Crise climática atinge a economia e saúde brasileira

O Brasil está enfrentando uma crise de saúde pública e econômica diretamente ligada à emergência climática, com o calor extremo e a poluição do ar causando perdas de bilhões de dólares e milhares de mortes prematuras anualmente, de acordo com o novo Relatório Global 2025 da Lancet Countdown, um levantamento que monitora os vínculos entre saúde e mudança climática.
Onda de calor e colapso da produtividade
O relatório, compilado para jornalistas, detalha como a mudança climática está ceifando vidas e afetando os meios de subsistência no Brasil. Em 2024, a população brasileira foi exposta a 15,6 dias de ondas de calor cada, em média, sendo que 94% desses dias não seriam esperados sem a mudança climática.
O impacto no trabalho é devastador: em 2024, a exposição ao calor resultou em uma perda média de mais de 6,7 bilhões de horas de trabalho potencial, um aumento de 51% em comparação com o período de 1990-1999. Essa perda de produtividade se traduziu em um prejuízo financeiro potencial de US$ 17,7 bilhões, o que equivale a quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Os setores mais afetados foram o agrícola (36% das perdas) e o da construção (34%).
Aumento alarmante de mortes e doenças
O custo humano do calor está em ascensão. De 2012 a 2021, o Brasil registrou uma estimativa de 3.600 mortes anuais relacionadas ao calor, um aumento de 4,4 vezes em comparação com a década de 1990. Para a população idosa (acima de 65 anos), o valor monetário da mortalidade relacionada ao calor atingiu US$ 5,7 bilhões entre 2020 e 2024 – um aumento de 383% desde 2000–2004.
Paralelamente, a poluição atmosférica antropogênica (PM2.5) foi associada a mais de 63.000 mortes em 2022, um aumento significativo em relação às 51.000 mortes registradas em 2010. O valor monetário dessa mortalidade prematura devido à poluição do ar chegou a US$ 50 bilhões em 2022, equivalente a 2,4% do PIB. O diesel usado no setor de transporte foi identificado como o maior contribuinte individual, associado a 22.000 mortes em 2022.
As mudanças climáticas também estão ampliando a ameaça de doenças infecciosas: a adequação climática para a transmissão da dengue pelo mosquito Aedes aegypti aumentou em 30%.
Inação energética e dependência fóssil
Apesar dos riscos, o país demonstra um atraso na transição energética, o que “está custando vidas e sobrecarregando a economia”. Em 2023, o Brasil apresentou uma receita líquida negativa de carbono, gastando um total líquido de US$ 4,6 bilhões em subsídios a combustíveis fósseis.
A dependência do transporte rodoviário é marcante, com 77% da energia consumida pelo setor proveniente de combustíveis fósseis, e 0% de eletricidade em 2022. Adicionalmente, a preparação do Brasil para a transição de baixo carbono diminuiu 6,6% em 2024 em relação ao ano anterior.
Impactos ambientais extremos
Os dados ambientais refletem a gravidade da situação:
-
A área de terra que experimenta pelo menos um mês de seca extrema por ano aumentou quase 10 vezes, passando de 5,6% em 1951-1960 para 72% em 2020-2024.
-
O Brasil também viu um aumento de 10% nos dias classificados como de alto risco de incêndios florestais (média de 41 dias por ano entre 2020 e 2024), associados a uma média anual de 7.700 mortes causadas pela fumaça (PM2.5).
-
Mais de um milhão de pessoas (1.087.390) vivem atualmente a menos de 1 metro acima do nível do mar, estando em risco devido à elevação marítima.
Potenciais benefícios da transição alimentar
O relatório também aponta que mudanças nos setores de alimentação e agricultura poderiam gerar grandes benefícios para a saúde. Em 2022, a carne vermelha e laticínios foram responsáveis por 87% de todas as emissões associadas ao consumo de produtos agrícolas.
O consumo insuficiente de alimentos à base de plantas (frutas, vegetais, legumes, etc.) foi associado a 140.000 mortes em 2022, enquanto o consumo excessivo de carne vermelha, laticínios e carne processada contribuiu para 70.000 mortes.
Apesar da perda acumulada de 69 milhões de hectares de cobertura arbórea entre 2001 e 2023, há um sinal encorajador de que a tendência de desmatamento foi revertida, com uma queda de 15% na perda de cobertura arbórea entre 2022 e 2023.
Apesar da urgência dos dados, a cobertura jornalística sobre a relação entre clima e saúde no Brasil caiu 79% em 2024 em relação a 2023. O maior foco da pesquisa científica no país é sobre os impactos do clima na saúde (91% dos artigos), com pouca atenção dada à adaptação (9% dos artigos).
Com base nas informações do relatório da Lancet Countdown sobre o Brasil, os destaques mais importantes e relevantes, para descrever o impacto econômico e social das mudanças climáticas na saúde brasileira, são:
|
Mudança Climática |
O tema central do relatório, que avalia os vínculos evolutivos entre a saúde e as alterações climáticas. |
|
Saúde |
O foco primário da avaliação, indicando que a mudança climática está “prejudicando cada vez mais a saúde”. |
|
Ondas de Calor |
Principal risco climático imediato em 2024, com 94% dos dias de onda de calor não esperados sem as mudanças climáticas. |
|
Perda de Horas de Trabalho |
Medida econômica direta do impacto do calor, totalizando 6,7 bilhões de horas potenciais perdidas em 2024. |
|
Perda Potencial de Renda |
Custo financeiro associado à perda de trabalho, atingindo US$ 17,7 bilhões (quase 1% do PIB). |
|
Mortalidade Relacionada ao Calor |
Aumento de 4,4 vezes nas mortes anuais relacionadas ao calor (3.600 anualmente, 2012-2021) e alto valor monetário da mortalidade em idosos (US$ 5,7 bilhões). |
|
Poluição do Ar |
Causa de mais de 63.000 mortes atribuíveis a PM2.5 antropogênico em 2022, com um custo monetário de US$ 50 bilhões (2,4% do PIB). |
|
Combustíveis Fósseis |
Principal motor da poluição do ar, com o setor de transporte respondendo por 77% da energia rodoviária e o Brasil alocando US$ 4,6 bilhões em subsídios em 2023. |
|
Transição de Baixo Carbono |
Atraso e falta de preparação do país; a preparação diminuiu 6,6% em 2024 em relação a 2023. |
|
Seca Extrema |
Indicador ambiental crítico; a quantidade de terra que experimenta pelo menos um mês de seca extrema aumentou quase 10 vezes (atingindo 72% em 2020-2024). |
|
Dengue |
Doença infecciosa cuja adequação climática para transmissão pelo Aedes aegypti aumentou 30%. |
|
Alimentação e Dieta |
Ligação entre o consumo de produtos agrícolas (carne vermelha e laticínios representam 87% das emissões) e a saúde (140.000 mortes por consumo insuficiente de vegetais). |
|
Setor Agrícola |
Setor economicamente vulnerável, respondendo por 36% das perdas de horas de trabalho. |
|
Risco de Incêndios Florestais |
Risco crescente (41 dias de alto risco por ano, aumento de 10%), associado a uma média anual de 7.700 mortes por fumaça (PM2.5). |
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]