Saldo comercial da China ultrapassa US$ 1 trilhão em 2025
Os imensos superávits comerciais e em transações correntes, acompanhados de elevadas taxas de poupança e investimento fazem com que a China possa investir no avanço interno
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A China construiu a máquina produtiva mais formidável da economia internacional. O gigante asiático possui taxas de poupança e investimento acima de 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Com este poder de fogo, a China aumentou a capacidade produtiva, com ampliação da formação bruta de capital físico, ampliação da infraestrutura de transporte e comunicações e com avanço do sistema educacional e de ciência e tecnologia. Isto fez aumentar a produtividade econômica e a competitividade internacional.
Hoje em dia, a China tem sobrecapacidade produtiva e tem adotado uma política mercantilista que inunda o mundo com produtos “made in China”. E este quadro mudou totalmente em 40 anos. As exportações brasileiras eram maiores que as exportações chinesas até meados da década de 1980. Atualmente, a China exporta cerca de 10 vezes o volume das exportações brasileiras.
A China tinha déficit comercial com o resto do mundo na segunda metade da década de 1980. Na virada do milênio o superávit comercial chinês ficou em torno de US$ 20 bilhões. Com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, o superávit comercial atingiu US$ 100 bilhões em 2005, subiu para US$ 500 bilhões em 2015 e praticamente atingiu a impressionante cifra de US$ 1 trilhão em 2024. Paralelamente, os Estados Unidos da América (EUA) possuem déficits comerciais acima de US$ 1 trilhão.
Para enfrentar este desequilíbrio, o presidente Donald Trump lançou em abril de 2025 um política protecionista visando reduzir os déficits comerciais dos EUA. Ele aumentou as tarifas alfandegárias para todos os países do mundo, mas especialmente para a China. Inicialmente, parecia que o protecionismo iria vencer e a China seria duramente atingida. Porém, como tem acontecido, as políticas trumpistas carecem de substância e de consistência, pois o presidente dos EUA sempre recua: Trump Always Chickens Out (TACO).
A força dos EUA está no poder de consumo e no controle de algumas tecnologias avançadas. Mas por outro lado, a força da China está na capacidade de controle e refino das “Terra raras”, na alta produtividade econômica e nos enormes superávits em transações correntes. O fato é que a China não se intimidou com a nova política americana e manteve um crescimento do PIB acima da média mundial e ainda ampliou seu superávit comercial.
Na Quarta Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) realizada em outubro de 2025, em Pequim, foram adotadas as Recomendações do Comitê Central do PCCh para a Formulação do 15º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social, delineando o roteiro de ação para o desenvolvimento econômico e social da China nos próximos cinco anos. O novo conceito de atuação passa pelas “novas forças produtivas de alta qualidade”, que substitui a obsessão por metas de crescimento do PIB. Semicondutores, biotecnologia, robótica, transição energética e inteligência artificial foram definidos como novos pilares de soberania.
A Iniciativa China Digital é a nova estratégia de integração entre dados, algoritmos e indústria que busca transformar informação em vantagem geopolítica. O plano prevê a criação de um mercado unificado de dados e a aplicação da inteligência artificial em todas as esferas da economia e da administração pública. Formuladores de políticas públicas chineses esperam que a digitalização funcione como um novo tipo de infraestrutura de comando, capaz de ampliar a capacidade de coordenação interna e de controle social.
Enquanto isto, na reunião do dia 30 de outubro entre os presidentes Xi Jinping e Donald Trump, em Busan, Coreia do Sul, foi acordado a redução das tarifas que afetaram o comércio entre os países. O acordo, negociado anteriormente pelas delegações dos dois países na Malásia, trouxe a eliminação de algumas tarifas e a suspensão por um ano de diversas restrições comerciais entre China e Estados Unidos.
Matéria da revista britânica The Economist “Why China is winning the trade war” (23/10/2025) mostra que a China está vencendo a guerra comercial com os EUA e se preparando para uma disputa de longo prazo. A China aprendeu a escalar e retaliar com a mesma eficácia que os EUA e está experimentando suas próprias regras comerciais extraterritoriais, mudando assim o rumo da economia mundial.
