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Artigo

O Código Florestal como Instrumento Legal da Agricultura Regenerativa

 

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Artigo de Afonso Peche Filho*

1. Introdução.

A agricultura brasileira vive um momento de transição em que se busca conciliar produtividade e conservação dos recursos naturais. Nesse cenário, a Lei nº 12.651/2012, o atual Código Florestal, estabelece normas para a proteção e uso sustentável da vegetação nativa, definindo regras para Áreas de Preservação Permanente (APPs), Reserva Legal (RL), manejo florestal e recuperação de áreas degradadas.

Ao mesmo tempo, cresce o interesse pela agricultura regenerativa, abordagem que promove a restauração funcional dos ecossistemas, melhora a saúde do solo, aumenta a biodiversidade e fortalece a resiliência dos sistemas produtivos. A ligação entre esses dois universos ocorre principalmente por meio do Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Código Florestal, que transforma obrigações legais em ações concretas de recomposição ambiental.

Quando bem implementado, o PRA pode se tornar um instrumento técnico-jurídico essencial para impulsionar a adoção de práticas regenerativas, convertendo áreas degradadas em ecossistemas produtivos e sustentáveis.

2. O Código Florestal e seus dispositivos estratégicos.

O Código Florestal estabelece critérios e parâmetros para a conservação e recuperação da vegetação nativa nas propriedades rurais brasileiras, entre os quais destacam-se:

– Áreas de Preservação Permanente (APPs): porções do território protegidas para preservar recursos hídricos, estabilidade geológica, biodiversidade e fluxo gênico de fauna e flora. Incluem margens de rios, nascentes, encostas e topos de morro.

– Reserva Legal (RL): percentual mínimo da propriedade rural que deve ser mantido com vegetação nativa, variando de 20% a 80% de acordo com o bioma.

– Áreas consolidadas: locais que já estavam ocupados até 22 de julho de 2008 e que exigem medidas específicas de recomposição ou compensação.

– Cadastro Ambiental Rural (CAR): registro eletrônico obrigatório que integra informações ambientais georreferenciadas das propriedades, base para monitoramento e regularização.

Esses instrumentos criam uma estrutura normativa capaz de apoiar a transição para modelos produtivos mais equilibrados, desde que sejam acompanhados de planejamento técnico e aplicação prática.

3. O PRA como ferramenta de execução da lei.

O Programa de Regularização Ambiental (PRA) é o elo entre a norma e a prática, com etapas que incluem:

– Diagnóstico ambiental: levantamento das condições da propriedade com base nos dados do CAR.

– Definição de ações de recomposição: escolha de técnicas como regeneração natural, plantio de espécies nativas ou implementação de sistemas agroflorestais.

– Acompanhamento técnico: monitoramento periódico da evolução das áreas em recuperação.

Ao possibilitar a recuperação planejada de APPs e RL, o PRA promove funções ecológicas vitais para a produção agrícola, como a infiltração de água, a proteção contra erosão, o aumento da matéria orgânica do solo e o favorecimento de polinizadores e inimigos naturais de pragas.

4. Convergência com a agricultura regenerativa

A efetivação do PRA se alinha de forma direta aos princípios da agricultura regenerativa, gerando ganhos simultâneos em três frentes:

a) Jurídico-regulatória

– Proporciona segurança jurídica ao produtor rural.

– Garante rastreabilidade ambiental por meio do CAR, útil para certificações e auditorias.

– Facilita acesso a políticas como Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e créditos de carbono.

b) Ecológica

– Recupera e protege recursos hídricos.

– Aumenta a conectividade entre fragmentos florestais, beneficiando a biodiversidade.

– Melhora a qualidade e a funcionalidade do solo por meio de maior cobertura vegetal e incremento da biota.

c) Socioeconômica

– Amplia oportunidades de acesso a mercados diferenciados e cadeias sustentáveis.

– Facilita o acesso a créditos verdes e financiamentos vinculados a boas práticas.

– Estimula a demanda por serviços e insumos voltados à restauração, fortalecendo cadeias produtivas regionais.

5. Reflexão crítica

Apesar do potencial transformador, o PRA ainda enfrenta obstáculos para plena efetividade:

– Atrasos na implementação em diversos estados.

– Baixa capacitação técnica de parte dos produtores e até de alguns agentes públicos.

– Percepção equivocada de que a recomposição é apenas custo, sem retorno produtivo.

Superar esses desafios exige integração entre órgãos ambientais, instituições de pesquisa, assistência técnica e produtores, priorizando inovação, monitoramento e incentivo econômico.

6. Conclusão

O Código Florestal fornece o marco legal para proteger e recuperar ecossistemas em áreas rurais; o PRA operacionaliza essa proteção com medidas concretas; e a agricultura regenerativa amplia o alcance dessas ações ao integrá-las ao sistema produtivo.

Essa convergência permite transformar áreas degradadas em ecossistemas produtivos, resilientes e economicamente viáveis, consolidando um modelo agrícola capaz de atender às exigências legais, ambientais e de mercado.

Mais do que cumprir uma norma, adotar o PRA com enfoque regenerativo é investir na longevidade e na qualidade da produção agrícola.

* Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 maio 2012.

EMBRAPA. Código Florestal: entenda as principais regras. Brasília, DF: Embrapa, 2020. Disponível em: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/entenda-o-codigo-florestal. Acesso em: 10 ago. 2025.

MMA – Ministério do Meio Ambiente. Programa de Regularização Ambiental – PRA. Brasília, DF, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/servicos-ambientais/programa-de-regularizacao-ambiental-pra. Acesso em: 10 ago. 2025.

SOUZA, L. A. G.; REZENDE, J. L. P.; MARTINS, S. V. Restauração florestal e serviços ecossistêmicos. Viçosa: UFV, 2021.

 

Citação
EcoDebate, . (2025). O Código Florestal como Instrumento Legal da Agricultura Regenerativa. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/08/18/o-codigo-florestal-como-instrumento-legal-da-agricultura-regenerativa/ (Acessado em agosto 18, 2025 at 06:08)

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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