Telhados frios: uma estratégia eficaz para combater o calor urbano
Telhado Branco. Foto: Jerome Maas, para Unsplash+
Análise comparativa de sistemas de gestão de calor urbano, passivos e ativos, com foco na eficácia de diferentes abordagens para mitigar o efeito de ‘Ilha de Calor Urbana’.
Pesquisa internacional revela que telhados reflexivos são mais eficazes que telhados verdes contra ilhas de calor urbanas. No Brasil, onde predominam telhas vermelhas, o potencial de resfriamento é ainda maior durante eventos climáticos extremos
Visão geral e contexto
O estudo “Cool roofs are best at beating cities heat” (Telhados frios são os melhores para combater o calor das cidades), liderado por pesquisadores da UCL (University College London), investigou a eficácia de várias estratégias de gestão de calor urbano em Londres.
Com o aquecimento global e o fenômeno das ilhas de calor urbanas tornando as cidades particularmente vulneráveis a temperaturas elevadas, encontrar métodos eficazes para adaptar e mitigar o calor tornou-se uma prioridade para planejadores urbanos.
A pesquisa utilizou um modelo climático urbano tridimensional de Londres para testar os efeitos térmicos de sistemas passivos (telhados frios, painéis solares, telhados verdes, vegetação em nível de rua) e ativos (ar-condicionado) durante os dois dias mais quentes do verão de 2018.
Principais conclusões
Telhados frios como a solução mais eficaz para o resfriamento externo
-
Impacto Significativo: A pintura de telhados de branco ou a cobertura com um revestimento refletivo (telhados frios) demonstrou ser a medida mais eficaz para reduzir as temperaturas externas. Se amplamente adotados em Londres, os telhados frios poderiam reduzir as temperaturas em média em 1,2°C em toda a cidade, e em até 2°C em algumas localizações.
-
Duplo Benefício: “Ao refletir em vez de absorver o calor, os telhados frios têm o duplo benefício de não apenas resfriar o ambiente urbano externo, mas também o interior dos edifícios.”
Efeito limitado de outras estratégias passivas no resfriamento geral
-
Vegetação em Nível de Rua e Painéis Solares: Sistemas como vegetação extensiva em nível de rua ou painéis solares proporcionariam um efeito de resfriamento líquido menor, de apenas cerca de 0,3°C em média em Londres. Embora ofereçam “outros benefícios ambientais”, seu impacto no resfriamento geral é inferior.
-
Telhados Verdes: Apesar de seus benefícios em termos de drenagem de água e habitats de vida selvagem, o estudo concluiu que o efeito de resfriamento líquido dos telhados verdes na cidade foi “negligenciável em média”.
-
Variação Diária: Notavelmente, o efeito dos telhados verdes na temperatura variou significativamente ao longo do dia. Durante os horários mais quentes, a adoção ampla de telhados verdes poderia diminuir as temperaturas urbanas em média em 0,5°C. No entanto, “isso seria compensado durante a noite, pois a massa térmica dos telhados reteria o calor diurno, liberando-o quando o sol se pusesse e aumentando as temperaturas noturnas em aproximadamente a mesma quantidade.”
-
Vegetação de Árvores Caducifólias: A conversão de espaços verdes urbanos de grama para árvores caducifólias resfriaria as temperaturas durante a noite, mas teria efeitos líquidos mistos durante o dia. Além disso, “provavelmente aumentaria a quantidade de vapor de água no ar, o que efetivamente aumentaria a umidade do ar e poderia afetar o conforto térmico dos moradores.”
O impacto negativo do ar-condicionado no ambiente externo
-
Aquecimento Externo: O ar-condicionado, que transfere o calor de dentro dos edifícios para o exterior, aqueceria o ambiente urbano externo em cerca de 0,15°C para a cidade como um todo, mas em até 1°C no denso centro de Londres. Isso destaca o paradoxo de soluções de resfriamento internas exacerbando o problema de calor externo.
-
Potencial de Compensação por Energia Solar: Os pesquisadores descobriram que “o aumento na distribuição de unidades de ar condicionado em seu modelo poderia ser totalmente alimentado por painéis solares fotovoltaicos se fossem instalados de forma semelhante em sua extensão máxima.”
Contraste com a tradição de telhados vermelhos
O Brasil apresenta uma oportunidade única para implementar telhados frios em larga escala, considerando que a maioria das construções tradicionalmente utiliza telhas cerâmicas vermelhas, que absorvem significativamente mais calor solar do que superfícies brancas ou reflexivas.
