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COP30 em disputa: o retrocesso dos EUA e a luta por justiça climática global

 

COP30
Imagem: COP30 Brasil

Reinaldo Dias

Articulista do EcoDebate, é Doutor em Ciências Sociais -Unicamp

Pesquisador associado do CPDI do IBRACHINA/IBRAWORK

Parque Tecnológico da Unicamp – Campinas – Brasil

http://lattes.cnpq.br/5937396816014363

reinaldias@gmail.com

O mundo chega à COP30 em estado de alerta. A emergência climática se acelera, as desigualdades se aprofundam e o sistema multilateral entra em colapso diante da volta do negacionismo institucional promovido pelos Estados Unidos. Enquanto a Amazônia se torna palco de promessas diplomáticas e contradições internas, a conferência em Belém do Pará representa muito mais do que um evento técnico: trata-se de uma batalha pelo futuro da governança climática global.

Entre sabotagens, resistências e disputas de poder, a COP30 será o espelho de um mundo em ruptura e também a oportunidade de redefinir os rumos da transição com base na equidade, na justiça e na força dos povos.

Este artigo analisa os principais impasses e disputas que marcam a preparação da COP30, com ênfase no impacto da política externa dos Estados Unidos, na resposta articulada dos países do Sul Global e no papel estratégico das resistências locais e transnacionais por justiça climática.

1. Um evento decisivo em meio à crise climática

A Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP30), prevista para novembro de 2025 em Belém do Pará, se desenha como uma das edições mais simbólicas e tensas da história recente das negociações climáticas. O evento ocorre em um contexto de profundas contradições: de um lado, a intensificação dos alertas científicos, jurídicos e sociais sobre os riscos da inação diante do colapso ambiental; de outro, o fortalecimento de lideranças que atuam deliberadamente contra a agenda climática global.

O ano de 2024 representou um ponto de inflexão climático alarmante: pela primeira vez, as temperaturas médias globais da superfície do ar superaram 1,5°C acima dos níveis pré-industriais por 12 meses consecutivos. O calor recorde de 2024 foi acompanhado por ondas de calor intensas, incêndios florestais devastadores, secas severas e chuvas extremas, afetando milhões de pessoas (Borges, 2025). Cerca de 2.300 pessoas morreram de causas relacionadas ao calor em 12 cidades europeias durante a forte onda de calor. O estudo analisou os 10 dias, encerrados em 2 de julho, durante os quais grande parte da Europa Ocidental foi atingida por calor extremo, com temperaturas ultrapassando 40 graus Celsius na Espanha e incêndios florestais na França, segundo pesquisa conduzida por cientistas do Imperial College London e da London School of Hygiene and Tropical Medicine (Withers & Abnett, 2025).

Nos Estados Unidos, uma onda de calor atingiu cerca de 160 milhões de pessoas, com temperaturas chegando a mais de 43 °C e com alertas extremos emitidos em ao menos 11 estados (Simon, 2025). Esses episódios evidenciam a insuficiência das infraestruturas urbanas, dos serviços de saúde e dos sistemas de resposta emergencial, demonstrando que os impactos climáticos já ultrapassam os limites da adaptação institucional.

Nesse cenário, o Brasil assume a presidência da COP30 buscando projetar uma imagem de liderança ambiental. No entanto, enfrenta uma crise interna: forças negacionistas no Congresso Nacional flexibilizam normas de proteção, criminalizam lideranças sociais e defendem medidas alinhadas à política ambiental do governo norte-americano. Tais contradições revelam não apenas os impasses da governança climática, mas também os limites do multilateralismo frente à fragmentação geopolítica.

2. Da promessa à implementação: o desafio central da COP30

Diferentemente de edições anteriores, centradas em metas futuras ou na formulação de novos compromissos, a COP30 tem como foco declarado a implementação do Acordo de Paris. Sob a liderança do diplomata André Corrêa do Lago, a presidência brasileira da conferência estabeleceu como meta principal transformar promessas em ações concretas. Isso inclui avanços operacionais em áreas cruciais como financiamento climático, adaptação de países altamente vulneráveis, operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, transparência nas metas nacionais (NDCs) e mecanismos de compensação para perdas irreversíveis (Goswami, 2025). A presidência busca imprimir um tom pragmático ao evento, evitando que a conferência se converta em mais um palco de anúncios retóricos sem consequência prática.

