Países e territórios com as menores taxas de fecundidade do mundo
O decrescimento populacional é um desafio estrutural inevitável, mas não precisa significar estagnação ou declínio do bem-estar
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Durante mais de 200 mil anos, desde o surgimento do Homo sapiens, as taxas de mortalidade e de natalidade eram altas e o padrão de vida da população mundial era muito baixo. Até o início do século XIX, a maior parte dos nascimentos terminavam em mortes antes mesmo dos bebês completarem a idade adulta. Crianças, adolescentes e jovens tinham um horizonte de vida curto pela frente.
O custo pessoal, social e econômico da alta mortalidade é incalculável e a perda precoce de vidas inviabilizava o desenvolvimento humano, pois é impossível ter progresso econômico sem uma vida longa capaz de absorver ensinamentos e experiências e sem o exercício pleno da cidadania (saúde, educação, trabalho etc.). Ou dito em outra linguagem, não há prosperidade sem aumento da longevidade e a formação de “capital humano”.
O resultado do processo de desenvolvimento tem sido o enriquecimento médio do ser humano e a conquista de uma vida mais longa. Antes da Revolução Industrial e Energética a expectativa de vida média da população mundial estava em torno de 25 anos, ultrapassou ligeiramente os 30 anos em 1900, mais do que dobrou no século XX e a expectativa de vida ao nascer encontra-se atualmente pouco abaixo de 75 anos. Ou seja, em cerca de 200 anos a expectativa de vida ao nascer dos seres humanos foi multiplicada por um fator de cerca de 3 vezes. Isto nunca tinha acontecido antes e nem vai acontecer no futuro.
Por outro lado, a conquista da autodeterminação reprodutiva é essencial para a liberdade de decisão, para a liberdade de iniciativa das pessoas e para superar os preconceitos, a ignorância e os fatalismos. A transição demográfica é um fenômeno por excelência da modernidade e é sincrônica ao processo de desenvolvimento e ao aumento das taxas de urbanização.
Na configuração demográfica antiga, a estrutura etária era muito rejuvenescida, com uma alta proporção de crianças e jovens na população e uma baixa proporção de pessoas em idade produtiva. As mulheres não tinham autonomia e nem grandes perspectivas profissionais, pois, além da alta mortalidade materna, tinham baixa extensão do tempo de sobrevivência e passavam a maior parte da vida dedicadas à maternidade, ao cuidado dos filhos e ao trabalho doméstico familiar. O fato é que nenhum país do mundo avançou, em termos econômicos e sociais, com a prevalência de altas taxas de mortalidade e elevadas taxas de fecundidade. Indubitavelmente, a transição demográfica é uma conquista civilizatória.
Porém, a redução das taxas de fecundidade em muitos países não se estabilizou ao redor do nível de reposição (de 2,1 filhos por mulher). Os países ricos e de renda média alta possuem atualmente taxas de fecundidade total (TFT) em torno de 1,6 filho por mulher. Neste patamar, a população destes países deve apresentar um decrescimento populacional gradual e moderado no longo prazo.
Contudo, países com taxas de fecundidade muito abaixo de 1,5 filho por mulher podem ter um decrescimento populacional muito rápido e profundo, podendo prejudicar a adaptabilidade das políticas públicas à nova dinâmica demográfica.
A tabela abaixo apresenta alguns indicadores demográficos dos 9 “países” com a TFT com 1 filho ou menos, em 2024. São 6 “países” do leste asiático, 2 “países” do Caribe e um país do leste europeu. Macau (região especial da China), com 720 mil habitantes e densidade demográfica de 22,5 mil habitantes por quilômetros quadrados (hab/km2), tinha idade mediana de 38,9 anos, expectativa de vida ao nascer (Eo) de 83,2 anos e TFT de somente 0,68 filho por mulher, a mais baixa do mundo.

Hong Kong (região especial da China), com 7,4 milhões de habitantes, com densidade demográfica de 6,7 mil hab/km2, tem idade mediana de 46,8 anos e expectativa de vida ao nascer de 85,6 anos, além de apresentar a menor TFT (de 0,73 filho por mulher), a mesma da Coreia do Sul.
A Coreia do Sul, com 52 milhões de habitantes e densidade demográfica de 523 hab/km2, apresenta idade mediana de 45,1 anos e expectativa de vida ao nascer de 84,4 anos, além de TFT de 0,73 filho por mulher, a segunda mais baixa do mundo, juntamente com Hong Kong.
São Bartolomeu (Saint Barthélemy) é uma ilha do Caribe, que é uma coletividade ultramarina da França, com uma população de 11 mil habitantes, uma densidade demográfica de 523 hab/km2, uma idade mediana de 38,9 anos, uma expectativa de vida ao nascer de 84,4 anos e uma TFT de 0,82 filho por mulher.
