Ondas de calor aumentam 8 vezes e exigem adaptação urgente

Risco exponencial: sem ação climática, regiões equatoriais terão calor recorde anual. Cidades brasileiras estão “muito atrasadas” na adaptação ao calor extremo.
Entenda porque as ondas de calor são uma emergência silenciosa, as mortes subnotificadas e a necessidade urgente de redução de emissões e adaptação urbana
Ondas de Calor – Emergência Silenciosa
Estudos recentes indicam que a frequência de ondas de calor aumentou oito vezes no Brasil nas últimas seis décadas, expondo milhões de pessoas. Sem ação climática imediata e investimento massivo em adaptação urbana, regiões próximas ao Equador podem enfrentar calor recorde anualmente.
Para o Brasil, uma nação com grande parte de seu território situado próximo à linha do Equador, o aumento da frequência e intensidade das ondas de calor decorrentes das mudanças climáticas é uma ameaça especialmente preocupante. Esse fenômeno, caracterizado por temperaturas máximas que permanecem, no mínimo, entre 5°C e 7°C acima da média por pelo menos cinco dias consecutivos, intensificou-se dramaticamente no país.
O aumento da frequência e intensidade desses eventos climáticos extremos é uma consequência direta da mudança do clima. No Brasil, o número de dias com ondas de calor aumentou oito vezes nos últimos 60 anos. Enquanto no período de referência entre 1961 e 1990 o país registrava 7 dias de ondas de calor, esse número saltou para 52 dias no período de 2011 a 2020. Dados recentes demonstram a aceleração: o Brasil registrou nove ondas de calor em 2023 e oito em 2024, com três episódios já observados nos primeiros dois meses de 2025.
O risco exponencial das regiões equatoriais
O desafio brasileiro se insere em uma tendência global alarmante. Pesquisas recentes alertam que locais e estações que apresentam menor variabilidade climática sofrerão as maiores mudanças. Isso significa que os impactos nas regiões tropicais tendem a ser maiores do que nas regiões temperadas.
As regiões equatoriais da América do Sul e o Sudeste Asiático, por exemplo, estão projetadas para sofrer alguns dos maiores impactos. A pesquisa sugere que se a redução das emissões de gases de efeito estufa e a descarbonização da economia continuarem a ser adiadas, a aceleração das ondas de calor será cada vez maior.
Para regiões como a África equatorial, a projeção é que ondas de calor com duração superior a 35 dias ocorram 60 vezes mais frequentemente no futuro próximo (2020 a 2044) em comparação com o passado recente (1990 a 2014). Essa aceleração exige que a adaptação seja cada vez mais rápida, especialmente para as ondas de calor mais extremas.
No Rio de Janeiro, uma pesquisa concluiu que o calor extremo em 2023, com temperaturas acima de 40°C e sensação térmica próxima a 50°C, seria inviável no período pré-industrial. Em um cenário de aquecimento global de 2°C, a chance de ondas de calor semelhantes ou ainda mais intensas triplicaria, resultando em um novo evento extremo a cada quatro anos.
Emergência de saúde pública subnotificada
Apesar do risco crescente, o calor é frequentemente um “desastre negligenciado no Brasil e na maior parte das regiões tropicais”. Diferentemente de inundações ou deslizamentos de terra, as ondas de calor não possuem um impacto visual imediato de destruição.
Os impactos na saúde, contudo, são devastadores. A exposição prolongada ao sol e ao calor traz riscos de exaustão térmica, insolação, desidratação e queimaduras. O calor extremo também está associado a variações significativas nas mortes por doenças cardiovasculares, respiratórias, doenças renais, e até mesmo um aumento na violência e acidentes de carro devido ao incremento da irritabilidade.