A ênfase na implementação responde à frustração crescente com conferências anteriores, frequentemente criticadas por sua baixa efetividade diante do agravamento da crise climática. No entanto, a promessa de operacionalizar o Acordo de Paris enfrenta entraves consideráveis. A articulação internacional necessária para impulsionar ações coordenadas tem sido minada pela ascensão de governos que adotam posturas nacionalistas e negacionistas, pela crescente polarização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre financiamento, e pela falta de instrumentos jurídicos vinculantes que assegurem o cumprimento das metas. As lacunas de confiança entre as partes e o enfraquecimento dos mecanismos multilaterais de fiscalização tornam a implementação um desafio político, não apenas técnico.

3. O impacto da volta de Trump

A eleição de Donald Trump para um segundo mandato gerou um forte abalo nas negociações multilaterais. Desde janeiro de 2025, sua administração anunciou a saída do Acordo de Paris, a interrupção de repasses ao Fundo para Perdas e Danos e o boicote aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (Milman, 2025; Talbot, 2024). Segundo Corrêa do Lago, seu retorno complica as negociações e pode esvaziar iniciativas de cooperação Sul-Norte (Martin, 2025). Nesse sentido, o processo de implementação se fragiliza, pois depende de uma articulação internacional que está sendo corroída por políticas isolacionistas e hostis ao consenso científico.

Desde que reassumiu a presidência, Donald Trump promoveu uma agenda ambiental marcada por retrocessos profundos, utilizando uma suposta “emergência energética nacional” para justificar a expansão de petróleo, gás e carvão, enquanto sabota políticas de energia renovável. Em apenas seis meses eliminou subsídios para fontes limpas, enfraqueceu a agência de proteção ambiental (Environmental Protection Agency, EPA) cortou verbas de pesquisa climática, demitiu cientistas e fechou laboratórios da agência científica encarregada de monitorar as condições oceânicas e atmosféricas, a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), promovendo a desinformação climática e reprimindo a ciência. Além disso, aprovou decretos que favorecem a indústria do carvão e puniu servidores públicos que criticaram o retrocesso na política ambiental. Com apoio financeiro expressivo de empresas de combustíveis fósseis, o mandatário norte-americano deslegitima a proteção ambiental e a saúde pública, mesmo diante de desastres extremos, como as enchentes no Texas deste ano. Segundo cientistas e juristas, trata-se de uma ofensiva ideológica contra a ciência e o meio ambiente, com impactos econômicos, sociais e climáticos duradouros (Pedra, 2025).

Essas medidas configuram uma política ambiental regressiva com efeitos globais, que fragiliza o papel da ciência na formulação de políticas públicas, desestrutura a capacidade regulatória do Estado e estimula retrocessos semelhantes em países alinhados à agenda trumpista.

As consequências climáticas dessa guinada são preocupantes. Segundo análise do Carbon Brief realizada antes das eleições de 2024, uma eventual segunda gestão Trump poderia adicionar cerca de 4 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente às emissões dos EUA até 2030 — valor equivalente ao das emissões anuais combinadas da União Europeia e do Japão — e acarretaria perdas climáticas globais estimadas em mais de US 900 bilhões. Essa reversão tornaria praticamente inviável que os EUA cumprissem sua meta de reduzir entre 50% e 52% das emissões até 2030 (Evans, & Viisainen,2024; Worland, 2024)

Além do impacto direto nas emissões, as políticas norte-americanas representam uma ameaça à Lei de Redução da Inflação (IRA) — legislação emblemática da era Biden que canalizou mais de US 370 bilhões em subsídios para energia limpa, veículos elétricos e transição energética nos EUA (Milman, 2025; Gerrard, 2024). Essas medidas sendo revogadas, estima-se que bilhões em investimentos sejam cortados, empregos verdes sejam perdidos e o crescimento da energia renovável desacelere drasticamente. Essa reversão não apenas interrompe uma dinâmica de transição energética doméstica, mas enfraquece a liderança climática dos EUA na arena internacional e reduz sua influência em iniciativas multilaterais (Nuccitelli, 2025; Volcovici & Slattery, 2024).

