A transição religiosa no Brasil é heterogênea com vários pisos e diversos tetos
Análise exclusiva do Censo 2022 mostra a transformação do cenário religioso brasileiro: católicos caíram para 56,7%, evangélicos chegaram a 26,9%. Projeção indica possível mudança de hegemonia religiosa até 2049. Confira os dados completos
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O Brasil está passando por uma transição religiosa que se desdobra em quatro vetores: redução do percentual das filiações católicas, aumento das filiações evangélicas, crescimento do grupo sem religião e aumento do percentual das outras religiões.
Na média nacional, as filiações católicas representavam 95% da população brasileira em 1940, com 2,7% para os evangélicos, 1,4% para os sem religião e 0,9% para as outras religiões. Em 1991, as filiações católicas já tinham caído para 83,3%, com 9% de evangélicos, 4,6% dos sem religião e 3,1% das outras religiões. Em 2022, os números para os quatro grupos foram, respectivamente, 56,7%; 26,9%; 9,3% e 7,1%. A transformação do cenário religioso é inegável, embora haja diferentes ritmos de mudança.
Assim, a transição religiosa acontece de forma multifacetada nas diversas escalas geográficas. Nas cidades de Seropédica e Japeri os católicos que eram maioria no século passado, caíram para menos de 20%. Em Alto Caparaó (MG) os evangélicos, que eram minoria no século passado, subiram para mais de 60%.
Porém, a despeito da acelerada queda dos católicos e do rápido aumento dos evangélicos e dos outros dois grupos, há quem veja uma iminente interrupção destas tendências históricas. O sociólogo Paul Freston – importante estudioso do cenário religioso brasileiro – considera que a queda católica tem um limite mínimo em torno de 35% e a subida evangélica tem um limite máximo também em torno de 35%.
Ou seja, a transição religiosa brasileira teria um piso para os católicos e um teto para os evangélicos. Desta forma, a possibilidade de mudança de hegemonia entre os dois grandes grupos religiosos estaria descartada. Mas Freston concorda que existe uma tendência de aumento da pluralidade religiosa.
Mesmo que não haja mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos, haverá diferentes pisos e diversos tetos nas múltiplas escalas geográficas do país. Por exemplo, os evangélicos já ultrapassaram os católicos nos estados do Acre e de Rondônia e a razão entre evangélicos e católicos (REC) aumentou em todas as Unidades da Federação (UF) entre 1991 e 2010, conforme mostra a tabela abaixo.
No Acre havia 11,1 evangélicos para cada 100 católicos em 1991, passou para 29,9 em 2000, para 62,9 em 2010 e chegou a 114 evangélicos para cada 100 católicos em 2022. A REC no Acre foi multiplicada por 10 vezes em 31 anos. Foi a transformação mais rápida entre todas as UFs.
Houve também mudança de hegemonia em Rondônia (RO) com a REC passando de 29,3 em 1991, 47,3 em 2000, 71,1 em 2010 e 100,5 em 2022. O aumento da REC foi pouco mais de 3 vezes nos 31 anos em questão.
Os estados de Roraima (RR) e Amazonas (AM) tiveram evolução semelhante, passando de uma REC de pouco acima de 10% em 1991 para mais de 80% em 2022. Existe grande chance de os evangélicos superarem os católicos nestes dois estados até 2030. A região Norte continua apresentando mudanças aceleradas na transição religiosa.
O Rio de Janeiro e o Espírito Santo tinham uma REC acima de 20 evangélicos para cada 100 católicos em 1991, apresentaram um avanço acelerado até 2010 e houve uma desaceleração entre 2010 e 2022. São dois estados que devem ter uma REC acima de 100 até meados da próxima década. O mesmo pode ocorrer no Amapá (AP).
A REC do Brasil passou de 10,8 evangélicos para cada 100 católicos em 1991 e passou para 47,3 em 2022. Os demais estados acima da médica nacional estão na casa de 50 e 60 evangélicos para cada 100 católicos. Abaixo da média nacional, temos Pernambuco (PE), Paraná (PR) E Bahia (BA) com REC na casa de 40 pontos em 2022.
