialmente maiores. As atividades de cogestão de Pirarucu têm impactos variados em diferentes escalas espaciais: (1) escala direta de proteção – áreas de lagos imediatas sob vigilância; (2) escala efetiva de proteção – vigilância territorial em tempo integral, intensificada durante a estação seca, protegendo áreas de interesse de manejo; (3) escala funcional de proteção – estimada com base na ecologia do movimento da pirarucu, considerando sua capacidade de sustentar interações ecológicas; e (4) escala incidental de proteção – vigilância indireta.b Os círculos laranja representam 14 comunidades localizadas em duas reservas florestais de uso sustentável contíguo, com uma área combinada de 886.176 ha. Essas comunidades realizam vigilância territorial para a cogestão de pesca de pirarucu (A. gigas) dentro de 96 lagos (indicados por pontos azuis). Certo, mostra (1) a escala efetiva de proteção (em amarelo), que incluiu para as rotas que os guardas florestais da comunidade patrulham para proteger lagos e (2) a escala de proteção funcional (sombra em laranja), em que os estoques de pirarucu são totalmente protegidos para se mover em várminticas durante a alta temporada de água. Finalmente, a (3) escala mais ampla de proteção incidental (sombreada em cinza) representa as florestas adjacentes (terra firme) que também são fechadas restringindo o acesso por pessoas de fora em florestas de várzea.
Referência:
Rodrigues, A.C., Costa, H.C.M., Peres, C.A. et al. Community-based management expands ecosystem protection footprint in Amazonian forests. Nat Sustain (2025). https://doi.org/10.1038/s41893-025-01633-6
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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