Taiwan (região especial da China), com 23 milhões de habitantes, com densidade demográfica de 656 hab/km2, tem idade mediana de 44,2 anos, uma expectativa de vida ao nascer de 80,8 anos e TFT de 0,86 filho por mulher.
Porto Rico (território não incorporado dos Estados Unidos da América), localizado no nordeste do Mar do Caribe, possui população de 3,2 milhões de habitantes, densidade demográfica de 373 hab/km2, idade mediana de 45,5 anos, expectativa de vida ao nascer de 81,9 anos (superior a Eo dos EUA) e TFT de 0,94 filho por mulher.
Singapura é uma cidade-Estado muito rica, localizada na ponta sul da Península Malaia, no Sudeste Asiático, tem 5,8 milhões de habitantes e densidade demográfica de 8,5 mil hab/km2, apresenta idade mediana de 35,7 anos e expectativa de vida ao nascer de 83,9 anos, além de TFT de 0,95 filho por mulher.
A Ucrânia, nação do leste europeu em guerra com a Rússia desde 2022, tem 37,9 milhões de habitantes e densidade demográfica de 65 hab/km2, apresenta idade mediana de 42,1 anos e expectativa de vida ao nascer de 74,7 anos, além de TFT de 0,99 filho por mulher.
A China era o país mais populoso do mundo até 2022, mas perdeu o primeiro lugar para a Índia. Em 2024 tinha uma população de 1,4 bilhão de habitantes, densidade demográfica de 148 hab/km2, idade mediana de 39,6 anos, expectativa de vida ao nascer de 78 anos e TFT de 1 filho por mulher.
Evidentemente, taxas de fecundidade tão baixas não são sustentáveis no longo prazo. Provavelmente, estas nações enfrentam um problema temporário, pois a TFT deve aumentar nos próximos anos e décadas, mesmo que não voltem ao nível de reposição. O gráfico abaixo mostra a evolução das taxas de fecundidade entre 2000 e 2023 nos referidos países e territórios.

Taxas de fecundidade em torno de 1,5 filho por mulher podem ser perfeitamente administradas, implicando em um decrescimento populacional moderado. Este decrescimento pode ser um fato positivo, pois com menos crianças e jovens, as famílias e os governos podem investir mais na educação e na qualificação profissional dos indivíduos. Isso pode elevar a produtividade e compensar parte da redução do número de trabalhadores.
Áreas urbanas podem se tornar mais habitáveis, com menos congestionamentos e maior qualidade de vida. Espaços abandonados podem ser convertidos em áreas verdes ou habitação social. Mudanças nos valores sociais podem fortalecer solidariedade intergeracional e novas redes de apoio.
O decrescimento populacional pode ajudar a mitigar a crise climática e ambiental e pode facilitar a adaptação diante da aceleração do aquecimento global e da 6ª extinção em massa das espécies, abrindo espaço para a restauração ecológica. Menor densidade populacional em áreas de risco (zonas costeiras, regiões áridas) pode reduzir o impacto de eventos extremos. Facilita políticas de relocação e adaptação urbana.
Com menor demanda, é possível investir em sistemas mais sustentáveis de transporte, saneamento e habitação, adaptados à realidade do aquecimento global. Em um mundo de escassez hídrica e alimentar, menores populações poderão reduzir conflitos por água, terras férteis e energia. A China, por exemplo, já apresenta decrescimento da população, embora continue aumentando a renda per capita e melhorando os indicadores sociais.
Em síntese, o decrescimento populacional é um desafio estrutural inevitável, mas não precisa significar estagnação ou declínio do bem-estar. Se houver políticas adequadas em educação, inovação tecnológica e adaptação dos sistemas de proteção social haverá a possibilidade de construir uma sociedade mais equilibrada, sustentável e centrada no bem-estar humano, com respeito a todas as formas de vida da Terra.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. O Brasil vive uma revolução demográfica, Ecodebate, 23/08/2024
https://www.ecodebate.com.br/2024/08/23/brasil-2042-enfrentando-a-nova-revolucao-demografica/
ALVES, JED. O envelhecimento populacional é uma conquista histórica, Ecodebate, 14/05/2025
https://www.ecodebate.com.br/2025/05/14/o-envelhecimento-populacional-e-uma-conquista-historica/
ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental, Ecodebate, 20/01/2023 https://www.ecodebate.com.br/2023/01/20/decrescimento-demoeconomico-com-elevacao-da-prosperidade-social-e-ambiental/
ALVES, JED. Os quatro bônus demográficos e a nova dinâmica populacional global, Ecodebate, 01/10/2025 https://www.ecodebate.com.br/2025/10/01/os-quatro-bonus-demograficos-e-a-nova-dinamica-populacional-global/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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