4. O vazio político e diplomático deixado pelos EUA

A retirada dos Estados Unidos representa mais do que uma ausência. Trata-se de um boicote deliberado à cooperação internacional e à arquitetura da governança climática multilateral. E seus efeitos ultrapassam fronteiras: a postura norte-americana serve de embasamento ideológico para retrocessos climáticos em outros países e representa uma continuidade do padrão de políticas anticientíficas e de desconstrução do legado climático internacional iniciado nos EUA, influenciando também líderes similares em outros países — como os governos de Bolsonaro ou Viktor Orbán na Hungria — que veem no modelo de destruição regulatória uma estratégia prioritária frente às agendas ambientais globais.

É o caso da Argentina sob o governo de Javier Milei, que desde que assumiu a presidência em dezembro de 2023, promoveu um profundo retrocesso na política ambiental do país, rebaixando o Ministério do Meio Ambiente à condição de subsecretaria, cortando orçamentos, desregulamentando o licenciamento ambiental e minimizando a fiscalização sobre atividades poluidoras. Negacionista da crise climática e crítico da ciência independente, Milei defende que a natureza deve servir ao sistema produtivo, retirando protagonismo das pautas socioambientais. Seu governo também anunciou a intenção de se afastar do Acordo de Paris e ordenou a retirada da delegação argentina da COP29, sinalizando um descompromisso deliberado com a agenda climática global (Delfino, 2025).

A resistência a esse vácuo se expressa na mobilização de outras potências dispostas a manter vivo o Acordo de Paris. A Comissão Europeia propôs, em julho de 2025, uma meta climática intermediária para 2040 de redução de 90% das emissões líquidas de gases de efeito estufa em relação aos níveis de 1990, reforçando o compromisso da União Europeia com a neutralidade climática até 2050. Essa meta, articulada à já existente de -55% até 2030, visa garantir previsibilidade, fortalecer a competitividade e segurança energética, além de sinalizar à comunidade internacional — especialmente após a retirada dos EUA do Acordo de Paris — que a Europa permanece comprometida com a transição energética e com o papel estratégico das tecnologias limpas. (European Commission, 2025). Além disso, ampliou seus esforços diplomáticos para conter os impactos da saída dos EUA. Nas semanas que antecedem a COP30, representantes da União Europeia e da China realizaram encontros bilaterais em Bruxelas e Pequim, nos quais selaram uma aliança estratégica para defender os pilares do regime climático multilateral e coordenar posições nas negociações (Rowling, 2025; Hancock & Mooney, 2025). Ambos os blocos reafirmaram seu apoio ao financiamento climático, à operacionalização do Mecanismo de Perdas e Danos e ao avanço de tecnologias limpas com transferência acessível para países do Sul Global. A sinalização conjunta buscou preencher parte do vácuo político deixado pelos Estados Unidos, tentando preservar a credibilidade do processo multilateral. Essa iniciativa também incluiu o compromisso de reforçar a cooperação com o G77 e a União Africana, e de ampliar a contribuição financeira ao Fundo Verde do Clima.

5. A resposta do Sul Global: BRICS, G77 e a CIJ

Enquanto os Estados Unidos retrocedem, os países em desenvolvimento intensificam suas demandas por justiça climática e por uma reorganização nos fluxos de financiamento internacional. Nesse cenário, o Brasil e o G77 propuseram a elevação dos recursos para financiamento climático para US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 (Talbot, 2024; Chaitanya, 2024). O G77, ou Grupo dos 77, é a maior coalizão intergovernamental de países em desenvolvimento nas Nações Unidas, formada atualmente por 134 países — incluindo economias emergentes e pequenos Estados insulares — que atuam em bloco para defender interesses comuns em temas como desenvolvimento sustentável, comércio e mudança do clima.

A proposta de financiamento climático foi reforçada pela declaração final da cúpula dos BRICS realizada no Rio de Janeiro, em julho de 2025, que endossou formalmente o Tropical Forest Forever Facility (TFFF) — mecanismo voltado ao financiamento da conservação de florestas tropicais — e adotou uma declaração específica sobre financiamento climático, celebrada pela presidência da COP30 como um passo concreto rumo à democratização dos fluxos financeiros (MRE, 2025).

