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Artigo

A solidão das árvores antigas

 

árvore em meio à floresta
Foto: Agência Pará/EBC

A solidão das árvores não é de alguém que está sozinho, mas de quem foi esquecido antes mesmo de partir. Do cuidado que falta, do olhar, da atenção, da compreensão

Ensaio de Rosângela Trajano

Há árvores que parecem avós das cidades grandes com suas memórias, troncos grossos, galhos que insistem em invadir as ruas por onde passam os automóveis apressados. Elas se espremem e tentam viver naquele lugar onde antes era somente um chão de terra e hoje se confabula em concreto com prédios ao seu redor.

Se lhes pedissem para contar as histórias daquele lugar saberiam como ninguém falar de um tempo onde os homens podiam sentar às suas calçadas para conversarem ou embaixo dos seus galhos para jogarem damas ou xadrez, como faz meu amado pai, ainda na pracinha do seu bairro.

A solidão das árvores não é de alguém que está sozinho, mas de quem foi esquecido antes mesmo de partir. Do cuidado que falta, do olhar, da atenção, da compreensão. O cuidado exige paciência, calma, um olhar mais apurado, um carinho e nada disso as árvores antigas recebem mais. Elas estão sendo derrubadas por ameaçarem a vida de pessoas e isso é muito triste.

Foram esquecidas durante anos e malcuidadas por quem deveria ter prestado atenção nas suas necessidades. Esqueceram de podá-las, esqueceram das pragas dos cupins e dos fios de iluminação pública passando em cima dos seus galhos. Não cuidaram das árvores antigas e agora as culpam por tantos desastres quando a chuva vem forçando com que seus galhos caíam por cima de carros e casas. Quando falta o cuidado, falta tudo.

As árvores antigas são guardiãs das nossas memórias, daquele tempo em que podíamos brincar na rua com bola de meia ou ciranda de roda, daquele tempo em que no quintal de cada pessoa havia uma delas, na frente da casa, nos canteiros da cidade, num tempo em que elas eram amadas simplesmente pelas suas sombras e frutos. O menino a se esconder da mãe para não ir pra casa atrás do grosso tronco da árvore antiga… quanta saudade tenho de tudo isso!

Hoje, as árvores antigas vivem apertadas e esquecidas rodeadas por canteiros de concreto e prédios enormes de altos, em quintais que mal podem mexer seus galhos e com vizinhos que não suportam suas folhas secas caindo nos seus quintais. Vez ou outra alguém olha para elas, apenas por olhar mesmo, sem sentido nenhum porque não sabe o quão maravilhosas são para a nossa vida de horas contadas no relógio do tempo.

A solidão das árvores antigas é reduzida quando uma criança abraça seu grosso tronco e fica curiosa para saber seu nome, quando um idoso cansado e de bengala para pra descansar um pouco debaixo da sua sombra ou quando alguém depois de uma corrida também se encosta em seu tronco para respirar. Elas são sagradas. Guardam as memórias do povo e do lugar onde vivem. Sabem de toda a nossa história.

Ser esquecido ainda vivo não há solidão mais dolorosa do que esta, e é por isso que as árvores antigas choram escondidas umas para as outras. O barulho dos automóveis, o barulho dos aparelhos de som dos grandes eventos em céu aberto, o barulho da multidão andando apressada, tudo isso passam por elas sem se darem conta das suas presenças grandiosas purificando o ar para que possamos respirar, nos dando sombra, nos proporcionando um tempo mais ameno e tirando as ondas de calor da cidade. Há quem esqueça da sua importância para a vida dos homens, mas as árvores antigas sendo as avós de todos cuidam de nós com carinho e amor.

Talvez chegue um dia em que elas voltarão a ser lembradas quando não tivermos mais tempos de salvá-las, quando procurarmos uma sombra nas grandes cidades e já não tivermos mais onde nos refrescar. Ali, na pracinha, onde elas vivem esquecidas talvez daqui há alguns anos já não estejam mais lá e sentiremos saudades de nunca termos prestado atenção que nossos filhos gostavam de brincar nos seus galhos. A solidão dói!

Rosângela TrajanoColunista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

 

Citação
EcoDebate, . (2025). A solidão das árvores antigas. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/12/02/a-solidao-das-arvores-antigas/ (Acessado em dezembro 2, 2025 at 08:18)

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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