Há 10 UFs com REC abaixo de 40 evangélicos para cada 100 católicos, sendo que a menor REC permanece no Piauí (PI) que tinha uma proporção de 3,1 em 1991, 6,7 em 2000, 11,4 em 2010 e 20,1 evangélicos para cada 100 católicos em 2022. O estado do Piauí continua sendo o baluarte da força católica. De modo geral, a região Nordeste é aquela que apresenta a menor REC entre todas as grandes regiões.
O que mais chama a atenção nos dados é que as maiores diferenças entre 2022 e 2010 aconteceram nas UFs que tinham REC elevada. O gráfico abaixo apresenta a correlação entre a REC para o Brasil e as UFs e a diferença das RECs entre 2022 e 2010. A reta de tendência linear entre as duas variáveis indica que 72,65% da variabilidade das RECs entre 2022 e 2010 está diretamente associada aos valores mais altos da razão entre evangélicos e católicos em 2022.
Este gráfico sugere que não existe um piso para a queda das filiações católicas e nem um teto para o aumento das filiações evangélicas, pois o avanço da REC no último período intercensitário ocorreu em maior velocidade naquelas UFs que estavam mais avançadas na transição religiosa. Nas UFs com forte presença católica a mudança é mais lenta.
Ou seja, onde os católicos possuem maior proporção de filiações a queda é proporcionalmente menor e onde a proporção de católicos é baixa a queda é grande. Por exemplo, no Nordeste onde os católicos são fortes a mudança é pequena, mas na região Norte, onde os católicos são fracos a mudança é grande.
Desta forma, uma evidência de que não existe um piso fixo para a queda das filiações católicas é que, em 2022, existiam 4 municípios onde o percentual de católicos estava abaixo de 20%, existiam 48 municípios onde o percentual de católicos estava abaixo de 30% e 107 municípios onde os católico estavam abaixo de 35%. Por outro lado, o Brasil tinha, em 2022, 701 municípios onde os evangélicos tinham mais de 35% das filiações municipais.
Em 2022, no município de Arroio do Padre (RS) o percentual de católicos estava em apenas 2,8% e nos municípios de Japeri (RJ), Seropédica (RJ) e Cajati (SP) os católicos representavam cerca de 19% da população. Isto mostra que o piso católico é muito baixo nestas 4 cidades. A percentagem de evangélicos ficou em 88,7% em Arroio do Padre (RS) e acima de 70% nos municípios de Arabutã (SC), Santa Maria de Jetibá (ES), Laranja da Terra (ES), Senador Salgado Filho (RS) e Westfália (RS). Isto mostra que o teto evangélico é bem elástico.
Evidentemente, a média nacional não reflete a heterogeneidade nas outras escalas geográficas. O mais provável é que os evangélicos não ultrapassarão os católicos no Piauí. Mas ultrapassarão em outros locais como em estados da região Norte. O estado de São Paulo é chave, pois é o estado mais populoso do país. Os evangélicos já ultrapassaram os católicos em 24 municípios paulistas e avançam na região metropolitana, como no município de Itaquaquecetuba, onde são maioria relativa.
A tabela abaixo mostra que, em 1991, os evangélicos superavam os católicos em 16 municípios, que agregavam 213 mil habitantes. No ano 2000, os evangélicos superavam os católicos em 34 municípios com 336,7 mil habitantes. Em 2010, estes números passaram para 73 municípios e 4,48 milhões de habitantes. Em 2022, os evangélicos ultrapassaram os católicos em 245 municípios com um total de 13,7 milhões de pessoas.
Em síntese, a mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos já ocorreu em algumas escalas geográficas e a REC avançou em 99% das cidades brasileiras. Mas ao mesmo tempo os católicos continuam fortes e representam mais de 50% das filiações em quase 5 mil municípios. Há cerca de 1% dos municípios brasileiros onde os católicos avançam e os evangélicos recuam.