O gráfico abaixo mostra o superávit comercial da China nos primeiros 10 meses de 2024, e 2025 e também para o ano completo, com uma estimativa para o restante do ano de 2025. De janeiro a outubro de 2024 o superávit comercial chinês foi de US$ 791 bilhões (média mensal de quase US$ 80 bilhões) e o superávit anual chegou perto de US$ 1 trilhão. Nos primeiros 10 meses de 2025 o superávit comercial da China foi de US$ 968 bilhões (média mensal de US$ 97 bilhões) e se estima que o superávit anual ultrapasse US$ 1,14 trilhão em 2025. Nos últimos 12 meses, de novembro de 2024 a outubro de 2025 o superávit comercial chinês foi de US$ 1,17 trilhão.

Sem dúvida, a China investiu na produtividade interna, na competitividade internacional e nos crescentes superávits comerciais, que não possuem limitações no horizonte. Como mostrou Jeffrey Wu, a exportação mais importante da China hoje não é apenas um produto, mas um processo. E isto redefinirá a natureza da competição global e a geopolítica internacional.
Como mostrei no artigo “A China continua imbatível nas exportações” (Alves, 23/07/2025), o gigante asiático não está apenas movimentando mais mercadorias, está exportando um novo modelo de produção impulsionado pela automação, IA e otimização industrial orientada pelo Estado. Essa mudança é disruptiva, deflacionária e ainda amplamente mal compreendida.
A ascensão da China como a fábrica do mundo no final do século XX foi impulsionada pela mão de obra barata e pela elevada escala de produção. Mas agora, a China busca alcançar uma nova forma de domínio por meio da infraestrutura inteligente. Não mais confinada a aplicativos ou chatbots, a IA foi incorporada à economia física – guiando tudo, desde braços robóticos e frotas de armazéns até linhas de produção autônomas. Por exemplo, a fábrica “lights-out” da Xiaomi em Pequim pode montar dez milhões de smartphones anualmente com intervenção humana mínima. A IA conduz uma sinfonia de sensores, máquinas e análises que formam um ciclo industrial fortemente entrelaçado, impulsionando eficiências que os fabricantes tradicionais só conseguem alcançar de forma incremental.
Esse sistema impulsionado pela tecnologia também não está confinado a uma única fábrica. O modelo de linguagem de código aberto de 671 bilhões de parâmetros da DeepSeek já está sendo implementado não apenas para codificação, mas também para otimizar a logística e a manufatura. A JD.com está reformulando suas redes de suprimentos por meio da automação. A Unitree está exportando robôs bípedes para armazéns. E a Foxconn (principal parceira de fabricação da Apple) está desenvolvendo microfábricas modulares, baseadas em IA, para reduzir sua dependência de linhas de produção estáticas.
Descartar a abordagem da China como meramente distorcida é perder o foco. O governo chinês não está apenas jogando o velho jogo do comércio com mais afinco, está mudando as regras, e não por meio de tarifas, mas por meio de uma transformação industrial. Se a última onda de globalização buscou mão de obra mais barata, a próxima buscará sistemas mais inteligentes. A inteligência não estará mais apenas na nuvem – mas em máquinas, armazéns e linhas de montagem 24 horas por dia, 7 dias por semana.
De acordo com o Instituto Australiano de Política Estratégica, um think tank independente financiado pelo Departamento de Defesa Australiano, os Estados Unidos lideravam a China em 60 das 64 tecnologias de ponta, como IA e criptografia, entre 2003 e 2007, enquanto a China liderou os Estados Unidos em apenas três. No relatório mais recente, abrangendo 2019 a 2023, as classificações foram invertidas. A China liderou em 57 das 64 tecnologias-chave, e os Estados Unidos mantiveram a liderança em apenas sete (David Autor, Gordon Hanson, NYT, 14/07/2025).
