180 grandes empresas fósseis contribuíram para dezenas de ondas de calor globais
Pesquisa atribui emissões de grandes empresas fósseis a 213 ondas de calor em todo o mundo. Petrobras e Vale estão na lista das “carbon majors“
Por Pamela Gouveia | Instituto ClimaInfo
Um estudo publicado hoje na revista científica Nature conecta diretamente as emissões das 180 maiores empresas de combustíveis fósseis — as chamadas carbon majors — a 213 ondas de calor registradas entre 2000 e 2023, que se tornaram mais prováveis e mais intensas devido às mudanças climáticas.
Entre elas está o episódio de fevereiro de 2010, que atingiu Nova Lima (MG), Santos (SP) e Rio de Janeiro (RJ), com temperaturas acima de 39°C e 32 mortes atribuídas ao calor extremo. Segundo a pesquisa, sem a influência da mudança climática, o evento teria sido “virtualmente impossível”.
Além do Brasil, o estudo destaca casos no Canadá. A onda de calor que atingiu o Quebec, entre junho e julho de 2018, tornou-se cinco vezes mais provável por causa das emissões fósseis. No verão de 2021, a onda de calor na Colúmbia Britânica, com temperaturas até 20°C acima do normal, se tornou o evento climático mais mortal da história do país, causando 619 mortes.
No conjunto de dados, aparece o peso de empresas brasileiras. O estudo estima que, em um cenário simulado onde apenas a Petrobras existisse, 50 das 213 ondas de calor teriam sido resultado de suas emissões. Para a Vale, seriam 38 episódios, incluindo o de 2010. Embora não tenham causado esses eventos sozinhas, os cenários simulados mostram que, mesmo se apenas suas emissões existissem, as ondas de calor ainda ocorreriam — sinal do peso significativo de suas contribuições para a crise climática global.
“Esta pesquisa é um passo importante rumo à responsabilização. Ela mostra mais uma vez que mudanças perigosas em eventos climáticos podem ser diretamente ligadas às emissões de empresas específicas de combustíveis fósseis”, ressaltou Friederike Otto, pesquisadora do Centre for Environmental Policy do Imperial College London. “Muitas dessas carbon majors já sabiam, desde a década de 1970, que a queima de combustíveis fósseis estava aquecendo o planeta. Em vez de mudar seus modelos de negócios para energias renováveis, elas enganaram o público sobre os perigos de seus produtos e fizeram lobby com governos para manter o mundo dependente dos fósseis”.
Entre 2000 e 2019, quase 500 mil pessoas morreram em decorrência de calor extremo ao redor do mundo – muitas dessas mortes atribuídas diretamente à mudança climática. No Brasil, estima-se que 48 mil pessoas morreram em decorrência de ondas de calor entre 2000 e 2018.
Repercussão política e jurídica
A pesquisa pode ter impacto relevante na litigância climática. Em julho, a Corte Internacional de Justiça reconheceu que ações de governos que agravam a crise climática violam o direito internacional, abrindo caminho para reparações também por parte de empresas.
O Tribunal Superior de Hamm, na Alemanha, estabeleceu que emissores corporativos de gases de efeito estufa podem ser responsabilizados por danos climáticos. Nos EUA, estados como Nova York e Vermont já aprovaram leis de superfund climático para cobrar custos de adaptação de empresas fósseis, e outros dez estados discutem legislações semelhantes.
“Agora podemos apontar para ondas de calor específicas e dizer: ‘A Saudi Aramco fez isso. A ExxonMobil fez isso. A Shell fez isso.’ Quando as emissões dessas empresas, sozinhas, estão provocando ondas de calor que não teriam acontecido de outra forma”, salientou Cassidy DiPaola, porta-voz da campanha Make Polluters Pay. “Aqui está a evidência que os tribunais estavam esperando. Agora podemos dar nome e número a quem é responsável por esses desastres.
Segundo os autores, o levantamento reforça que empresas como Petrobras e Vale sabiam há décadas sobre o impacto de suas atividades no aquecimento global, mas seguiram ampliando a produção, freando políticas de transição e financiando campanhas de desinformação.
Como o peso das empresas foi calculado
Os pesquisadores aplicaram, de forma sistemática, um modelo de atribuição de eventos extremos em todos os registros de ondas de calor no banco EM-DAT entre 2000 e 2023 – 226 no total, dos quais 213 foram selecionados. Essa base de dados é a mais abrangente sobre desastres, mesmo que ainda subnotifique ocorrências em alguns países, sobretudo na América Latina, incluindo o Brasil. Isso indica que o impacto real pode ser ainda maior do que o registrado no levantamento.
O estudo combina dados observacionais (ERA5 e BEST) com modelos de sistemas terrestres, avaliando dois fatores:
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mudança na intensidade do calor (quantos graus mais quentes ficaram os eventos devido à mudança climática);
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probabilidade relativa (quantas vezes mais provável cada onda de calor se tornou em comparação ao clima pré-industrial).
Os dados de emissões de 180 companhias de petróleo, gás, carvão e cimento foram extraídos de registros de produção e fatores de emissão, considerando CO₂ e metano. O modelo climático OSCAR foi usado para estimar o aquecimento global causado por cada empresa desde 1750, comparando o clima histórico com cenários contrafactuais (sem as emissões daquela companhia). A metodologia é alinhada às práticas do IPCC e já foi validada em mais de 100 estudos.
Os resultados mostram que, no agregado, as carbon majors respondem por 60% de todas as emissões cumulativas de CO₂ da era industrial, sendo responsáveis por cerca de metade do aquecimento global.
Entre as 180 companhias analisadas, as 14 maiores — incluindo Saudi Aramco, ExxonMobil, Shell, Chevron, BP — têm impacto equivalente ao de todas as outras somadas.
“Todos os gases de efeito estufa causam danos climáticos, e este estudo mostra que as emissões das empresas intensificaram individualmente centenas de ondas de calor pelo mundo”, afirma Rupert Stuart-Smith, do programa de Direito Sustentável da Universidade de Oxford. Richard Wiles, do Center for Climate Integrity, ressalta que a conexão científica entre produtores fósseis e desastres climáticos letais só se fortalece, reforçando a base para ações legais. “Este estudo sugere que a relação de causa e efeito entre as emissões de combustíveis fósseis e as ondas de calor é muito maior do que se compreendia antes”.
Referência:
Quilcaille, Y., Gudmundsson, L., Schumacher, D.L. et al. Systematic attribution of heatwaves to the emissions of carbon majors. Nature 645, 392–398 (2025). https://doi.org/10.1038/s41586-025-09450-9
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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