Um estudo que quantificou mortes associadas às ondas de calor entre 2000 e 2018 nas 14 principais regiões metropolitanas do Brasil revelou que 48 mil óbitos foram atribuíveis à exposição prolongada ao calor excessivo. Este número é 20 vezes maior do que o total de mortes associadas a deslizamentos de terra no mesmo período. A pesquisadora Renata Libonati enfatiza que é necessário aumentar a informação da sociedade sobre os perigos das ondas de calor, pois há uma percepção falaciosa de que habitantes de regiões tropicais estariam “acostumados” ao calor e que, portanto, ele não faria mal à saúde.
A grande questão de saúde pública no Brasil é a subnotificação. Embora o sistema de saúde possua um Código Internacional de Doença (CID) específico (X30 – Exposição a calor natural excessivo), foram identificados apenas 50 óbitos com essa classificação em todo o país no período estudado.
A desigualdade e a vulnerabilidade crescente
As ondas de calor atingem todas as regiões, mas seus impactos não são equitativos. Os grupos mais impactados e vulneráveis incluem mulheres, idosos, pessoas pretas e pardas, e indivíduos com baixa escolaridade (menos de quatro anos).
A suscetibilidade é predominantemente socioeconômica. Entre os fatores de desigualdade estão o menor acesso a ar-condicionado, as condições de infraestrutura urbana mais precárias e menos arborizadas em regiões marginalizadas, a menor ventilação e a maior densidade populacional. Trabalhadores expostos ao ar livre ou aqueles que utilizam o transporte público pouco adaptado ao calor também fazem parte do grupo mais vulnerável.
Adicionalmente, o envelhecimento da população brasileira — com projeção de que 37,8% dos habitantes sejam idosos até 2070 — traz um desafio crescente, pois os idosos perdem a capacidade de sentir e regular a temperatura do corpo, tornando-se mais vulneráveis a temperaturas extremas.
Adaptação urbana: urgência e investimentos maciços
O Brasil está “muito atrasado” na implementação de protocolos de enfrentamento em comparação com regiões como a Europa, que passaram a adotar medidas após cerca de 70 mil mortes em 2003.
A inadequação da infraestrutura urbana nas cidades brasileiras intensifica os efeitos do calor. A urbanização desordenada, a falta de planejamento e a predominância de asfalto e concreto agravam o fenômeno das “ilhas de calor urbanas”, elevando ainda mais as temperaturas locais.
Diante desse cenário, a resposta exige ação climática imediata e investimentos maciços em adaptação urbana, sistemas de saúde e proteção das populações mais vulneráveis.
Especialistas defendem a implementação urgente de medidas como:
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Adaptação urbana verde: Criação de corredores verdes, ampliação de parques e áreas arborizadas para reduzir a temperatura e melhorar o conforto térmico.
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Infraestrutura de refrigeração: Implementação de telhados verdes e sistemas de resfriamento passivo em construções.
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Rede de hidratação: Criação de uma ampla e acessível rede de bebedouros públicos e estruturas permanentes de hidratação, que podem salvar vidas.
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Fortalecimento do sistema de saúde: Melhorar a capacidade de resposta dos serviços de saúde durante ondas de calor e desenvolver planos de emergência.
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Políticas inclusivas: Programas que garantam acesso a abrigos climatizados e protocolos de emergência específicos para grupos vulneráveis, como trabalhadores ao ar livre e pessoas em situação de rua.
A transformação das cidades em ambientes resilientes ao calor extremo é vista não apenas como uma questão de resiliência climática, mas como uma questão de saúde pública e justiça social. É urgente desenvolver políticas de adaptação que estejam, sobretudo, alinhadas às políticas de redução das desigualdades no país.
Referências:
Ondas de calor nas cidades brasileiras: Uma emergência climática que exige ação imediata
Ondas de calor aumentaram 60% desde 2007 e ameaçam saúde global, revela estudo internacional
Ondas de calor são um risco crescente à saúde e à qualidade de vida
Cidades brasileiras falham em enfrentar ondas de calor extremo
Ondas de calor extremo como 2023 serão mais frequentes no Rio de Janeiro
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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