A China lidera a produção de carros elétricos com dezenas de fabricantes. A BYD, maior fabricante chinesa, já superou a Tesla em vendas globais de veículos elétricos (EVs) em 2024, aumentando a competição em um dos principais eixos da disputa tecnológica entre China e Estados Unidos. Até poucos anos atrás, a vantagem da Tesla parecia incontestável. Mas a BYD aproveitou o período em que a rival americana se concentrou em novos mercados e em questões políticas domésticas para acelerar em inovação, cortar custos e expandir a produção. Essa trajetória reflete uma estratégia mais ampla de Pequim para garantir autossuficiência em setores críticos, em resposta a restrições e sanções impostas pelos EUA. A BYD representa, assim, não apenas uma rivalidade empresarial, mas um capítulo central na disputa tecnológica entre as duas maiores economias do mundo.
O artigo “China is the new science power: How will Europe respond?” da DW (Freund, 05/11/2025) mostra que a China está assumindo a liderança na ciência internacional: um novo estudo mostra como a China ultrapassa os EUA em áreas-chave de pesquisa e domina cada vez mais a agenda. Como disse o filósofo inglês Sir Francis Bacon no final do século XVI: “Conhecimento é poder!”. De acordo com um novo levantamento publicado no periódico “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS), cientistas chineses já lideravam quase metade de todas as colaborações com colegas americanos em 2023. Esse dado histórico evidencia a rápida ascensão de Pequim à influência chinesa. A China agora define a agenda de pesquisa em questões internacionais cruciais. Jensen Huang, CEO da Nvidia – a empresa mais valiosa do mundo – diz que China vai vencer corrida da IA contra os EUA. O executivo critica o cinismo do Ocidente enquanto Pequim corta custos de energia e flexibiliza regras
Isto se reflete no comércio internacional. No primeiro semestre deste ano, as exportações chinesas de produtos de alta tecnologia aumentaram 9,2%, marcando nove meses consecutivos de crescimento, de acordo com os dados alfandegários. Notavelmente, as exportações de máquinas-ferramentas de ponta, navios e equipamentos de engenharia marítima cresceram mais de 20% cada.
A China lidera as exportações de produtos da transição energética. O país se consolidou como uma força dominante na fabricação e exportação de tecnologias de energia limpa, como: painéis solares, baterias de íon-lítio, veículos elétricos (VEs) e turbinas eólicas.
O Produto Interno Bruto (PIB) chinês cresceu 5,2% no segundo trimestre de 2025 em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas (NBS). O crescimento do PIB no segundo trimestre representou uma desaceleração em relação à expansão de 5,4% nos primeiros três meses ano. No total, o crescimento do PIB no primeiro semestre do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, foi de 5,3%, segundo o NBS. Está previsto uma desaceleração no 2º semestre, mesmo assim a China terá um crescimento significativo em 2025 e com a inflação próxima de zero.
O artigo “China expande rapidamente seu poderio naval: país vai dominar os mares?” da BBC (Bicker, 06/09/202) mostra que nas últimas duas décadas, a China intensificou seus investimentos na construção naval, com mais de 60% dos pedidos de navios de todo o mundo, este ano, foram para os estaleiros chineses. A capacidade chinesa de construção de navios é cerca de 200 vezes maior que a dos Estados Unidos. A China abriga sete dos 10 portos mais movimentados do planeta. Eles são fundamentais para as rotas globais de abastecimento e suas cidades litorâneas estão prosperando com o comércio.
Como parte da Iniciativa Cinturão e Rota, a China investiu US$ 1,3 bilhão no novo Porto de Chancay, no Peru, uma instalação de águas profundas que entrou em operação plena em novembro de 2024. O porto fortalecerá as relações comerciais entre a América do Sul e a China, o maior parceiro comercial da região, e reorientará as redes de transporte marítimo do Pacífico, afastando-as da infraestrutura portuária dos EUA. Isso consolidará ainda mais a posição da China não apenas como o maior parceiro comercial da região, mas também como um ator poderoso com influência sobre a infraestrutura e o comércio locais, em um momento em que os EUA se afastaram das instituições de livre comércio e se isolaram cada vez mais da região.
