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Artigo

A ultrapassagem das fronteiras planetárias e a ecoansiedade

 

Crescimento pelo crescimento é a ideologia da célula cancerosa

Edward Abbey (1927-1989)

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O enorme crescimento global da população e da economia fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra. Nos últimos 250 anos, a expansão das atividades antrópicas ultrapassou todo o desempenho ocorrido nos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens.

Entre 1772 e 2022 – a economia global cresceu 177 vezes, a população mundial cresceu 9,5 vezes e a renda per capita cresceu 18,5 vezes. Em 1772, a população mundial estava pouco abaixo de 900 milhões de pessoas e passou para 8 bilhões de habitantes em 2022. A renda per capita global, em preços constantes em poder de paridade de compra, estava abaixo de US$ 900 e passou para cerca de US$ 15 mil em 2022.

O padrão de vida médio da população mundial aumentou significativamente, a despeito das desigualdades sociais. Há 250 anos, a mortalidade na infância estava em torno de 400 óbitos por mil nascimentos e caiu para 40 por mil atualmente, enquanto, globalmente, a expectativa de vida ao nascer passou de cerca de 25 anos para mais de 70 anos na atual década. As pessoas estão vivendo mais e com maior padrão de consumo. Porém, todo o desenvolvimento humano foi realizado às custas do retrocesso ambiental.

Diversos limites ambientais – ou “fronteiras planetárias” – foram ultrapassados evidenciando que os sistemas de suporte à vida na Terra já foram muito danificados e que o planeta está se distanciando do “espaço de operação seguro para a sobrevivência da humanidade”.

O conceito de “fronteiras planetárias” foi desenvolvido por um grupo de cientistas liderados por Johan Rockström e Will Steffen em 2009. Eles propuseram esse conceito como uma maneira de entender e avaliar os limites ambientais dentro dos quais a humanidade pode operar de forma segura, evitando danos graves ao planeta e à estabilidade dos sistemas naturais que sustentam a vida. O termo “fronteiras planetárias” descreve nove limites fundamentais que representam as condições ambientais críticas para a sobrevivência da humanidade e a estabilidade do sistema Terra.

Na primeira avaliação das fronteiras planetárias, realizada em 2009, apenas três dos limites tinham sido superados. Posteriormente, em 2015, este número subiu para quatro. Em 2023, os novos estudos concluíram que foram superados seis dos nove limites dos processos que regulam a estabilidade e a resiliência do sistema da Terra. Em novo relatório do Laboratório de Ciências de Fronteiras Planetárias do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam (PIK) foi constatado que mais uma fronteira crítica do sistema terrestre foi ultrapassada.

Em 2025, o Laboratório de Ciências de Fronteiras Planetárias (PIK, 2025) indica que sete das nove fronteiras críticas do sistema terrestre foram ultrapassadas, deixando apenas a depleção da camada de ozônio e a carga de aerossóis dentro dos limites seguros. Assim, o Exame de Saúde Planetária de 2025 revela uma nova e preocupante constatação: o limite de acidificação dos oceanos foi rompido pela primeira vez. Essa mudança, impulsionada principalmente pela queima de combustíveis fósseis e agravada pelo desmatamento e mudanças no uso da terra, está degradando a capacidade dos oceanos de atuarem como estabilizadores da Terra. Isso marca a sétima fronteira transgredida, empurrando a humanidade ainda mais além da zona segura para a civilização, tornando mais provável um colapso ambiental global.

fronteiras Planetárias

A atualização de 2025 para as fronteiras Planetárias. Licenciado sob CC BY-NC-ND 3.0. Crédito: “Azote for Stockholm Resilience Centre , com base na análise em Sakschewski e Caesar et al. 2025.”

A crise climática e ambiental tem afetado a saúde mental da população em geral, mas principalmente dos jovens que serão idosos no final do século XXI. A morbidade está aumentando. A teoria da ansiedade climática (ou ecoansiedade) trata das reações psicológicas, emocionais e sociais diante da crise ambiental e climática global. Ela descreve o medo, o estresse e o sentimento de impotência provocados pela percepção de que o planeta e o futuro da humanidade estão sob ameaça crescente.

Essa teoria ganhou corpo na psicologia e nas ciências sociais nas últimas duas décadas, especialmente após o IPCC começar a alertar de forma mais contundente sobre o colapso ambiental, o aquecimento global, a 6ª extinção em massa das espécies e as perdas ecológicas irreversíveis.

A ansiedade climática é uma resposta emocional racional e compreensível diante da crise ambiental.
Ela se manifesta como: a) Preocupação constante com o futuro do planeta; b) Sensação de impotência ou desespero diante da magnitude dos problemas ambientais; c) Culpa ecológica (por consumir, viajar, ou participar de uma economia poluente) e d) Sintomas físicos e mentais: insônia, tristeza, apatia, raiva, e até crise de pânico em casos graves.

