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Artigo

Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?

 

Galinhas
Foto: Gov.br

Filosofia, ciência e teologia não se contradizem: cada uma oferece uma lente para olhar o mesmo enigma


Ensaio de Rosângela Trajano

Há perguntas que atravessam os séculos como se fossem espelhos da própria alma humana. “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?” é uma dessas perguntas antigas, que parece simples, quase infantil, mas que carrega em si o abismo da origem, o espanto do começo e o mistério do ser. Não é apenas uma dúvida biológica, é um convite à reflexão sobre o tempo, a criação e a própria circularidade da vida.

As galinhas são criadas para pôr ovos ou para serem comidas, mais particularmente em dias de domingo quando a família se junta toda e faz aquele belo almoço! Elas não servem para nada, dizem alguns. São bobas e tontas! Mas, elas deixaram uma grande questão à humanidade que mexe com a origem da vida e que nem mesmo os mais sábios homens resolveram até o momento.

Na minha casa quando éramos crianças, mamãe criava galinhas. A minha maior curiosidade era saber por onde elas colocavam aqueles ovos enormes, bonitos, branquinhos e gostosos de serem comidos fritos ou cozidos! Só quando cresci foi que dei conta dessa pergunta curiosa que abro este pequeno ensaio. Talvez as galinhas sejam tão misteriosas do que a nossa vã especulação pela origem da vida.

Para os filósofos, essa pergunta toca o cerne da causalidade. Aristóteles, o velho mestre grego, acreditava que a galinha veio primeiro, pois para existir um ovo é preciso haver antes o ser que o gera. O princípio da causa antecedendo o efeito parecia incontornável: nada pode vir do nada, e o ovo não poderia simplesmente surgir sozinho.

Por outro lado, os pensadores modernos, amantes do paradoxo, viram no dilema um símbolo da circularidade da existência. O filósofo inglês David Hume talvez dissesse que a causa e o efeito não têm ordem absoluta, mas uma relação de hábito: vemos o nascer do ovo e o nascer da galinha, e o que chamamos de “primeiro” talvez seja apenas uma invenção da mente humana, tentando ordenar o caos da natureza.

Nietzsche, se tivesse parado para pensar no galinheiro, talvez sorrisse e dissesse que não há “primeiro” nem “último”, porque a vida é um eterno retorno, o ovo contém a galinha e a galinha contém o ovo, como se ambas fossem espelhos de uma mesma vontade de viver.

Sim, amo a filosofia e mais precisamente a área da metafísica com as suas grandes questões sem respostas, por mais que queiramos compreender os mistérios da vida eles continuam silenciosos assim como a natureza que nada diz e ao mesmo tempo tudo fala. Eu me vejo uma curiosa desde menina, não sei você, querido leitor.

Já se sairmos da explicação filosófica para científica entramos em Charles Darwin e sua evolução das espécies. Para os cientistas que seguem os seus ensinamentos o ovo veio primeiro e a galinha foi evoluindo até chegar à aparência que tem hoje. Será mesmo? Você acredita nisso? Segundo Darwin e sua seleção natural, primeiro existiram outros animais ovíparos que faziam nascer outro tipo de aves até que elas evoluíram e ficaram parecidas com o que temos atualmente, uma galinha com penas e asas que voa baixo e faz cocoricó.

E como tantas outras galinhas espalhadas pelo mundo inteiro eu amo uma delas: a galinha da escritora Clarice Lispector, Isaura. A galinha com quem a nossa grande escritora brasileira fazia grandes reflexões sobre a vida e as coisas, tentando compreender o que fazia cócegas na sua cabecinha de menina peralta. Lispector tinha um grande amor pelas galinhas!

E Deus? O que você acha que Ele responderia sobre a pergunta que abre este pequeno ensaio? Do ponto de vista da teologia, a resposta se reveste de fé. No livro do Gênesis, está escrito que Deus criou “todas as aves segundo a sua espécie”. Isso significa que, para o olhar do crente, a galinha veio primeiro, moldada pelas mãos divinas. O ovo, então, seria apenas a continuação do ato criador, o modo pelo qual a vida perpetua o dom inicial concedido pelo Criador.

Mas há também uma beleza teológica mais profunda: talvez o ovo e a galinha não sejam rivais na cronologia, e sim parceiros no mistério da criação contínua. Deus cria, mas a vida prossegue criando consigo mesma, um eterno ato de gênese que se renova a cada nascer do sol, a cada batida de asa, a cada embrião que rompe a casca em busca da luz.

Filosofia, ciência e teologia não se contradizem: cada uma oferece uma lente para olhar o mesmo enigma. O filósofo vê o paradoxo da origem; o cientista vê o processo da evolução; o teólogo vê o gesto da criação. E, entre todas essas visões, o mistério permanece intacto, como o frágil ovo que, se cair, se quebra; mas, se for aquecido com paciência, dá à luz o primeiro canto da manhã aquele pintinho amarelinho que nos desperta para felicidade de saber que o campo ainda é um lugar lindo para se viver!

Talvez, afinal, a pergunta não precise de resposta. O que importa não é quem veio primeiro, mas o reconhecimento de que vida gera vida, e que o ciclo não tem início nem fim, apenas movimento.

O ovo e a galinha são, na verdade, duas faces do mesmo milagre: o de nascer e renascer em todas as formas possíveis, desde o princípio dos tempos.

Rosângela TrajanoColunista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

 

Citação
EcoDebate, . (2025). Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/10/08/quem-nasceu-primeiro-o-ovo-ou-a-galinha/ (Acessado em outubro 8, 2025 at 10:24)

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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