Portanto, a transição religiosa não será homogênea e deve seguir diferentes ritmos ao longo do tempo e do território nacional. Em alguns locais os católicos, mesmo diminuindo o peso histórico, devem manter maioria absoluta das filiações. Em alguns locais os evangélicos devem conquistar maioria absoluta das filiações e em outros devem conquistar maioria relativa. Não existe um sentido único ao falar em piso ou teto para os grupos religiosas diante da ampla diversidade geográfica brasileira.
Os dados do censo 2022, mesmo com suas diversas limitações, mostram que houve uma desaceleração da transição religiosa no Brasil entre 2010 e 2022, com os católicos caindo em ritmo menor e os evangélicos subindo em ritmo mais lento.
Tomando como base a variação percentual anual dos quatro grandes grupos entre 2010 e 2022, o gráfico abaixo apresenta uma projeção até o ano de 2049 quando as filiações evangélicas podem ultrapassar as filiações católicas se o ritmo da última variação intercensitária for mantida.
Nota-se que o percentual de católicos deve cair para 51,2% em 2030, para 44,3% em 2040 e para 38% em 2049. O percentual de evangélicos deve subir para 30,4% em 2030, para 34,7% em 2040 e para 38,6% em 2049. O percentual de pessoas que se declaram sem religião deve chegar a 12,5% em 2049 e o percentual das demais religiões deve chegar a 10,9% em 2049. A projeção abaixo não é uma profecia e nem um desejo. É apenas uma conta de o que poderia acontecer se as tendências entre 2010 e 2022 forem mantidas.
A mudança nacional na hegemonia entre os dois grandes grupos religiosos pode ocorrer antes ou depois de 2049, dependendo do ritmo da transição religiosa. Mas não custa reafirmar que os evangélicos já ultrapassaram os católicos em dois estados e em 245 municípios, que acumulam 13,7 milhões de habitantes. Este processo deve se ampliar nas próximas décadas. Os evangélicos devem ultrapassar os católicos em um número cada vez maior de municípios, embora os católicos tendam a continuar majoritários em outras tantas cidades.
Os dados divulgados do censo 2022 não possibilitam uma análise definitiva sobre a transição religiosa no Brasil. Novas pesquisas serão necessárias para se traçar um quadro mais amplo do cenário atual e das perspectivas futuras. O debate está aberto e é preciso mais tempo para se analisar todos os aspectos da transição religiosa no maior país católico do mundo.
Mas a constatação mais relevante, independente se haverá ou não mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos, é que o Brasil está ficando mais plural e diverso em termos religiosos e deve ampliar esta pluralidade nas próximas décadas.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED et al. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242 http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/112180/130985
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.
https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf
ALVES, JED. A transição religiosa no Brasil: 1872-2049, Ecodebate, 09/06/2025
https://www.ecodebate.com.br/2025/06/09/a-transicao-religiosa-no-brasil-1872-2049/
ALVES, JED. Transição religiosa em Japeri (RJ) e no Brasil, Ecodebate, 16/06/2025
https://www.ecodebate.com.br/2025/06/16/transicao-religiosa-em-japeri-rj-e-no-brasil/
ALVES, JED. Chuí: da fronteira geográfica à fronteira da secularização no Brasil, Ecodebate, 02/07/2025
ALVES, JED. Cresce a pluralidade religiosa nas capitais brasileiras entre 1991 e 2022, Ecodebate, 23/06/2025 https://www.ecodebate.com.br/2025/06/23/cresce-a-pluralidade-religiosa-nas-capitais-brasileiras-entre-1991-e-2022/
ISER. Censo 2022: reflexões sobre religiões e sociedade. Debate com José Eustáquio Alves e Paul Freston, mediado por Christina Vital, 03/07/2025 https://www.youtube.com/watch?v=GvbtBA1jxnk
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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