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Chuí: da fronteira geográfica à fronteira da secularização no Brasil

 

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A cidade de Chuí, no Rio Grande do Sul, sempre foi famosa por estar no extremo sul do Brasil, sendo o município mais meridional do país, na fronteira com o Uruguai, com uma população em torno de 6 mil habitantes. Mas depois dos resultados do censo demográfico de 2010,

Chuí ficou conhecida por ser uma cidade brasileira com maioria absoluta de pessoas que se declararam sem religião.

O gráfico abaixo mostra que as filiações católicas representavam 42,5% da população da cidade de Chuí no ano 2000, percentagem bem superior às filiações evangélicas (de somente 6,8%) e também superior à percentagem do grupo sem religião (38,5%), assim como superior ao grupo das outras religiões (12,2%).

Mas, em 2010, o grupo sem religião com percentual de 54,2% superou os católicos com 22,4%, os evangélicos com 7,5% e as outras religiões com 15,8%. O município de Chuí se tornou a cidade mais secularizada do país. Os dados do censo 2022 mostram que houve uma redução percentual do grupo sem religião e uma certa recuperação das filiações católicas, mas com predomínio do grupo sem religião. Os evangélicos registraram apenas 7,4% e as outras religiões registraram 19,2%.

percentual de católicos evangélicos sem religião e outras religiões em Chuí rs

A situação demográfica religiosa incomum em Chuí, com uma porcentagem maior de pessoas sem religião do que católicos e outras religiões, e um percentual muito baixo de evangélicos, pode ser explicada por uma combinação de fatores, principalmente ligados ao seu status de cidade fronteiriça e ao contexto histórico e cultural do Uruguai.

Chuí faz fronteira com o Uruguai, um país conhecido por ser o mais secular da América Latina. O Uruguai tem uma longa história de políticas de secularização sancionadas pelo Estado, que culminaram na separação formal entre Igreja e Estado em 1916. Isso resultou em uma parte significativa de sua população se identificando como sem afiliação religiosa. Dada a proximidade direta de Chuí e os fortes laços culturais e sociais com o Uruguai (eles até compartilham uma avenida principal e falam “Portuñol”), é altamente provável que essa influência secular se espalhe para o lado brasileiro da fronteira.

Embora não tão pronunciado quanto no Uruguai, o Rio Grande do Sul geralmente apresenta uma porcentagem maior de pessoas sem religião em comparação com a média nacional brasileira. Isso pode ser devido a uma combinação de padrões de imigração europeia (alguns países europeus têm fortes tradições seculares) e desenvolvimentos históricos regionais.

Cidades fronteiriças frequentemente possuem perfis demográficos únicos devido ao constante movimento e intercâmbio cultural. Chuí, especificamente, tem uma população diversa, incluindo uma notável presença de pessoas de ascendência árabe, particularmente palestinos, muitos dos quais são muçulmanos, especialmente no lado uruguaio. Embora isso contribua para “outras religiões”, não explica diretamente a alta porcentagem de “sem religião”. No entanto, a diversidade geral e a fluidez de um ambiente fronteiriço podem contribuir para uma paisagem religiosa menos rigidamente definida.

A menor porcentagem de evangélicos em Chuí, em comparação com outras partes do Brasil, pode ser uma consequência da forte influência secular do Uruguai e, possivelmente, de um padrão histórico de assentamento que favoreceu outras denominações ou afiliações não religiosas. O evangelismo tem crescido significativamente no Brasil nas últimas décadas, mas esse crescimento pode ser menos pronunciado em áreas fortemente influenciadas pela cultura mais secular do Uruguai.

Em essência, a paisagem religiosa de Chuí é um microcosmo da intersecção cultural entre Brasil e Uruguai, onde o secularismo profundamente enraizado do Uruguai desempenha um papel significativo na formação das demografias locais.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED et al. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242

http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/112180/130985

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.

https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf

ALVES, JED. A transição religiosa no Brasil: 1872-2049, Ecodebate, 09/06/2025

https://www.ecodebate.com.br/2025/06/09/a-transicao-religiosa-no-brasil-1872-2049/

ALVES, JED. Transição religiosa em Japeri (RJ) e no Brasil, Ecodebate, 16/06/2025

https://www.ecodebate.com.br/2025/06/16/transicao-religiosa-em-japeri-rj-e-no-brasil/

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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