Lobistas da agroindústria têm acesso privilegiado às negociações da COP30

Grandes países e empresas do agronegócio já utilizaram as COPS, no passado, para enfraquecer os textos acordados nas negociações e se opor a soluções
A DeSmog divulgou uma análise da lista de participantes da COP30 da UNFCCC que revela que mais de 302 lobistas da agroindústria (Big Ag), representando as maiores empresas agroalimentares do mundo, tiveram acesso às negociações climáticas da COP30 em Belém, Brasil.
Os principais resultados da análise DeSmog incluem:
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No total, 302 delegados da indústria de alimentos e agropecuária (Big Ag) tiveram acesso às negociações da ONU este ano. Os números mostram um aumento de 14% em relação à COP29 e um crescimento de 71% em relação à COP27. As COPs sobre o clima continuam sendo uma das prioridades estratégicas para as empresas que atuam no setor agrícola, responsáveis por até um terço das emissões globais de gases de efeito estufa.
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Este ano, um em cada quatro lobistas do agronegócio (25%) viajou para a cúpula credenciado com crachás de país —incluindo um subgrupo de seis pessoas portando crachás oficiais que garantem acesso privilegiado às negociações diplomáticas. Lobistas da indústria alimentícia viajaram para Belém integrando as delegações nacionais do Brasil, Austrália, Indonésia, Noruega, entre outras.
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Entre as empresas do agronegócio presentes dentro das delegações nacionais estavam as três maiores empresas de carne do Brasil —JBS, MBRF e Minerva—, que têm uma pegada de emissões combinada semelhante à da multinacional petrolífera britânica BP. Juntas, essas empresas levaram 13 delegados à COP30.
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A Yara, maior empresa de fertilizantes da Europa, trouxe cinco delegados junto com sua delegação nacional, a Noruega. A indústria de fertilizantes sintéticos é uma grande consumidora de combustíveis fósseis, normalmente necessários na produção de fertilizantes à base de nitrogênio, que é um dos principais motores do aumento de emissões agrícolas.
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A Bayer, corporação de pesticidas, levou um número recorde de 19 delegados à COP. O Brasil é o segundo maior mercado para os pesticidas da empresa, que realizou eventos exclusivos para convidados em espaços como a “Casa da Bayer.”
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A pecuária industrial —empresas de carne, laticínios e ração— enviou 77 delegados à cúpula este ano, um aumento de 33% em relação à COP29. Essa presença equivale ao tamanho das delegações do México ou da Suíça —e é quase o dobro do número de delegados (38) enviados pela Jamaica, ilha caribenha que, em outubro, foi devastada pelo furacão Melissa.
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Outros grupos com alta participação incluem a empresa de laticínios Danone, a quarta maior empresa de laticínios do mundo (10 delegados), a Nestlé (9 delegados) e a JBS (8 delegados) —incluindo seu CEO, Gilberto Tomazoni. Outras grandes multinacionais também marcaram presença, como a gigante de commodities Cargill, que levou 5 delegados, além da empresa de alimentos e bebidas Pepsico (6) e da cadeia de fast-food McDonald’s (2).
Outras conclusões são apresentadas abaixo.
“O problema é que o lobby do agronegócio está escancarado na COP agora”, disse Adilson Vieira, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). “Basta olhar como a Bayer montou um estande ao lado do Ministério da Agricultura, muito perto da Blue Zone — é de uma ousadia inacreditável. Dá para entender por que as coisas não avançam enquanto essas multinacionais fazem negócios. Elas fazem tudo com a proteção do governo, então nada nunca vai mudar. As coisas não avançam porque estão sendo encobertas pelo negócio milionário que essas empresas fazem à luz do dia. Elas já nem disfarçam mais. É vergonhoso — e por isso o progresso está travado.”
O aumento na participação da indústria na COP realizada este ano no Brasil demonstra que o setor continua a considerar sua presença na conferência como uma prioridade estratégica, especialmente diante do crescente escrutínio sobre o avanço das emissões agrícolas. Com 302 participantes, o número de lobistas supera o da delegação do Canadá —a décima maior economia do mundo— que levou 220 delegados à cúpula em Belém. Grandes países e empresas do agronegócio já utilizaram as COPS, no passado, para enfraquecer os textos acordados nas negociações e se opor a soluções que, segundo cientistas do clima, são necessárias para cumprir as metas do Acordo de Paris.
Embora muitos gigantes da agricultura industrial afirmem estar fornecendo soluções para a crise climática, cientistas alertam que grande parte desses argumentos é enganosa. A JBS está entre as várias grandes empresas do setor de alimentos que enfrentam processos judiciais por deturparem seus alegações ambientais.
Cientistas também afirmam que será impossível cumprir as metas do Acordo de Paris sem mudanças profundas na forma como produzimos e consumimos alimentos. Um artigo científico de 2020 concluiu, que, mesmo com a redução do uso de combustíveis fósseis, o crescimento dos sistemas alimentares atuais, por si só, tornaria tanto a meta de 1,5°C quanto, provavelmente, a meta mais ambiciosa de 2°C, inatingível.
A principal contribuição da pecuária para as emissões vem das enormes quantidades de metano produzidas pelo gado. O setor pecuário é responsável por 32% das emissões globais de metano, sendo o maior emissor desse gás, à frente dos setores de petróleo e gás.
Hazel Healy, editora da DeSmog no Reino Unido, afirmou:
“Nossa pesquisa mostra que os lobistas do agronegócio estão resistindo à regulamentação —dispostos a investir tempo, dinheiro e recursos para repetir, nas negociações climáticas da ONU, o argumento de que seu setor é a solução para a crise climática. Somados aos 1.600 lobistas de combustíveis fósseis que tiveram acesso às negociações este ano, nossas dados levantam sérias questões sobre a influência de poderosos interesses no processo da COP.”
