Como as crenças religiosas influenciam a percepção das mudanças climáticas?
Crenças religiosas e crise climática: estudo revela impacto profundo da fé na percepção das mudanças climáticas
Um novo estudo, intitulado “Belief in divine (versus human) control of earth affects perceived threat of climate change” (Crença no controle divino (versus humano) da Terra afeta a percepção da ameaça das mudanças climáticas), de John V. Kane e Samuel L. Perry, publicado recentemente na npj Climate Action, revela como crenças religiosas específicas sobre quem controla o destino da Terra podem moldar a percepção pública sobre a seriedade das mudanças climáticas.
A pesquisa aponta que a ideia de que Deus, e não os humanos, detém o controle final sobre o clima do planeta, está ligada a um maior ceticismo em relação à crise ambiental e à necessidade de ação.
A teoria em foco: Deus no controle, menos preocupação humana
Os pesquisadores Kane e Perry propõem que se as pessoas acreditam que o futuro do clima da Terra está “nas mãos de Deus”, é provável que elas manifestem ceticismo em relação às alegações científicas de que o comportamento humano está levando o planeta a uma crise ambiental.
Em outras palavras, essa crença pode levar à ideia de que, se houver um problema real, uma entidade divina se encarregará dele, diminuindo a urgência de intervenção humana.
Estudo observacional: Dados nacionais dos EUA confirmam a conexão
Para testar essa teoria, os autores analisaram dados de uma pesquisa nacional de 2023 com 5.321 participantes. Eles focaram na variável independente que media o grau de concordância com a afirmação: “Deus não permitiria que os humanos destruíssem a Terra“. Os resultados foram notáveis:
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Houve uma diminuição estatisticamente significativa em vários indicadores relacionados ao clima à medida que os entrevistados concordavam mais com a ideia de controle divino.
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Observou-se uma queda de 6 pontos percentuais na escala de preocupação com as mudanças climáticas [14, 15a].
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A probabilidade de identificar as mudanças climáticas como uma “crise” diminuiu em 7,4 pontos percentuais [14, 15b].
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A crença de que os humanos estão causando as mudanças climáticas caiu em quase 10 pontos percentuais [14, 15c].
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O apoio à legislação para combater as mudanças climáticas também foi menor, embora com um efeito de menor magnitude (2,3 pontos percentuais de diminuição) [14, 15d].
É importante ressaltar que esses resultados se mantiveram consistentes mesmo após controlar por fatores demográficos, políticos e outras variáveis religiosas, como crenças de “domínio” ou “administração” ambiental.
Evidência causal: O experimento que mudou percepções
Para ir além da correlação e estabelecer uma ligação causal, os pesquisadores conduziram um experimento com 3.345 participantes. Neste estudo, os participantes foram aleatoriamente designados para ler artigos de notícias fictícios que manipulavam a crença sobre quem controla o clima da Terra: se Deus ou os humanos.
Os resultados experimentais confirmaram as hipóteses dos pesquisadores:
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Manipular a crença no controle de Deus (em comparação com o controle humano) reduziu a percepção da gravidade das mudanças climáticas e a necessidade de intervenção política.
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Essa manipulação também diminuiu a demanda por informações relacionadas ao clima da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) [2, 23, 24d]. As pessoas que acreditavam no controle divino estavam menos dispostas a buscar dados científicos sobre o clima [23, 24d].
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Os efeitos na preocupação e na busca por informações foram claros, embora os efeitos nas atitudes políticas específicas tenham sido mais fracos e menos consistentes, sugerindo que uma mudança na percepção da gravidade nem sempre se traduz diretamente em apoio a políticas de mitigação.
Implicações e o papel dos líderes religiosos
Este estudo contribui de forma significativa para a compreensão das atitudes dos cidadãos em relação às mudanças climáticas. Ele estabelece uma importante ligação causal entre uma crença religiosa fundamental e as atitudes sobre o clima nos EUA.
Os autores sugerem que essa crença também pode ajudar a explicar por que crenças escatológicas de “Fim dos Tempos”, que preveem a destruição final da Terra, predizem menor preocupação ambiental: a ideia subjacente pode ser que Deus, e não a humanidade, controla o futuro da Terra, tornando fútil qualquer tentativa humana de mudar o ambiente natural.
Os achados têm implicações cruciais, especialmente ao considerar a forte inter-relação entre identidades religiosas e políticas. Embora fatores partidários exerçam grande influência, o estudo indica que crenças religiosas fundamentais podem transcender as divisões partidárias e moldar percepções sobre as causas e a gravidade das mudanças climáticas.
Os pesquisadores sugerem que líderes religiosos, ao enfatizarem o papel crítico da humanidade na formação do futuro ambiental da Terra, podem ser capazes de aumentar a preocupação dos cidadãos com as mudanças climáticas. No entanto, é importante notar que esses efeitos podem ser menos pronunciados para grupos como os cristãos evangélicos/nascidos de novo, para quem as crenças teológicas e visões ambientais podem ser mais arraigadas.
A pesquisa destaca a necessidade de futuros estudos explorarem como a crença no controle divino é comunicada por líderes religiosos e em diferentes contextos globais, além de investigar por que as manipulações que afetam a percepção da gravidade das mudanças climáticas nem sempre se traduzem em apoio mais forte a políticas de mitigação.
Em suma, o estudo de Kane e Perry oferece uma nova perspectiva sobre a complexa relação entre fé, percepção e a crise climática, sublinhando que nossas crenças mais profundas sobre o controle do planeta podem ser um fator-chave na forma como enfrentamos – ou não – um dos maiores desafios do nosso tempo.
Referência:
Kane, J.V., Perry, S.L. Belief in divine (versus human) control of earth affects perceived threat of climate change. npj Clim. Action 3, 78 (2024). https://doi.org/10.1038/s44168-024-00163-9
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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