Mudança climática compromete o desenvolvimento de crianças no Brasil
Uma nova publicação lança luz sobre os impactos da crise climática no desenvolvimento de bebês e crianças na primeira infância (0 a 6 anos).
O documento “A primeira infância no centro da crise climática”, produzido pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), compila evidências que demonstram como as mudanças no clima e a intensificação de eventos extremos afetam diretamente a saúde, nutrição, aprendizado e bem-estar infantil no Brasil.
Por Luana Rodriguez
Estima-se que 40 milhões de crianças e adolescentes brasileiros enfrentam ao menos um risco climático, sendo que 1,1 milhão sofre com a escassez de água. Globalmente, quase 1 bilhão de crianças vivem em áreas ameaçadas por eventos extremos.
O cenário é agravado pelo aumento na frequência e intensidade dos eventos climáticos no Brasil. Dados mostram um salto expressivo, passando de 1.779 eventos em 2015 para 6.772 em 2023. Ondas de calor, chuvas torrenciais, secas prolongadas e incêndios florestais impõem riscos significativos, em especial para quem está no começo da vida. Uma projeção indica que crianças nascidas em 2020 viverão, em média, 6,8 vezes mais ondas de calor e 2,8 vezes mais inundações de rios e perdas de safra ao longo da vida do que aquelas nascidas em 1960.
“A ciência já nos mostra que a primeira infância é um período crítico para o desenvolvimento humano. Os impactos da crise climática em uma fase tão delicada do desenvolvimento podem comprometer capacidades físicas, cognitivas e emocionais por toda a vida”, afirma Marcia Castro, professora e chefe do departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard e uma das coordenadoras da publicação. “São as crianças pequenas e, em especial, as que já vivem em alguma situação de vulnerabilidade que estão mais expostas aos riscos. Isso evidencia ainda mais as desigualdades e traz a urgência de colocar a primeira infância no centro do debate climático”, completa.
Impactos no desenvolvimento e desigualdades
Estresse tóxico e prejuízos à saúde mental, perda de moradia, deslocamentos forçados e o aumento de doenças infecciosas são apenas alguns dos impactos diretos da crise climática na vida das crianças na primeira infância.
Os riscos envolvem também perdas agrícolas e insegurança alimentar, acesso menor a educação de qualidade e cuidados com a saúde, morte precoce, entre outros.
Esses efeitos são desproporcionalmente sentidos por populações vulneráveis, como crianças negras, indígenas e moradoras das regiões Norte e Nordeste do Brasil, reflexo do racismo ambiental potencializado ainda mais pela pobreza.
O Brasil tem cerca de 18,1 milhão de crianças na primeira infância. Dessas, 8,1 milhões vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza. Além disso, 37,4% das crianças brasileiras de 0 a 4 anos (uma em cada três) vivem em situação de insegurança alimentar, o maior índice entre todas as faixas etárias. Ao todo, 5,4 milhões de crianças até 4 anos enfrentam algum grau de insegurança alimentar.
A crise climática também intensifica vulnerabilidades e afeta as relações familiares, comprometendo o desenvolvimento infantil. A perda de renda e o deslocamento forçado dificultam a frequência escolar. No país, mais de 4 milhões de pessoas foram desalojadas por eventos climáticos extremos entre 2013 e 2023. Nas enchentes do Rio Grande do Sul em 2024, 580 mil pessoas foram desalojadas e mais de 3.930 crianças de 0 a 5 anos foram acolhidas em abrigos públicos.
Crianças deslocadas ainda enfrentam maiores riscos: em abrigos temporários, a incidência de doenças diarreicas é 34% superior à média nacional, e a desnutrição aguda é até 2,5 vezes mais frequente. Projeções indicam também que, até 2050, cerca de 216 milhões de pessoas poderão ser forçadas a migrar devido ao clima, sendo aproximadamente 40% desse contingente composto por crianças.
Impactos na educação
A educação infantil também é diretamente afetada pela crise climática, que prejudica a concentração das crianças e destroem a infraestrutura escolar. “Não podemos esquecer que, em momentos de crise, as escolas viram abrigos as aulas são interrompidas. Sem aulas, as desigualdades educacionais aumentam ainda mais”, pondera Castro.
Apenas em 2024, cerca de 1,18 milhão de crianças e adolescentes tiveram as aulas suspensas no Brasil, principalmente por alagamentos. Nas enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo, estima-se que 55.749 horas-aula foram perdidas na educação básica, com prejuízos materiais estimados em R$ 2,36 bilhões.
Vale ressaltar que a falta de acesso a espaços verdes nas escolas é uma realidade: 43,5% das escolas de educação infantil em capitais brasileiras não possuem áreas verdes, índice que sobe para 52,4% nas escolas localizadas em favelas e comunidades urbanas.
Políticas pública de prevenção
Segundo a publicação, é fundamental investir em proteção imediata, adaptação, infraestrutura e serviços resilientes para minimizar esses impactos.
“Proteger a primeira infância diante da emergência climática não é uma escolha, é uma prioridade. Precisamos de políticas públicas urgentes, baseadas em evidências, que considerem as desigualdades sociais e coloquem bebês e crianças no centro das estratégias de adaptação e prevenção”, defende Alicia Matijasevich, professora associada do Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da USP, também coordenadora do working paper.
Recomendações incluem fortalecer a atenção primária à saúde, modernizar saneamento, promover agroecologia e agricultura familiar integrada a programas de transferência de renda, estabelecer espaços seguros para acolhimento infantil em deslocamento, fortalecer saúde mental infantil, priorizar reassentamento digno, criar zonas climatizadas em creches (bairros densos podem ser 5°C mais quentes, escolas podem não ter áreas verdes), capacitar educadores e promover a escuta e participação das crianças na prevenção.
Nota da Redação: Sobre o mesmo tema sugerimos que leia, também:
Extremos climáticos marcarão a vida de crianças em todo o mundo
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]