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O que aprendemos com a pandemia para evitar a crise climática?

 

O que aprendemos com a pandemia para evitar a crise climática?

“O que nós aprendemos com a pandemia que possa fomentar uma ação climática mais ambiciosa?”, escreve Chiara Martinelli, assessora da CIDSE, coalizão de organizações católicas pela justiça social, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 11-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

IHU

Eis o artigo.

Cinco anos atrás, o Acordo de Paris foi adotado pelos líderes governamentais: um compromisso resultado de longas negociações e ampla pressão pública. O Acordo de Paris não é o ideal, mas é uma ferramenta importante para impulsionar os governos para mudar as palavras para ações.

Infelizmente, nos últimos cinco anos, os governos falharam em atingir as metas acordadas em 12 de dezembro de 2015, e aqui estamos hoje – na véspera da Cúpula de Ambição do Clima onde os governos supostamente apresentariam a implementação de seus planos (as chamadas NDCs, Contribuição Nacionalmente Determinada) – para gritar novamente que mais ambição e passos iminentes são necessários.

Depois de meses lidando com a covid-19, outro alarme ecológico está tocando alto e claro: a superexploração de recursos naturais está tendo consequência de longo-prazo. De fato, nós temos um grande trabalho a fazer, apesar do adiamento da COP26, os compromissos e a ação climática não podem ser atrasados.

As medidas de lockdown em muitos países “pausou” a normalidade dos negócios: nossa economia, nosso consumo, nossas viagens, nosso frenético estilo de vida. Nunca antes a civilização industrial fez esse tipo de “parada”. Alguns estavam até “celebrando” o incomum decréscimo de emissões, mas logo cientistas nos alertaram que esse era um pequeno declive no gráfico de emissões de longo-prazo. Nós necessitamos de um achatamento sustentável da curva para alcançar os objetivos do Acordo de Paris. Nós precisamos um filme inteiramente diferente, não apenas apertar pause ou play em câmera lenta!

Enquanto pausamos nossos estilos de vida durante a crise da covid-19, tem sido impossível “pausar” o permanente estado de crise climática vivida pelas comunidades mais vulneráveis e pobres do mundo.

A pandemia em 2020 era apenas uma das ameaças a centenas de milhões de pessoas enforcadas por tempestades, invasão de gafanhotos, secas e ciclones tropicais. Nós deveríamos dedicar todo o espaço midiático disponível para reportar essas histórias, frequentemente ignoradas. Nós daremos este espaço aqui.

Cinco tempestades martelaram as Filipinas em 30 dias entre outubro e novembro: do tufão Molave (localmente nomeada como Quinta) em 25 de outubro ao Vamco (Ulysses) em 23 de novembro, que veio menos de quinze dias após a tempestade mais forte da temporada, o tufão Goni (Rolly).

Ao longo de 2020, a África Oriental tem visto seus piores enxames de gafanhotos em muitas décadas, com efeitos devastadores na agricultura e na segurança alimentar da população local. A floresta amazônica brasileira continua em chamas, com um aumento de 13% nos primeiros nove meses do ano em relação ao ano passado.

O que nós aprendemos com a pandemia que possa fomentar uma ação climática mais ambiciosa?

Em primeiro lugar, a crise da saúde confirmou o fracasso do atual sistema econômico dominante. O surto pandêmico de outra doença zoonótica – como a covid-19 – é mais um exemplo da invasão da atividade humana nos limites da natureza. A harmonia em nosso relacionamento com a criação é quebrada.

E, como afirmamos repetidamente na Comissão Covid-19 do Vaticano, criada pelo papa Francisco para expressar o cuidado da Igreja por toda a família humana que enfrenta a pandemia, não há humanidade saudável em um planeta doente. A ambição climática deve, portanto, restaurar uma coexistência pacífica da natureza e da humanidade em nosso planeta.

Em segundo lugar, testemunhamos que os governos têm o poder de interromper certas atividades econômicas para colocar a saúde das pessoas em primeiro lugar. Em um ano que começou com uma profunda crise de multilateralismo e falta de confiança na cooperação intergovernamental, os líderes políticos conseguiram encontrar compromissos históricos durante a emergência da covid-19, como o fundo de recuperação europeu.

A ambição climática, portanto, significa aumentar a colaboração entre os países dentro dos processos internacionais, apoiando os esforços uns dos outros, como os países industrializados financiando a adaptação dos países pobres às mudanças climáticas.

Em nossas sociedades ricas, as restrições do bloqueio levaram muitos de nós a descobrir um modo de vida mais sustentável, apoiando a produção local de alimentos, evitando viagens inúteis, cuidando uns dos outros oferecendo serviços de vizinhança para os doentes e em quarentena e mostrando solidariedade online, em varandas e em protestos.

