Qual o impacto econômico e social das mudanças climáticas na saúde brasileira?

O relatório Lancet Countdown on Health and Climate Change apresenta uma análise detalhada dos impactos do clima na saúde e na economia do Brasil, utilizando mais de 50 indicadores revisados por pares.
O relatório destaca que o aumento da exposição a ondas de calor extremas, muitas das quais seriam improváveis sem as mudanças climáticas, está custando vidas e milhões de horas de trabalho, resultando em perdas econômicas bilionárias.
Além disso, o texto enfatiza que a demora na transição energética, com subsídios a combustíveis fósseis, continua a prejudicar a saúde pública através da poluição do ar, enquanto a produção agrícola (principalmente carne vermelha e laticínios) contribui significativamente para as emissões, sobrecarregando o sistema de saúde com doenças relacionadas à dieta.
As descobertas mostram um aumento de riscos, incluindo incêndios florestais e a expansão da adequação climática para a transmissão de doenças como a dengue, demandando uma atenção urgente à adaptação e mitigação.
As principais descobertas resumidas no Relatório Global 2025 da Lancet Countdown destacam as seguintes consequências econômicas e sociais no Brasil:
Impacto econômico e na produtividade do trabalho
O calor extremo e as ondas de calor têm um impacto direto e significativo na capacidade de trabalho e na economia brasileira.
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Perda de horas de trabalho e renda:
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Em 2024, a exposição ao calor resultou em uma perda média de 6.786.428.640 horas de trabalho potencial.
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Este número representa um aumento de 51% nas horas de trabalho perdidas em comparação com a média de 1990–1999.
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A perda potencial de renda total associada a essas horas perdidas foi de US$ 17,7 bilhões, o que equivale a quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
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Os setores mais atingidos por essas perdas foram a agricultura, respondendo por 36% das perdas, e a construção, com 34%.
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Custos monetizados da mortalidade por calor:
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Entre 2020 e 2024, o valor monetário médio anual da mortalidade relacionada ao calor em pessoas com mais de 65 anos foi de US$ 5,7 bilhões.
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Este valor é equivalente a 364.139 rendas médias, representando um aumento de 383% desde o período de 2000–2004.
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Custos da poluição do ar:
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Em 2022, o valor monetário da mortalidade prematura atribuída à poluição do ar no Brasil totalizou US$ 50 bilhões, o que corresponde a 2,4% do produto interno bruto (PIB).
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Gastos com combustíveis fósseis:
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O Brasil demonstrou uma receita líquida negativa de carbono em 2023, indicando que os subsídios a combustíveis fósseis foram superiores aos preços do carbono. O país alocou um total líquido de US$ 4,6 bilhões em 2023 apenas.
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Impacto social e de mortalidade
A saúde da população brasileira é afetada pela exposição extrema ao calor, poluição atmosférica e aumento da adequação climática para doenças infecciosas.
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Mortalidade e exposição ao calor:
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Entre 2012 e 2021, o Brasil registrou uma estimativa de 3.600 mortes anuais relacionadas ao calor, sendo 4,4 vezes mais do que o registrado no período de 1990-1999.
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Em 2024, os indivíduos foram expostos, em média, a 15,6 dias de ondas de calor cada. Desses, 14,6 dias (94%) não teriam ocorrido sem as mudanças climáticas.
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Em 2024, as pessoas experimentaram 352 horas a mais de risco de stress por calor de pelo menos moderado durante exercício moderado (corrida), em comparação com a média de 1990–1999.
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Mortalidade por poluição do ar:
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Houve mais de 63.000 mortes atribuíveis à poluição atmosférica antropogênica (PM2.5) em 2022, representando um aumento em relação às 51.000 mortes registradas em 2010.
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O uso de óleo líquido no setor de transporte foi o maior contribuinte individual, associado a 22.000 mortes em 2022.
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Combustíveis fósseis (carvão e gás líquido) contribuíram para 24.000 dessas mortes, enquanto a queima de biomassa contribuiu para 6.500.
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A fumaça de incêndios florestais (PM2.5) foi associada a uma média anual de 7.700 mortes no Brasil entre 2020 e 2024.
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Aumento da vulnerabilidade a doenças:
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A adequação climática (o R₀ médio) para a transmissão da dengue pelo mosquito Aedes aegypti aumentou 30% (de 1951-1960 a 2015-2024), atingindo 1,99.
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O R₀ para a transmissão da dengue pelo Aedes albopictus aumentou em 0,63 no período 2015-2024 em comparação com 1951-1960, cruzando de um valor menor para maior que 1.
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A área costeira total ambientalmente adequada para a transmissão de Vibrio aumentou em 10.000 km, ou 84% mais longa em 2024, em comparação com 1982-2010.
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Impactos da seca e desastres:
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Entre 2020 e 2024, as pessoas no Brasil experimentaram uma média de 41 dias por ano classificados como de alto risco de incêndios florestais, o que representa um aumento de 10% em relação a 2003–2012.
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A quantidade de terra que experimenta pelo menos um mês de seca extrema por ano aumentou quase 10 vezes, passando de 5,6% em 1951-1960 para 72% em 2020-2024.
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Em 2024, 1.087.390 pessoas viviam a menos de 1 metro acima do nível do mar e, portanto, estavam em risco devido à elevação do nível do mar e aos danos associados à saúde.
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Impacto no setor alimentar e nutrição:
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O consumo insuficiente de alimentos nutritivos à base de plantas (incluindo frutas, vegetais, legumes, grãos integrais, nozes e sementes) foi associado a 140.000 mortes em 2022.
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O consumo excessivo de laticínios, carne vermelha e carne processada contribuiu para 70.000 mortes em 2022.
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Atraso na transição e conscientização
O atraso na transição para energias renováveis está custando vidas, e a conscientização sobre os riscos de saúde ligados ao clima ainda é baixa.
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A preparação do Brasil para a transição de baixo carbono diminuiu 6,6% em 2024 em relação a 2023.
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Em 2022, os combustíveis fósseis ainda representavam 77% de toda a energia do transporte rodoviário.
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A cobertura jornalística sobre mudança climática e saúde em jornais brasileiros caiu 79% em 2024 em comparação com 2023. A cobertura do tema constituiu apenas 8,6% de toda a cobertura sobre mudança climática na imprensa.
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Dos artigos científicos avaliados sobre mudança climática, apenas 11 (9% do total) se concentraram na adaptação, enquanto o maior número de trabalhos (116, ou 91% do total) focou nos impactos da mudança climática na saúde.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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