Roy Scranton: Como a obsessão pelo progresso criou a crise climática
Em novo livro, Roy Scranton argumenta que soluções tecnológicas não bastam para resolver aquecimento global – é preciso mudar nossa forma de pensar sobre progresso e desenvolvimento
Em “Impasse: Climate Change and the Limits of Progress”, Roy Scranton argumenta que a ideia de progresso que guia a civilização ocidental é a mesma que nos levou à crise planetária. A saída, defende, não está em mais tecnologia, mas numa revolução ética e filosófica.
A humanidade está num impasse. Não apenas o impasse político das negociações climáticas ou o tecnológico da transição para energias limpas, mas um impasse filosófico profundo.
Esta é a tese central do novo livro de Roy Scranton, diretor da Environmental Humanities Initiative da Universidade de Notre Dame, intitulado “Impasse: Climate Change and the Limits of Progress” (algo como “Impasse: As Mudanças Climáticas e os Limites do Progresso”, em tradução livre).
Mais do que um estudo sobre o clima, a obra, detalhada em recente comunicado da universidade, é uma investigação contundente sobre as fundações do pensamento ocidental. Scranton argumenta que a própria noção de “progresso” – a crença linear e otimista de que o futuro será inevitavelmente melhor que o passado através do desenvolvimento tecnológico e econômico – é a raiz da crise climática atual.
Foi essa mentalidade que justificou a exploração desenfreada de recursos e a queima de combustíveis fósseis que agora ameaçam a civilização.
A crise é do pensamento
Scranton vai além da análise convencional. O problema, para ele, não é que tenhamos falhado em alcançar o progresso, mas que o tenhamos alcançado demais e de forma distorcida. O “progresso” materialista e antropocêntrico esgotou os limites do planeta. Portanto, buscar soluções dentro do mesmo paradigma mental – apostando apenas em inovações tecnológicas como geoengenharia ou captura de carbono – é como tentar apagar um incêndio com gasolina. É uma extensão do mesmo problema.
A proposta do livro é radical: em vez de tentarmos “consertar” o planeta para continuarmos nosso modo de vida habitual, precisamos de “consertar” a nossa maneira de pensar. Precisamos de abandonar a fé cega no progresso e encarar a realidade do colapso climático como um dado incontornável do nosso tempo. Só a partir desse reconhecimento, argumenta Scranton, poderemos encontrar formas significativas de viver, agir e criar comunidade num futuro radicalmente alterado.
Entre a esperança e a melancolia
Scranton navega por um caminho estreito entre dois extremos igualmente paralisantes: o otimismo ingénuo e a melancolia apocalíptica. Ele rejeita a “esperança” tal como é vendida – como uma expectativa passiva de que uma solução milagrosa aparecerá –, mas também não defende a inação que surge do desespero.
Sua alternativa é o que poderíamos chamar de “coragem de encarar o fim”. Trata-se de uma mudança ética e espiritual, um luto pelas perdas já inevitáveis e um compromisso profundo com a vida que ainda é possível. É um apelo à ação que não é motivada pela promessa de um futuro glorioso, mas pela responsabilidade moral com o presente e com as gerações que herdarão um mundo mais difícil.
Uma chamada à ação filosófica
“Impasse” não é um manual de soluções práticas, mas um convite a uma reflexão profunda. Scranton recorre a uma gama diversificada de pensadores – desde filósofos continentais como Heidegger e Nietzsche até poetas, cientistas e teóricos decoloniais – para tecer sua argumentação. O seu objetivo é desmontar a arquitetura conceptual do mundo moderno para que possamos imaginar novos fundamentos.
Para o diretor da Environmental Humanities Initiative, a verdadeira ação climática começa nesta reorganização do pensamento. A transição energética é necessária, mas insuficiente se for feita apenas para preservar o status quo. A mudança precisa de ser mais profunda: cultural, ética e existencial.
Relevância no debate atual
Num momento em que o discurso público sobre as mudanças climáticas oscila entre anúncios triunfalistas de tecnologias verdes e notícias catastróficas de eventos climáticos extremos, a voz de Scranton oferece um contraponto crucial e desconfortável. “Impasse” desafia leitores, acadêmicos e legisladores a questionarem os pressupostos mais básicos que guiam suas decisões.
O livro é, acima de tudo, um aviso: não sairemos deste impasse com mais do mesmo. A saída exigirá não apenas inteligência técnica, mas sobretudo sabedoria humana para redefinir o que significa, de fato, “progressar” no século XXI.
“Impasse: Climate Change and the Limits of Progress” está disponível em Stanford University Press no link: https://www.sup.org/books/literary-studies-and-literature/impasse
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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