A análise da DeSmog acompanha a pesquisa da coalizão “Kick Big Polluters Out/KBPO (Expulsem os Grandes Poluidores)” que revelou pelo menos 1.600 lobistas de combustíveis fósseis se inscreveram para a COP30, além de dados divulgados pelo Center for International Environmental Law (Centro de Direito Ambiental Internaciona), indicando que há pelo menos 530 lobistas defendendo tecnologias de captura de carbono.
Em conjunto, essas análises reforçam a necessidade de uma reconfiguração do sistema, para que ele funcione em benefício das pessoas e do planeta —e não para os grandes poluidores, como a indústria dos combustíveis fósseis e o agronegócio—, além de exigir o fim da capacidade das corporações de ditar as regras da ação climática e financiar as negociações do clima.
“Permitir que a Bayer e outros lobistas de agrotóxicos tenham espaço na COP30 coloca em risco as negociações, inclinando-as para interesses ligados a alguns dos insumos mais intensivos em carbono da agricultura”, afirmou Arnold Padilla, da Pesticide Action Network Asia Pacific. “A indústria de agroquímicos depende de substâncias derivadas de combustíveis fósseis, o que resulta em emissões substanciais ao longo de toda a sua cadeia de produção. Somado ao papel dos agrotóxicos em prejudicar a biodiversidade do solo e enfraquecer a capacidade dos solos de armazenar carbono, o vínculo com a crise climática se torna inegável. A política climática não pode ser ditada por indústrias cujos modelos de negócio dependem de práticas que aceleram as emissões e comprometem a resiliência ecológica.”
Resultados adicionais:
Em destaque: Brasil
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Um terço de todos os lobistas do setor agrícola deste ano são do Brasil, onde o agronegócio é responsável por 74% das emissões nacionais de gases de efeito estufa e cerca de 97% da perda de vegetação nativa entre 2019 e 2024, sobretudo na Amazônia e no Cerrado. O Brasil levou 26 lobistas do agronegócio —o maior número entre todos os países— como parte de sua delegação oficial, incluindo 7 representantes de empresas de carne, 4 de empresas de agrotóxicos e 2 de associações comerciais de biocombustíveis. A cúpula também recebeu 29 delegados da Confederação Brasileira de Agricultura e Pecuária (CNA), o mais influente grupo de lobby do agronegócio brasileiro, que tentou derrubar a Moratória da Soja, acordo que impede a expansão da soja sobre áreas da Amazônia.
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Grupos de lobby influentes também vieram dos Estados Unidos, maior produtor de carne do mundo. O Meat Institute (Instituto da Carne), que promove sua indústria como sustentável por meio de seu Pacto de Proteína, levou dois lobistas a Belém; outros três delegados participaram sob o guarda-chuva da Animal Agriculture Alliance (Aliança da Agricultura Animal), organização que contribuiu para impulsionar a reação contrária ao relatório EAT-Lancet sobre dietas saudáveis.
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Outros grupos setoriais presentes incluíram a National Cattlemen’s Beef Association/NCBA (Associação Nacional de Pecuaristas de Carne Bovina),a National Farmers Union (União Nacional dos Agricultores) e a Beef+Lamb (Carne bovina e ovina) da Nova Zelândia —todos pressionando para que o IPCC da ONU adote uma métrica contábil enganosa chamada GWP*, que permitiria ao setor alegar ser “climaticamente neutro”.
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Dezenas de outros lobistas também estão presentes este ano na Agrizone, um pavilhão próximo ao local de negociação da ONU, com uma programação paralela de eventos organizada pela agência governamental Embrapa e copatrocinada pela Bayer, Nestlé e pela própria CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Em destaque: biocombustíveis
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A Cúpula do Clima registrou um aumento expressivo na presença de lobistas da indústria de biocombustíveis, número mais que dobrou em comparação com a COP29. Grupos setoriais como a World Biogas Association (Associação Mundial de Biogás) —que representa o setor de biogás, isto é, metano capturado de fontes como esterco ou resíduos agrícolas em decomposição— enviaram mais que o dobro de delegados este ano (um crescimento de 138%). Pelo menos 18 delegados de associações comerciais brasileiras de soja e etanol estão presentes na conferência da ONU. A ABIOVE, que reúne a indústria da soja, enviou uma delegação de 11 pessoas e afirmou que promoveria os biocombustíveis —combustíveis líquidos como o etanol (produzido a partir do milho ou da cana-de-açúcar e usado como aditivo da gasolina) ou biodiesel (produzido a partir do óleo de soja). Já a entidade industrial brasileira ÚNICA —associação que representa os produtores de cana-de-açúcar, principal matéria-prima de biocombustíveis no Brasil— enviou 7 integrantes em sua delegação.
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O setor da soja, ao lado da pecuária, é um dos principais motores do desmatamento na Amazônia e no Cerrado brasileiros. A soja foi responsável por 10% do desmatamento na América do Sul ao longo de 20 anos.
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O Brasil —anfitrião da COP e grande produtor de biocombustíveis— está pressionando para quadruplicar a produção desses combustíveis, apesar das críticas de que esse modelo intensivo de produção utiliza vastas extensões de terra dedicadas a monoculturas, o que provoca desmatamento e perda de biodiversidade, além de criar competição com os cultivos destinados à alimentação.
Fonte: Kick Big Polluters Out
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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