Crise climática: Impacto econômico, mortalidade e desigualdade social
Novos relatórios e estudos revelam que o aquecimento global pode reduzir o PIB mundial em até 50%, causar bilhões de mortes e sobrecarregar injustamente jovens e populações vulneráveis com eventos extremos sem precedentes, exigindo ação política urgente.
A crise climática global transcende a esfera ambiental, configurando-se como uma ameaça complexa e multidimensional que impacta profundamente a economia mundial, a saúde humana, as futuras gerações e agrava as injustiças sociais existentes. Relatórios e estudos recentes pintam um quadro alarmante, destacando a urgência de ações decisivas para evitar consequências catastróficas.
Um novo relatório de especialistas em gestão de risco do Institute and Faculty of Actuaries (IFoA), intitulado “Planetary Solvency – finding our balance with nature”, alerta que a crise climática pode reduzir o PIB global em cerca de 50% até 2090.
Além do impacto econômico devastador, o relatório prevê uma mortalidade em massa em decorrência dos efeitos do aquecimento global, como incêndios, secas, ondas letais de calor, colapso dos ecossistemas e enchentes.
O relatório do IFoA aponta que as avaliações de risco climático, usadas por instituições financeiras, políticos e funcionários públicos estavam equivocadas, pois ignoraram efeitos severos esperados, como pontos de inflexão, aumento da temperatura do mar, migração e conflito.
A menos que haja uma ação política imediata para mudar o curso, o risco de insolvência planetária se aproxima, com impactos catastróficos ou extremos sendo “eminentemente plausíveis” e capazes de ameaçar a prosperidade futura.
A dependência fundamental de nossa sociedade e economia do sistema da Terra – que fornece bens essenciais como comida, água, energia e matérias-primas – é crítica. Esses serviços ecossistêmicos, incluindo a regulação climática, não são substituíveis por tecnologia.
Isso significa que o desenvolvimento social, o bem-estar, a prosperidade e a saúde econômica estão intrinsecamente ligados e dependentes do sistema planetário, exigindo que nossas atividades estejam dentro dos limites planetários. A abordagem atual liderada pelo mercado para mitigar riscos climáticos e naturais não está dando resultados, e uma resposta política urgente é necessária.
Os impactos severos já são uma realidade, manifestando-se em incêndios, inundações, ondas de calor, tempestades e secas sem precedentes. Há um risco iminente de desencadear pontos de inflexão, como o derretimento da camada de gelo da Groenlândia ou a morte da floresta amazônica. Esses pontos de inflexão podem gerar um efeito cascata, acelerando e tornando os danos incontroláveis, possivelmente levando a um ponto sem retorno.
Em cenários de aquecimento extremo (acima de 3°C) ou catastrófico, a mortalidade humana pode chegar a 2 bilhões ou 4 bilhões de óbitos, respectivamente, com grave redução da expectativa de vida e impactos negativos em todos os níveis da sociedade.
Outro estudo, de Adrien Bilal e Diego R. Känzig, estima que os danos macroeconômicos das mudanças climáticas são seis vezes maiores do que se pensava anteriormente. Segundo a pesquisa, um aquecimento de apenas 1°C reduz o PIB mundial em 12%. Essa estimativa é maior porque os autores exploraram a variabilidade da temperatura global, que se correlaciona fortemente com eventos climáticos extremos, diferentemente da temperatura em nível de país usada em trabalhos anteriores.
Um cenário de aquecimento “business-as-usual” implica uma perda de bem-estar atual de 25%. As perdas, se a crise climática não for controlada, incluem a perda da capacidade de cultivar grandes culturas básicas, elevação do nível do mar em vários metros e padrões climáticos alterados.
Além das perdas econômicas e da mortalidade, as mudanças climáticas estão impactando desproporcionalmente a nova geração. Um estudo global publicado na revista Nature revela que crianças nascidas hoje (entre 5 e 18 anos) viverão mais eventos climáticos extremos do que qualquer geração anterior. Viver uma vida “sem precedentes” neste contexto significa enfrentar extremos climáticos que teriam menos de 1 chance em 10 mil de ocorrer em um clima pré-industrial.