Benefícios específicos para o clima tropical e subtropical
-
Maior Potencial de Resfriamento: Em um país com clima tropical e subtropical, onde as temperaturas são elevadas durante a maior parte do ano e a radiação solar é intensa, a transição de telhados vermelhos para brancos pode proporcionar reduções de temperatura ainda mais significativas do que as observadas no estudo londrino.
-
Redução do Consumo Energético: Com temperaturas internas mais baixas proporcionadas pelos telhados brancos, há uma diminuição substancial da demanda por ar-condicionado, resultando em economia na conta de energia elétrica e redução da sobrecarga no sistema elétrico nacional, especialmente durante os picos de verão.
-
Mitigação Intensificada das Ilhas de Calor: As principais metrópoles brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, sofrem com intensas ilhas de calor urbanas. A adoção generalizada de telhados brancos pode ser particularmente efetiva nessas regiões, onde a diferença de temperatura entre áreas urbanas e rurais frequentemente excede 5°C.
Vantagens econômicas e sociais
-
Custo-Benefício Favorável: A transição de telhados vermelhos para brancos representa uma das intervenções urbanas de menor custo e maior impacto, podendo ser implementada através de programas de pintura ou substituição gradual das telhas durante reformas.
-
Melhoria da Qualidade de Vida Urbana: A redução das temperaturas urbanas contribui diretamente para a melhoria do conforto térmico da população, especialmente em áreas de baixa renda onde o acesso ao ar-condicionado é limitado.
-
Redução de Riscos à Saúde Pública: Temperaturas urbanas mais baixas podem diminuir a incidência de doenças relacionadas ao calor excessivo, particularmente importante para grupos vulneráveis como idosos e crianças.
Impacto ambiental positivo
-
Diminuição das Emissões de CO₂: A redução do uso de ar-condicionado resultante dos telhados mais frescos contribui para a diminuição das emissões de gases de efeito estufa, alinhando-se com as metas climáticas nacionais.
-
Preservação da Biodiversidade Urbana: Temperaturas urbanas mais amenas criam condições mais favoráveis para a fauna e flora urbanas, complementando outras estratégias de sustentabilidade.
Citação
Dr. Oscar Brousse (UCL Bartlett School Environment, Energy & Resources): “Nós testamos exaustivamente múltiplos métodos que cidades como Londres poderiam usar para se adaptar e mitigar as temperaturas crescentes, e descobrimos que os telhados frios eram a melhor maneira de manter as temperaturas baixas durante os dias de verão extremamente quentes. Outros métodos tiveram vários importantes benefícios colaterais, mas nenhum foi capaz de reduzir o calor urbano externo a um nível tão próximo.”
Implicações e recomendações
-
Prioridade para Telhados Frios: As cidades que buscam adaptar-se às mudanças climáticas e mitigar o efeito de ilha de calor urbana devem priorizar a implementação generalizada de telhados frios devido à sua eficácia superior no resfriamento do ambiente externo e interno.
-
Abordagem Holística: Embora os telhados frios sejam os mais eficazes para o resfriamento, outras estratégias passivas ainda oferecem benefícios ambientais importantes (ex: drenagem de água, habitats, sequestro de carbono) e podem ser consideradas como parte de uma estratégia urbana mais abrangente, desde que suas limitações em termos de resfriamento geral sejam compreendidas.
-
Gestão de Energia e Ar Condicionado: O uso de ar condicionado deve ser considerado com cautela, dado seu impacto no aquecimento externo. A integração de sistemas de ar condicionado com fontes de energia renovável, como painéis solares, pode mitigar parcialmente seu impacto negativo no clima urbano.
-
Pesquisa Contínua: O estudo enfatiza a importância de uma compreensão abrangente dos efeitos de diferentes ações de mitigação, oferecendo insights valiosos para planejadores e designers urbanos.
-
Implementação Brasileira: Para o Brasil, recomenda-se o desenvolvimento de políticas públicas que incentivem a transição gradual dos telhados vermelhos tradicionais para telhados brancos ou reflexivos, através de programas de incentivos fiscais, financiamento facilitado e campanhas de conscientização sobre os benefícios ambientais e econômicos desta mudança.
Referência:
Brousse, O., Simpson, C., Zonato, A., Martilli, A., Taylor, J., Davies, M., & Heaviside, C. (2024). Cool roofs could be most effective at reducing outdoor urban temperatures in London (United Kingdom) compared with other roof top and vegetation interventions: A mesoscale urban climate modeling study. Geophysical Research Letters, 51, e2024GL109634. https://doi.org/10.1029/2024GL109634
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]