O amor de Alberto Caeiro pelas árvores e sua lição para nós
Se olharmos as árvores como Caeiro, talvez passemos a olhar também uns para os outros com mais respeito
Ensaio de Rosângela Trajano
“Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são coisas, são nomes.”
Alberto Caeiro
O poeta português Fernando Pessoa criou mais de cem heterônimos. Dentre eles existe um que me encanta e chama a minha atenção, Alberto Caeiro, o “mestre” dos outros heterônimos, o singelo pastor de ovelhas, o poeta que viveu o tempo todo perto da natureza e escreveu o lindo poema “O guardador de rebanhos”.
Alberto Caeiro tem um grande amor pela natureza, mas em especial pelas árvores falando delas não com metafísica ou metáfora, mas com uma simbologia literal relacionando suas copas, seus troncos, suas folhas, seus galhos com a curiosidade de quem olha para elas e sabe que são coisas belas e que o homem jamais poderá imitá-las mesmo pintando os mais belos quadros.
Para ele, a grandeza das árvores está justamente no fato de não quererem ser outra coisa senão o que são. Esse olhar quebra a tendência do ser humano de transformar tudo em signo, de revestir o real com camadas de sentidos ocultos. Amar as árvores segundo Caeiro é aceitá-las como são, como se apresentam, sem mudar as suas cores ou vesti-las de saudosismos que doem mais do que lembranças esquecidas dentro dos nossos espíritos desassossegados.
Imitar Caeiro significa olhar para as árvores com simplicidade, humildade, cuidado e gentileza. Saber que elas estão ali quietas, muitas vezes silenciosas para nós, mas como pessoas tímidas que nunca dizem coisa alguma e, no entanto, parecem nos contar as mais belas histórias com os seus silêncios demasiados silêncios, querendo experimentar um pouco de Nietzche no seu humano demasiado humano.
Se olharmos as árvores como Caeiro, talvez passemos a olhar também uns para os outros com mais respeito. Afinal, assim como uma árvore não precisa justificar sua existência para ser bela, cada ser humano carrega sua dignidade apenas por existir. O amor de Caeiro pelas árvores nos ensina, no fundo, a viver com mais leveza, verdade e autenticidade.
O poeta nos ensina que precisamos olhar para as arvores não como exploradores capitalistas, sempre procurando nelas algum lucro econômico, mas com o olhar puro e sincero diante de uma coisa que faz tanto sentido em estar ali no meio da rua, que sobrevive ao concreto, que ama o parque ambiental e se apresenta na sua singularidade sempre pronta para nos abraçar e nos dizer que somos, de alguma forma, importantes para elas.
E quando o poeta nos diz que as árvores não são coisas, mas nomes ele quer nos dizer que apesar das suas singelezas elas são intensas, fortes, corajosas, desbravadores, curiosas e sentem a vida intensamente como os homens a sentem, ou seja, esses nomes ou essas coisas devem ser tratadas com amor e respeito porque suas emoções sofrem quando abandonadas ou maltratadas iguais a nós que fomos nomeados como homens ou mulheres, mas na essência também temos vida e precisamos nos alimentar e beber água para existirmos. As árvores são simplesmente nomes que desobedecem a qualquer normatividade que queiramos lhes impor porque delas é o princípio elementar à vida: o alimento.
Ah, quem dera sermos mais Caeiro do que apenas homens. Lembrando para vocês que quando falamos a palavra “coisa” não estamos diminuindo as árvores, porém colocando-as num patamar de substância divina e espiritual aos olhos de Deus, pois coisa na Bíblia Sagrada significa tudo que existe, tem vida, é real ou abstrata. Que você possa amar as árvores como uma coisa que existe com fins de abraçar e ser abraçada, cuidar e ser cuidada, amar e ser amada, não porque os poetas gostam delas, mas porque elas foram feitas para que nós aceitássemos as nossas condições de humanos e as amassem com as suas sabedorias subjetivas de quem está ali para nos ouvir sempre, mesmo que passemos tanto tempo diante delas sem dar por nós. Sejamos mais Caeiro todos os dias!
Rosângela Trajano, Colunista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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