A Associação Americana de Psicologia (APA) define ecoansiedade como: “O medo crônico de uma catástrofe ambiental irreversível”. A teoria da ansiedade climática surge da intersecção entre a psicologia existencial, a psicologia ambiental e a sociologia do risco. Principais fundamentos:

  1. Teoria do medo existencial: A consciência da morte e da destruição potencial do planeta ativa medos profundos sobre o sentido da existência humana.

  2. Sociologia do risco: Vivemos em uma “sociedade de risco global”, em que ameaças como o colapso climático não podem ser controladas localmente nem revertidas individualmente

  3. Psicologia ecológica: O rompimento entre ser humano e natureza cria um vazio identitário — a percepção de que o modo de vida moderno destrói o próprio lar comum.

A ecoansiedade é mais forte entre:

  • Jovens (geração Z e millennials), que veem o futuro como incerto e sentem que herdarão um planeta degradado. Em vários países do mundo, a geração Z está mostrando sua insatisfação;

  • Cientistas e ativistas ambientais, expostos constantemente a dados sobre destruição ecológica;

  • Povos indígenas e comunidades tradicionais, que vivenciam diretamente os impactos da perda ambiental;

  • Habitantes de áreas já afetadas por eventos extremos (secas, incêndios, enchentes).

Em 2021, uma pesquisa publicada na Lancet Planetary Health, com 10 mil jovens de 10 países, mostrou que 59% estavam “muito” ou “extremamente” preocupados com as mudanças climáticas, 45% afirmavam que a ansiedade climática afetava sua vida diária e muitos relataram tristeza, raiva e sensação de traição em relação aos governos e adultos.

A ansiedade climática não é apenas uma questão psicológica — é também política e ética. Ela reflete a percepção de que: a) há uma falha moral e institucional na resposta global à crise ambiental; b) o modelo econômico dominante é autodestrutivo e incompatível com os limites planetários e c) a geração atual pode perder o controle sobre o futuro. Por isso, muitos pesquisadores falam em “luto ecológico” (ecological grief): uma dor coletiva pela perda de ecossistemas, espécies e modos de vida.

A ansiedade climática está moldando novas atitudes sociais negativas e positivas. Entre as negativas estão: a) paralisia emocional e ceticismo (“não há mais nada a fazer”); b) Burnout ambiental entre ativistas e profissionais da área e c) Polarização política, com reações negacionistas diante da ansiedade coletiva.

Mas também há atitudes positivas: a) crescimento de movimentos ecoativistas (Fridays for Future, Extinction Rebellion); b) mudanças no comportamento de consumo (busca por estilos de vida sustentáveis) e c) novas expressões culturais — filmes, literatura e arte que refletem o medo do colapso ecológico. O enfrentamento da ansiedade climática exige:

  • Conexão ativa com a natureza — restaurar vínculos ecológicos e sensação de pertencimento;

  • Ação coletiva — transformar ansiedade em engajamento político e social;

  • Educação climática — fortalecer a compreensão sobre soluções possíveis;

  • Eco-terapia e apoio psicológico — tratar o sofrimento sem patologizar uma emoção legítima.

A teoria da ansiedade climática mostra que o colapso ambiental é também um colapso psíquico e moral. A humanidade enfrenta não só a degradação da Terra, mas a perda de confiança no futuro.

Assim, a ecoansiedade pode ser sinal de lucidez e empatia — não apenas um transtorno, mas um alerta psicológico de que o modelo civilizatório atual entrou em choque com os limites planetários.

O fundamental é transformar a ansiedade em ação no sentido de reduzir a Pegada Ecológica da Terra e aumentar a Biocapacidade e a resiliência ecológica.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. As fronteiras planetárias e a auto-limitação do espaço humano, Ecodebate, 06/06/2012

http://www.ecodebate.com.br/2012/06/06/as-fronteiras-planetarias-e-a-auto-limitacao-do-espaco-humano-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Fronteiras Planetárias 2.0, Ecodebate, 06/02/2015

http://www.ecodebate.com.br/2015/02/06/fronteiras-planetarias-2-0-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. A vida na Terra tem duas ameaças vitais: mudanças climáticas e ecocídio, Ecodebate, 19/06/2019

https://www.ecodebate.com.br/2019/06/19/a-vida-na-terra-tem-duas-ameacas-vitais-mudancas-climaticas-e-ecocidio-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

Planetary Boundaries Science (PBScience). Planetary Health Check 2025. Potsdam Institute for

Climate Impact Research (PIK), Potsdam, Germany, 2025

https://www.planetaryhealthcheck.org/wp-content/uploads/PlanetaryHealthCheck2025.pdf

 

Citação
EcoDebate, . (2025). A ultrapassagem das fronteiras planetárias e a ecoansiedade. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/10/27/a-ultrapassagem-das-fronteiras-planetarias-e-a-ecoansiedade/ (Acessado em outubro 27, 2025 at 11:58)

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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