EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

ArtigoEditorial

O custo socioambiental do Brasil escolher ser uma fazendona injusta e insustentável

 

Neste editorial discutimos como a priorização do agronegócio exportador compromete o desenvolvimento sustentável no Brasil, perpetuando um modelo colonial

 

 

Exportação de commodities x sustentabilidade: os impactos do modelo econômico brasileiro

Neste editorial discutimos como a priorização do agronegócio exportador compromete o desenvolvimento sustentável no Brasil, perpetuando um modelo colonial que favorece commodities em detrimento da preservação ambiental e justiça social.

Editorial por Henrique Cortez

O Brasil do século XXI ainda carrega, em sua estrutura econômica e política, as marcas do modelo colonial que definiu nossa formação como país.

A opção pela produção e exportação de produtos primários como pilar central da economia nacional persiste como uma cláusula pétrea não escrita, impedindo-nos de avançar para um modelo verdadeiramente sustentável e soberano.

Governos vêm e vão, mas a submissão aos interesses do agronegócio exportador permanece inalterada. Pecuaristas e sojicultores, aliados a grandes grupos econômicos e financeiros, continuam a enxergar nossos ativos ambientais apenas como recursos a serem explorados sem restrições.

Esta submissão não é acidental. A bancada ruralista no Congresso, representada pela poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária, demonstra, reiteradamente, seu poder desproporcional sobre as políticas públicas nacionais. Do controverso Código Florestal ao esvaziamento de órgãos como Incra e Funai, passando pelo chamado “PL do Veneno” e pela obstinada resistência às demarcações de terras indígenas e quilombolas, testemunhamos uma agenda que prioriza a expansão agropecuária a qualquer custo.

Neste momento, a FPA defende uma desastrosa agenda de retrocessos ambientais, com a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, o autolicenciamento ambiental e o fim da obrigatoriedade de outorga para uso de recursos hídricos.

O discurso é sempre o mesmo: precisamos flexibilizar a legislação socioambiental para “alimentar o mundo”. Mas a realidade desmascara esta narrativa. O Brasil já produz alimentos em quantidade mais que suficiente para consumo interno e exportação. O problema da fome não está na escassez de alimentos, mas na desigualdade de acesso a eles.

Projetos que nasceram com promessas de inclusão social, como o biodiesel—originalmente anunciado como “redenção” da agricultura familiar no Norte e Nordeste—acabaram capturados pelos mesmos interesses de sempre. Hoje, 70% do biodiesel brasileiro provém da soja, beneficiando majoritariamente os grandes produtores.

Enquanto isso, o Ministério do Meio Ambiente continua relegado ao papel de mero “biombo verde”, incapaz de fazer frente à agenda desenvolvimentista predatória que avança implacavelmente sobre nossos biomas e comunidades tradicionais.

Este modelo representa uma versão atualizada do antigo pacto colonial: exportamos commodities com baixo valor agregado e importamos produtos manufaturados de alto valor agregado. Foi assim que as colônias financiaram o desenvolvimento dos países colonizadores, e é assim que o chamado Terceiro Mundo continua subsidiando as nações autoproclamadas desenvolvidas.

A pergunta que precisamos fazer é: a quem realmente serve este modelo econômico?

Enquanto o Brasil se contenta em ser o “celeiro do mundo”, desperdiçamos a oportunidade de construir uma economia verdadeiramente sustentável—social, econômica e ambientalmente.

O momento exige uma reflexão profunda sobre nossas escolhas. Não podemos continuar permitindo que, para cada parlamentar comprometido com as causas socioambientais, sejam eleitos dezenas de representantes dos setores que veem na natureza apenas uma fonte de lucro imediato.

Se não alterarmos o rumo, o Brasil que conhecemos deixará de existir, transformado em uma imensa fazenda voltada para o mercado externo—uma neocolônia que preferiu sacrificar seu patrimônio natural e seu futuro para ocupar o papel subalterno de fornecedor de matérias-primas.

Como bem observou o jornalista Washington Novaes, se devastação e exploração irracional de recursos naturais fossem sinônimo de desenvolvimento, já seríamos a nação mais próspera do planeta. A realidade, porém, mostra um país que insiste na “vanguarda do atraso”.

A responsabilidade pela mudança não recai apenas sobre governantes e parlamentares. Cabe a cada cidadão brasileiro questionar este modelo e exigir alternativas que coloquem a sustentabilidade, em seu sentido mais amplo, no centro do projeto nacional.

Do contrário, continuaremos repetindo, com outros atores, o mesmo script colonial que nos limita desde 1500.

Este editorial reflete a opinião do EcoDebate, com base em análise da atual conjuntura política e econômica brasileira.

Henrique Cortez, jornalista e ambientalista. Editor do EcoDebate.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O conteúdo do EcoDebate está sob licença Creative Commons, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate (link original) e, se for o caso, à fonte primária da informação