Mesmo no cenário otimista de limitação do aquecimento a 1,5°C, 52% das crianças nascidas em 2020 enfrentarão um número inédito de ondas de calor ao longo da vida, comparado a 16% das nascidas em 1960. Em um cenário de 3,5°C, mais de 90% das crianças enfrentarão esse tipo de exposição. Esse padrão se repete para outros eventos extremos, como perdas agrícolas, incêndios florestais, secas e enchentes fluviais, embora com percentuais variados. A pesquisa evidencia uma clara e injusta disparidade geracional.
A vulnerabilidade é ainda maior para populações vulneráveis e países tropicais. Sob as políticas climáticas atuais, 95% das crianças nascidas em 2020 em situação socioeconômica mais vulnerável enfrentarão exposição inédita a ondas de calor, em comparação com 78% das crianças mais privilegiadas. Essas crianças vulneráveis, com poucos recursos e opções de adaptação, sofrem a pior escalada dos eventos climáticos extremos e enfrentam riscos desproporcionais.
As mudanças climáticas também geram uma crise silenciosa de saúde mental. Um estudo recente focou em adolescentes em regiões particularmente vulneráveis, como o sul de Madagascar, onde os jovens já enfrentam os efeitos devastadores no presente. Diferentemente de países de alta renda, onde a ansiedade climática muitas vezes se concentra em riscos futuros, em Madagascar, secas prolongadas, tempestades de areia e escassez de água e alimentos impactam diretamente o bem-estar mental.
O estudo em Madagascar revelou níveis alarmantes de ansiedade, depressão e preocupação com as mudanças climáticas entre os jovens, muitos expressando sentimentos de desesperança e impotência diante de um futuro incerto. Situações extremas, como 90% das famílias relatando falta de comida no último ano e 69% dos adolescentes passando um dia inteiro sem comer, além de testemunharem a morte por fome, agravam o trauma psicológico. A pesquisa identificou que a perda de recursos domésticos, a incerteza sobre o futuro e o rompimento de mecanismos de sobrevivência tradicionais (como a agricultura) são as principais vias pelas quais as mudanças climáticas afetam a saúde mental dos adolescentes.
É crucial reconhecer que as mudanças climáticas aprofundam injustiças sociais preexistentes, penalizando com maior rigor justamente aqueles que menos contribuíram para o problema: as populações mais vulneráveis. Enquanto países ricos investem em infraestrutura de adaptação, nações em desenvolvimento enfrentam os piores efeitos sem recursos equivalentes. Dentro desses países, os mais pobres – comunidades marginalizadas, povos tradicionais e trabalhadores informais – sofrem primeiro e com mais intensidade.
A mobilidade humana, que pode ser a única alternativa diante de eventos extremos, não é acessível a todos; passaportes, recursos financeiros e redes de apoio são privilégios de poucos. Milhões ficam presos em zonas de risco, sem acesso a políticas públicas de adaptação ou reassentamento. Essa questão não foi discutida de forma adequada nem mesmo nas Conferências do Clima.
Diante desse cenário, a resposta exige o reconhecimento de que a crise climática é também uma crise de direitos humanos. Países desenvolvidos e grandes corporações devem assumir sua dívida histórica, financiando adaptação e reparação nos territórios mais afetados. É essencial que as políticas climáticas incluam mecanismos de proteção social, como auxílio a deslocados ambientais, investimento em agricultura resiliente e garantia de moradia segura para comunidades em risco. Além disso, há urgência em integrar suportes de saúde mental aos esforços de adaptação climática, especialmente em países de baixa e média renda.
Se o mundo continuar a ignorar a desigualdade dos impactos climáticos, perpetuará um sistema que condena os mais pobres a pagar o preço de um desastre do qual não são culpados.
A justiça climática não é um ideal distante, mas uma necessidade imediata, e o tempo para agir está se esgotando.
Líderes mundiais devem agir com urgência e ambição para limitar rapidamente o aquecimento global a 1,5°C, colocando de fato as crianças – e as populações mais vulneráveis – no centro da resposta climática.
Referências:
Extremos climáticos marcarão a vida de crianças em todo o mundo
Crise climática global pode provocar retração econômica e grande mortalidade
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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