Como as greentechs viraram a nova farsa do capitalismo “sustentável”
Greentechs: a nova estratégia do capitalismo para lavagem de dinheiro, transferência de patrimônio e greenwashing. Entenda o esquema que pode usar a inovação como fachada para práticas predatórias e como a desregulamentação permite este jogo bilionário.
Greentechs: A nova fronteira da lavagem verde
Por Henrique Cortez
O capitalismo sempre demonstrou criatividade inesgotável na elaboração de mecanismos de acumulação. Agora, seu ethos predatório encontrou nas chamadas “greentechs” ou “startups verdes” a possibilidade de estratégia sofisticada, que combina três objetivos: desviar recursos públicos e privados, lavar dinheiro e ainda construir uma fachada de compromisso ambiental. É o capitalismo na versão autolimpante.
A evolução de um modelo predatório
Para entender o fenômeno das greentechs, é preciso recuar e observar a trajetória que nos trouxe até aqui. Tudo começou com as startups, empresas emergentes que prometiam modelos de negócios revolucionários. O discurso era sedutor: inovação, ruptura, futuro. A realidade, menos glamorosa.
A esmagadora maioria das startups não sobrevive aos primeiros dois anos. São investimentos de alto risco que, na teoria, poderiam gerar retornos excepcionais. Na prática, existem startups que servem a propósitos menos nobres: transferir patrimônio para herdeiros de grandes grupos empresariais sem o constrangimento de uma mesada explícita. O investimento fracassa, o prejuízo é contabilizado, e os herdeiros seguem capitalizados. Todos os envolvidos saem ganhando, exceto a transparência e todos os outros.
O segundo ato dessa peça veio com as fintechs. Vendidas como a democratização dos serviços financeiros, essas empresas operaram por anos em um vácuo regulatório quase absoluto. Centenas delas proliferaram sem fiscalização adequada, criando o ambiente perfeito para lavagem de dinheiro em escala industrial. O funcionamento ficou escancarado pela Operação Carbono Oculto, na qual foram investigadas fintechs usadas pelo crime organizado como “bancos informais”.
Apenas recentemente a Receita Federal equiparou fintechs aos bancos no dever de prestar informações tributárias, e o Banco Central estabeleceu normas de segurança cibernética e proteção de dados. Antes disso, o faroeste estava instalado.
Greentechs: greenwashing sob esteroides
Agora chegamos ao terceiro ato: as greentechs. Essas startups de tecnologia, supostamente voltadas ao desenvolvimento sustentável, reúnem o melhor (ou pior) dos mundos anteriores. Podem cumprir simultaneamente três funções: transferem recursos para herdeiros, lavam dinheiro e ainda oferecem uma narrativa ambientalmente correta para grandes corporações poluidoras.
O mecanismo é engenhoso. Empresas de grande impacto socioambiental têm obrigações legais de mitigar e compensar os danos que causam. Muitas cumprem essas obrigações de forma séria e quantificável. Outras, porém, preferem o teatro: contratam greentechs que prometem soluções inovadoras, mas operam sem transparência ou possibilidade de controle social real.
Não é raro encontrar empresas que declaram como “compromissos voluntários” aquilo que já era exigido nos licenciamentos ambientais. O mesmo acontece com Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), transformados magicamente em iniciativas de responsabilidade socioambiental corporativa. É greenwashing, ou marketing verde, em estado puro.
Sem mecanismos efetivos de medição e avaliação de resultados, como saber quais greentechs realmente entregam o que prometem? A resposta é simples: não há como saber. E justamente essa opacidade é o que torna o modelo tão atraente para quem busca aparentar compromisso ambiental sem a incômoda necessidade de resultados concretos.
O preço da desregulação
Essa lambança multimilionária não acontece por acaso. É consequência direta de um ambiente de negócios marcado por regulação frouxa, controle insuficiente e fiscalização negligente. É a materialização do sonho neoliberal: estado mínimo, lucro máximo, responsabilização nula.
Não se trata de demonizar a inovação ou o empreendedorismo. Ambientes de negócios inovadores são necessários e devem ser incentivados. A questão é: sob quais condições? Com que salvaguardas? A serviço de quem?
Sem regulação e fiscalização adequadas, perpetua-se a lógica perversa que marca o capitalismo contemporâneo: privatização dos lucros, socialização dos prejuízos. As empresas lucram, os herdeiros enriquecem, o dinheiro circula sem rastros, a sociedade arca com os custos ambientais, sociais e econômicos.
Um ajuste de contas necessário
O Brasil e o mundo não podem continuar permitindo que inovação tecnológica seja sinônimo de vazio regulatório. Não podem aceitar que compromissos ambientais se tornem apenas peças de marketing sofisticado. Não podem tolerar que o discurso da sustentabilidade sirva de biombo para práticas predatórias.
É preciso regulação robusta, fiscalização efetiva e, sobretudo, transparência radical. Toda greentech que se proponha a mitigar impactos ambientais deve estar sujeita a protocolos rigorosos de medição de resultados, com dados públicos e auditoria independente.
Toda startup que receba investimentos substanciais deve comprovar a origem e o destino dos recursos. Todo discurso de sustentabilidade corporativa deve ser confrontado com evidências verificáveis.
A lógica da privatização dos lucros e socialização dos prejuízos já deveria ter acabado há muito tempo. As greentechs são apenas o capítulo mais recente dessa história. Cabe à sociedade civil, aos órgãos de controle e ao poder público escrever um desfecho diferente.
Henrique Cortez, jornalista e ambientalista. Editor do EcoDebate
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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