Ao mesmo tempo, Brasil e China deram o pontapé inicial para o estudo de uma nova rota ferroviária bioceânica que pode transformar a logística sul-americana. O projeto prevê a conexão do território brasileiro ao Oceano Pacífico por meio do Porto de Chancay, criando uma alternativa estratégica para exportações ao mercado asiático. A conexão entre a América do Sul e a China ficará mais forte e mais próxima, por meio dos investimentos chineses em infraestrutura.
A China tem reciclado os seus imensos superávits comerciais por meio da exportação de capitais, cujo maior esforço foi colocado na Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative – BRI). A chamada Nova Rota da Seda, é um programa ambicioso de investimentos em infraestrutura global que inclui: Infraestruturas verdes: priorizando investimentos em infraestruturas que promovam a sustentabilidade ambiental; Energia e transportes sustentáveis: foco maior em projetos de energias renováveis (solar, eólica, hidrelétrica) e em sistemas de transporte mais eficientes e menos poluentes e Tecnologia e inovação: a China busca estabelecer mecanismos de diálogo e intercâmbio para a indústria solar e redes de especialistas em desenvolvimento verde e de baixo carbono.
A força econômica se traduz também em força bélica. O poderio militar da República Popular da China foi plenamente exibido no dia 03 de setembro de 2025 em um desfile que marcou o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. A China aproveitou o desfile militar dos 80 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial para revelar ao mundo uma série de novas armas, drones e outros equipamentos — em um evento visto como um recado claro aos Estados Unidos e seus aliados. O desfile reuniu mais de 20 chefes de Estado estrangeiros, entre eles Vladimir Putin, da Rússia, e Kim Jong-Un, da Coreia do Norte. Foi uma amostra do crescente poder de Xi Jinping no cenário mundial e do poderio militar chinês.
O livro “Breakneck: China’s Quest to Engineer the Future”, de Dan Wang, oferece uma análise provocadora sobre o rápido e muitas vezes tumultuado progresso da China e seu crescente perfil tecnológico e geopolítico. A tese central de Wang é que a China é um “estado de engenharia”, focado na construção rápida e em larga escala e na solução de problemas através de uma mentalidade tecnocrática, enquanto os Estados Unidos são uma “sociedade de advogados”, paralisada por processos, litígios e obstruções.
O fato é que a China tem investido no poderio social, econômico, comercial, tecnológico e militar. Os imensos superávits comerciais e em transações correntes, acompanhados de elevadas taxas de poupança e investimento fazem com que a China possa investir no avanço interno, potencializando as “novas forças produtivas de alta qualidade”. Ao mesmo tempo que investe na formação de uma cadeia internacional de negócios e produção, reconfigurando o mapa da economia mundial.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A China continua imbatível nas exportações, Ecodebate, 23/07/2025
https://www.ecodebate.com.br/2025/07/23/a-china-continua-imbativel-nas-exportacoes/
ALVES, JED. A China pretende liderar a corrida tecnológica com o plano “Made in China 2025”, Ecodebate, 23/01/2019 https://www.ecodebate.com.br/2019/01/23/a-china-pretende-liderar-a-corrida-tecnologica-com-o-plano-made-in-china-2025-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Alexandra Stevenson. China is unleashing a new export shock on the world, NYT, 17/06/2025
https://www.nytimes.com/2025/06/17/business/tariffs-china-exports.html
WU, Jeffrey, China’s Unbeatable New Export, Project Syndicate, 11/07/2025
Zongyuan Zoe Liu. China Is Winning Trump’s Trade War, Project Syndicate, 14/07/2025
Laura Bicker. China expande rapidamente seu poderio naval: país vai dominar os mares? BBC, 06/09/2025 https://www.bbc.com/portuguese
Alexander Freund. China is the new science power: How will Europe respond? November 5, 2025
https://www.dw.com/en/china-is-the-new-science-power-how-will-europe-respond/a-74618481
China trade surplus nears $1.2 trillion as global markets absorb record exports, Sep 23, 2025
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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