Outro marco relevante foi a emissão de uma opinião consultiva pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), solicitada em 2023 por um grupo de Estados insulares liderado por Tuvalu, Vanuatu e Antígua e Barbuda, com apoio de mais de 130 países na Assembleia Geral da ONU. A iniciativa partiu das nações mais vulneráveis ao aumento do nível do mar e às perdas irreversíveis associadas à crise climática, que reivindicam maior responsabilização internacional por danos que não causaram. Na decisão, a CIJ reconheceu que a omissão deliberada de Estados em adotar medidas eficazes contra a mudança do clima pode configurar violação de obrigações jurídicas internacionais, inclusive em matéria de direitos humanos e proteção intergeracional. Embora não vinculante, o parecer abre precedentes relevantes para futuras ações legais em cortes internacionais e pressiona os países historicamente emissores a reverem suas posturas. A decisão também fortalece juridicamente o princípio da equidade nas negociações climáticas e legitima as reivindicações por mecanismos robustos de perdas e danos (Quell & Corder (2025)

6. Resistências plurais: comunidades, subnacionais e redes globais

A resistência climática também se expressa na mobilização ativa de povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, que têm ampliado sua presença e protagonismo nos espaços internacionais. Na COP30, essas populações atuam como sujeitos políticos que reivindicam não apenas proteção para seus territórios, mas justiça climática enraizada em reparação histórica, autonomia e reconhecimento de seus saberes (Dias, 2025a). Suas pautas desafiam diretamente o modelo dominante de transição energética e de financiamento climático, que tende a marginalizar comunidades em nome do progresso verde. Em vez de meras vítimas da crise, essas populações se apresentam como portadoras de propostas alternativas de convivência com a natureza, de estratégias de adaptação já consolidadas e de modos de vida compatíveis com a sustentabilidade planetária. Sua presença nas negociações busca romper o ciclo de exclusão histórica e confrontar as falsas soluções de mercado que transferem o ônus da transição para os mais vulneráveis.

Nos Estados Unidos, apesar do retrocesso federal promovido pela nova administração, diversos estados mantêm políticas próprias alinhadas aos compromissos do Acordo de Paris. A United States Climate Alliance (USCA), criada em 2017 após a primeira retirada dos EUA do Acordo, reúne atualmente 25 estados e territórios — incluindo Califórnia, Nova York, Massachusetts e Havaí — comprometidos com metas ambiciosas de redução de emissões, investimentos em energias renováveis e adaptação climática (US Climate Alliance, 2025). Esses estados representam cerca de 55% da população norte-americana, 60% do PIB dos EUA e quase 40% das emissões nacionais de gases de efeito estufa, o que confere à aliança um peso significativo. Além de legislações locais, esses governos mantêm programas próprios de mercado de carbono, parcerias internacionais e planos de neutralidade climática até 2050, consolidando-se como uma frente institucional de resistência ao negacionismo federal.

Fora dos Estados Unidos, redes de governos regionais também vêm se articulando para manter viva a ambição climática global. A Under2 Coalition, fundada em 2015, é hoje uma das maiores coalizões subnacionais do mundo, reunindo mais de 270 governos estaduais, regionais e provinciais de 43 países — representando aproximadamente 1,75 bilhão de pessoas e quase 50% da economia mundial (Under2 Coalition, 2025). Seus membros compartilham o compromisso de reduzir pela metade suas emissões até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Ao lado dela, outras redes têm desempenhado papéis estratégicos: o C40 Cities, composto por cerca de 100 grandes cidades globais, atua na coordenação de políticas urbanas voltadas à mitigação e adaptação climática, com foco em mobilidade, energia e justiça social (C40 Cities, 2025); a Regions4, que reúne governos regionais especialmente da Europa, América Latina e África, desenvolve uma atuação estratégica voltada a uma maior descentralização das decisões ambientais e na representação oficial de regiões nos processos da COP (Regions4, 2025); e o ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, com mais de 2.500 cidades e governos locais associados, promove políticas integradas de ação climática e sustentabilidade urbana em escala global (ICLEI, 2025). Juntas, essas redes expressam a força crescente da diplomacia subnacional em tempos de retração do multilateralismo estatal.