A ambição climática, portanto, significa caminhar em direção a um modo de vida mais sustentável “para que outros possam simplesmente viver”.

Também aprendemos que o trabalho mais essencial em nossa civilização globalizada, como produção de alimentos, saúde, educação, fabricação de bens essenciais e a preservação de nossos ecossistemas, é suportado pelas pessoas mais impotentes – geralmente mulheres, pessoas de cor e comunidades indígenas.

A pandemia atingiu uma sociedade já profundamente desigual. Além disso, pessoas já vulneráveis que faziam trabalhos essenciais foram ainda mais privadas de serviços sociais essenciais, expostas a mais violência e opressão, dispensadas sem aviso prévio ou com expectativa de fazer horas extras em condições insalubres.

As pessoas que pagam diariamente o preço das desigualdades são também as mais vulneráveis às mudanças climáticas. A ambição climática, portanto, significa proteger os direitos e empoderar os mais vulneráveis, bem como aprender com seus conhecimentos tradicionais e espiritualidade de cuidado com a criação.

Muitas propostas de políticas para enfrentar a pandemia foram claramente guiadas por interesses econômicos e ignoraram fundamentalmente o bem comum. Essas medidas visavam simplesmente “voltar ao normal”, em vez de reconstruir melhor, em vez de se preparar para ser resiliente a crises futuras.

E hoje, cinco anos após a adoção do Acordo de Paris, não vamos tolerar mais perder tempo ou aceitar promessas de longo prazo. O novo normal deve começar agora. Não podemos sair de uma crise global como éramos antes e perder a oportunidade de mudar de rumo. Não podemos perder o ímpeto: vemos claramente os sistemas por trás da crise. Reformas isoladas ambientais, econômicas ou de saúde não resolverão as raízes do problema.

Precisamos de uma abordagem clara e holística, com coerência de políticas em todos os setores e em todos os níveis, que possa unir forças para moldar um novo paradigma em que as pessoas e o planeta sejam a prioridade central. Porque sabemos que o caminho que estávamos percorrendo a todo vapor está apenas perpetuando as desigualdades e o colapso ecológico.

Então, onde estamos hoje em nosso roteiro para 2030? Há etapas em direção às metas de Paris para comemorar (por exemplo, esforços de desinvestimento de combustíveis fósseis por muitas instituições, proibições de plástico de uso único em algumas regiões, o início de processos em direção a “economia verde”, com base em uma visão de interconexão entre agendas diferentes, etc.).

Em muitos deles, os atores locais desempenharam claramente um papel fundamental. Este é um sinal de que a mudança só pode acontecer se as comunidades locais estiverem liderando ou participando.

Infelizmente, a ciência está nos dizendo que muito pouco foi feito – e muito lentamente – para realmente enfrentar a crise climática, especialmente nas regiões mais vulneráveis. Quase atingimos um aumento médio de temperatura de 1,2 graus Celsius globalmente.

Enquanto medidas para uma recuperação justa e sustentável são debatidas, “crescimento a todo custo” continua sendo a mentalidade dominante da maioria dos líderes políticos, e as sociedades continuam presas em uma “cultura do descarte”.

Hoje, e no próximo ano, é uma oportunidade, enquanto construímos planos para uma recuperação justa e sustentável pós-covid-19, para avaliarmos como estão os compromissos de cada país, e quais honram os compromissos de Paris.

O chamado moral para consciência nesse momento poderia verdadeiramente traz uma década de transformação sem precedentes. Esses são os ingredientes essenciais para a verdadeira ambição:

 

  • As promessas climáticas devem estar enraizadas em um imperativo moral para salvar a vida das pessoas e proteger seus direitos;
  • As promessas climáticas devem ser baseadas nas reduções de emissões recomendadas por dados científicos para evitar a extinção;
  • As promessas climáticas devem incluir medidas para abordar e limitar os efeitos sociais e econômicos da transição nas partes mais vulneráveis da sociedade em todo o mundo;
  • As promessas climáticas devem olhar além da normalidade dos negócios para alternativas que seguem a natureza cíclica dos ecossistemas (por exemplo, apoiando a economia circular, sistemas alimentares sustentáveis, como agroecologia, etc.);
  • As promessas climáticas devem proteger e aprender com o conhecimento tradicional, especialmente com os povos indígenas, os primeiros guardiões da Mãe Terra.

É complexo, mas é possível. É nossa responsabilidade responsabilizar os líderes pela implementação de sua ação climática.

Cinco anos atrás, nas ruas de Paris, aprendemos que é crucial para todos nós – para movimentos da sociedade civil, atores da igreja, comunidades, jovens, mídia e órgãos científicos – trabalharmos juntos para contribuir para trazer cerca de uma década de restauração em direção a 2030, uma década de jubileu, uma década que pode inspirar, pode fortalecer a mudança, uma década que já começou.

(EcoDebate, 16/12/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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