EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Uma árvore me contou das dores do homem contemporâneo

 

Árvore
Foto: EBC/ABr

Estamos destruindo tudo para darmos espaço ao capitalismo que levanta muros e esconde o verde das nossas árvores para deixar o mundo azul de uma tela com bits e bytes

Ensaio de Rosângela Trajano

Temos esquecido das árvores nas nossas correrias do cotidiano. Passamos por elas como se fossem uma pedra, um boneco de pano velho e sujo, um objeto qualquer que está ali no meio do caminho e nem damos conta dos seus sentimentos, das suas dores e emoções. Apenas passamos e apressados. Não nos são mais necessárias as árvores? Elas ainda produzem frutos e folhas e purificam o ar que respiramos, merecem ao menos um cumprimento cuidadoso.

Eu também ando muito ocupada nos últimos tempos, mas ontem parei e pedi uma história à árvore da minha rua. Ela estava quieta, parecia adormecida não por ter sono demais, porém por ninguém a saudar como antes, por ninguém namorar debaixo dela e até mesmo por ninguém mais dizer que ela incomoda e suja a vizinhança. A árvore esquecida estava ali no meio do meu caminho, pronta para me contar uma história tristonha e eu sem saber quase nada de mim parei para ouvir-lhe.

A árvore da minha rua olha para a economia do mundo contemporâneo desapontada porque parece que os homens se importam mais com os mercados, o comércio, a exportação dos seus produtos do que consigo e com seus sonhos que viraram bits e bytes. É uma busca por riquezas que mata quem sofre no seio de uma árvore que sabe ser o dinheiro o carrasco do pecado da matéria humana.

Em Morin e Kern na obra Terra-Pátria encontramos o seguinte: “…o crescimento econômico causa novos desregramentos. Seu caráter exponencial não cria apenas um processo multiforme de degradação da biosfera, mas também um processo multiforme de degradação da psicosfera, ou seja, de nossas vidas mentais, afetivas, morais, e tudo isso tem consequências em cadeia e em anel.”

A árvore contou-me da urgência de salvar o homem deste desregramento onde as pílulas dos investimentos econômicos aniquilam sorrisos e criam rugas em jovens que já não sonham mais e não se sentam mais embaixo dela para contemplar a natureza e apenas deixar-se ser levado pelo tempo de um nada, de um devir, de um não-ser, ou de um existir que se encontra com a metafísica do poeta português Fernando Pessoa que fala das “cousas” tão lindamente sem pensar na economia da qual nos tornamos escravos e líderes internacionais na corrida atrás de riquezas naturais que o meio ambiente sofre para produzir.

Ela me falou que tem percebido homens chorarem sozinhos nas suas casas, que os homens estão com os rostos colados em telas luminosas e que já não querem mais pensar por si mesmos, mas se deixam ser levados pela Inteligência Artificial. Alguns homens choravam e enxugavam suas lágrimas com as suas folhas secas que eram levadas pelo vento e pintavam nas telas dos seus sentimentos tristonhos frutos que ela não produzia mais, pois de tanto ver o sofrimento do homem contemporâneo ficou sem forças para produzir o que tanto amava. E ainda assim parir continua a doer nas mães do capitalismo contemporâneo, mas é a luz da vida que tira o homem da caverna da solidão.

A árvore contava uma história de um homem triste que morava na minha rua. Ele estava triste por muitos motivos. Um deles era a sua solidão. Ela sabia bem o que era aquilo. Conhecia de perto, pois as crianças não brincavam mais nas ruas, as pessoas não conversavam mais nas calçadas e na lua parecia ter mais gente do que na própria Terra, pelo menos lá havia comunicação entre os astronautas.

O homem tem destruído a sua vida, mocinha, disse-me a árvore. Ele tem destruído quase tudo ao seu redor. Os seus galhos estavam parados, observei atenta. Continuou a árvore a sua história como um desabafo de quem conhece todas as coisas, mas assim como o filósofo Sócrates diz não saber de nada. A minha árvore é humilde o bastante para falar de coisas simples e complexas de uma forma que todos a compreendem.

Lembrei-me de Jean-Marie Pelt que nos disse “O homem destrói um a um os sistemas de defesa do organismo planetário” quando ela me falou das guerras que estão destruindo lugares e matando inocentes, derrubando prédios e árvores na Palestina, em Israel, na Ucrânia e na Rússia. Os homens brigam por pedaços de terra que valem ouro, mocinha.

A história do homem contemporâneo é triste e dói no coração da árvore. Por dentro ela parecia oca. Vazia de si. Como sei? A gente sabe das coisas que ama quando se lembra que amar é o que nos resta nesta vida cruel e doentia. Segundo Morin e Kern na sua obra Terra-Pátria eles nos dizem “Por toda parte reina agora o sentimento, ora difuso, ora agudo, da perda do futuro. Por toda parte se instala a consciência de que não estamos na penúltima etapa da história que irá cumprir seu grande desabrochar. Por toda parte se sente que não nos dirigimos a um futuro radioso e nem mesmo a um futuro feliz. Mas falta ainda a consciência de que estamos na idade de ferro planetária, na pré-história do espírito humano.” Estamos onde o capitalismo vence o amor e desafia os homens a chorarem lágrimas de santos canonizados ao renascer da Palavra Sagrada.

Não nos importamos mais com o próximo, estamos destruindo nossos sentimentos, massacrando as nossas emoções, esquecendo que o meio ambiente precisa de cuidados, matamos todos os dias as nossas preocupações com uma bomba atômica na força com a qual batemos com o machado nas árvores centenárias das avenidas de concreto por onde passamos. Estamos destruindo tudo para darmos espaço ao capitalismo que levanta muros e esconde o verde das nossas árvores para deixar o mundo azul de uma tela com bits e bytes.

A história deste homem contemporâneo é tampouco destruidora e ameaça a vida da árvore da minha rua. Ela chora. E me diz querendo conter as suas lágrimas que descem pelo seu tronco e encharcam as raízes de cabelos grisalhos e cansadas da solidão que o tempo borda no desaguar de uma tormenta que mexe com a alma num devir de passarinho feito menino, pois o homem está cada vez mais sozinho no seu ninho caseiro. É preciso recontar a história do homem pensante, do homem faber, do homem além vida.

Cristo deve retornar antes que a história termine, contou-me a árvore e se aquietou num sol de meio-dia pronta para vestir a sua fantasia de cuidadora e enviar pelo vento suas folhas aos homens cheios de ideias e robotizados que escondem seus fantasmas atrás de aparelhos celulares numa selfie sorridente. A economia não vale mais do que um abraço numa árvore esquecido no meio do caminho que pode morrer ou virar pedra mesmo sem varinha de condão ou encantos de bruxas.

Rosângela Trajano, Colunista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

Citação
EcoDebate, . (2025). Uma árvore me contou das dores do homem contemporâneo. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/08/25/uma-arvore-me-contou-das-dores-do-homem-contemporaneo/ (Acessado em agosto 25, 2025 at 13:45)

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O conteúdo do EcoDebate está sob licença Creative Commons, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate (link original) e, se for o caso, à fonte primária da informação