7. Transição injusta, tecnologias e falsas soluções

A COP30 ocorre em um momento em que os rumos da transição energética estão sendo apropriados por agendas empresariais e tecnocráticas que prometem inovação, mas frequentemente aprofundam desigualdades. Embora apresentada como uma oportunidade de modernização e geração de empregos, a transição em curso tem se concentrado em setores de alta tecnologia e demanda energética intensiva. O crescimento acelerado de data centers, da inteligência artificial e das infraestruturas digitais tem elevado de forma significativa o consumo global de eletricidade, com estimativas indicando que essas tecnologias podem ultrapassar, até 2030, o consumo energético de países inteiros, como o Japão (Lardizaba,2025; IEA, 2025). Além do impacto direto sobre a matriz elétrica, esse avanço ocorre frequentemente sem debate público, sem avaliação de impactos socioambientais e deslocando investimentos de áreas essenciais para adaptação, como segurança hídrica e mobilidade urbana sustentável.

No Sul Global, essa transição vem assumindo formas profundamente desiguais. Em vez de romper com o modelo extrativista, o discurso da descarbonização tem sido frequentemente apropriado por grandes grupos econômicos para promover uma reconversão do mesmo paradigma de exploração — agora legitimado pelo selo da “economia verde”. Trata-se de uma transição concentrada: marcada pela financeirização dos territórios, pela flexibilização de normas ambientais, pela expulsão de populações locais e pela captura institucional de processos decisórios. O uso de instrumentos de mercado — como os créditos de carbono, os créditos de biodiversidade e os pagamentos por serviços ambientais — funciona, em muitos casos, como estratégia de neutralização simbólica, que mantém intocados os centros de emissão e transfere os custos da crise para as periferias do mundo (Dias, 2025b).

Na COP30, essa lógica concentradora se expressa na ausência de mecanismos vinculantes de reparação aos povos afetados por megaprojetos energéticos, na exclusão de vozes dissidentes e na baixa representatividade de comunidades tradicionais e movimentos sociais nos processos decisórios. Como demonstrado em análises recentes sobre os efeitos da transição energética nas periferias globais (Dias, 2025b), as soluções propostas pelas grandes potências e corporações tendem a privilegiar a expansão de infraestruturas tecnológicas — como parques eólicos, mineração de lítio e hidrogênio verde — sem garantir participação informada ou redistribuição justa dos benefícios. A justiça da transição não se define apenas pelo tipo de energia utilizada, mas, sobretudo, por quem controla, decide e usufrui dessa transformação. Isso implica reconhecer a transição energética como um campo de disputa política, no qual a forma de implementação importa tanto quanto os meios técnicos. Sem enfrentar as desigualdades territoriais, raciais e de classe que estruturam o acesso à energia e às decisões sobre seus rumos, a transição corre o risco de perpetuar — ou até aprofundar — as injustiças históricas da era dos combustíveis fósseis.

8. Conclusão: uma encruzilhada histórica

A COP30 não pode ser mais uma conferência marcada por anúncios performáticos, promessas não cumpridas e acordos sem mecanismos de responsabilização. Ser realizada no coração da Amazônia, num contexto de emergência climática e de grave retrocesso na cooperação internacional, a conferência representa uma encruzilhada histórica. Ou avança a fragmentação global, marcada pela sabotagem de potências como os Estados Unidos e pela hegemonia de soluções de mercado que aprofundam desigualdades, ou ganha força uma nova governança climática centrada na equidade, na ciência e nos direitos dos povos. A volta do negacionismo institucional com Trump, somada à ambivalência brasileira — que combina o discurso de liderança ambiental com a fragilização das políticas socioambientais no plano interno — exige uma resposta clara e ousada dos movimentos, dos governos comprometidos e das redes transnacionais de resistência.

A superação dos limites do atual sistema multilateral passa pela valorização de alianças Sul–Sul, pela democratização dos fluxos financeiros internacionais e pela reparação histórica dos danos acumulados sobre os povos que menos contribuíram para a crise. Exige também um novo protagonismo da sociedade civil global, dos povos indígenas, das juventudes e das cidades — que já demonstram capacidade de formulação, articulação e ação política em escala transnacional.

A Amazônia não pode ser reduzida a um símbolo diplomático ou a um cenário exótico para fotos oficiais. Trata-se de um território vivo, habitado, ameaçado, e com papel ecológico insubstituível na regulação climática planetária.

Proteger a Amazônia não é apenas uma escolha ética ou geopolítica: é uma condição de possibilidade para o futuro da humanidade.

REFERÊNCIAS

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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