Omissão das políticas públicas agrava os impactos climáticos
Análise da desigualdade climática por trás das tragédias e a necessidade de amparo legal e habitacional para os mais atingidos.
Um olhar aprofundado nas tragédias climáticas revela que, além da natureza, a omissão governamental e a fragilidade da Defesa Civil deixam milhões de brasileiros vulneráveis. É urgente dotar o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil de recursos e estrutura para prevenção e resposta, protegendo as populações mais afetadas pela desigualdade climática.
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Por Henrique Cortez
Eventos climáticos extremos, como furacões, tempestades, terremotos e inundações, afetam o mundo inteiro.
No entanto, enquanto em muitos países essas tragédias resultam principalmente em prejuízos materiais, no Brasil elas frequentemente causam centenas de mortos, em sua maioria cidadãos pobres que residem em áreas de risco.
A tragédia em Petrópolis, em fevereiro de 2022, que causou muitas mortes, é citada como um exemplo. Mais recentemente, as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul expuseram novamente a urgência de ações diante da crise climática, após o estado ter enfrentado quase 10 eventos extremos em menos de um ano.
Apesar da tendência de culpar a natureza, uma análise mais aprofundada revela uma “crueldade social” subjacente a essas tragédias, apontando para a falta de políticas públicas e a incompetência dos governos em todos os níveis para prevenir tais ocorrências.
A raiz do problema reside na ausência de políticas públicas abrangentes que incluam geração de emprego e renda, projetos habitacionais, educacionais e de saúde, e melhoria dos transportes.
Essa carência leva famílias pobres a ocupar ilegalmente áreas de risco para construir suas moradias, frequentemente em favelas que se formam pela necessidade de estar perto de locais de trabalho e serviços essenciais negados em áreas mais distantes.
Além da falta de políticas, os gestores públicos cometem o “crime de omissão” ao não fiscalizar e impedir essas ocupações, permitindo que comunidades cresçam em áreas de alto risco sem ordenação, saneamento básico ou planos de prevenção e controle de catástrofes. Essa omissão persiste pois, muitas vezes, a preocupação é apenas que a tragédia não ocorra durante o próprio mandato.
Infelizmente, até o momento, inexistem no Brasil dispositivos legais que permitam ao judiciário penalizar a administração pública por tais tragédias, obrigando a realocação de comunidades para locais seguros ou o ressarcimento às famílias das vítimas.
Essa lacuna legal existe porque os próprios políticos não apresentam ou aprovam leis que possam puni-los por descaso e omissão. Ser pobre no Brasil, neste contexto, significa estar privado de serviços básicos e ser “invisível” aos olhos dos políticos, que só visitam essas áreas em busca de votos a cada dois anos, com falsas promessas, e se escondem quando as tragédias acontecem.
Um levantamento sobre planos diretores em capitais brasileiras reforça a carência de políticas públicas urbanas para desastres naturais.
Uma pesquisa analisando 26 planos diretores de capitais constatou que apenas 10 (24%) tratam efetivamente de políticas públicas para desastres. No que diz respeito a reassentamentos ou realocações devidos a desastres, somente 7 capitais mencionaram o direito à moradia em seus planos diretores (17% das legislações analisadas).
A jurisprudência nos tribunais superiores ainda não apresenta um debate consolidado sobre o direito à moradia das vítimas de desastres, garantido constitucionalmente.
A situação é agravada pelas mudanças climáticas, que aumentam a frequência, intensidade e duração dos eventos climáticos extremos. Há evidências científicas de que as mudanças climáticas já influenciam ondas de calor, secas, chuvas intensas e ciclones tropicais, projetando-se que esses eventos se tornarão mais frequentes e severos com o aquecimento global.
A água é o principal meio pelo qual sentimos os impactos climáticos, com riscos relacionados à água dominando os desastres em termos de custos humanos e econômicos nos últimos 50 anos. Chuvas torrenciais, por exemplo, carregam cada vez mais a “pegada” da mudança climática, pois a atmosfera mais quente retém mais umidade, aumentando o risco de inundações.
Os impactos desses eventos na população incluem mortes, ferimentos, deslocamentos, migrações, prejuízos econômicos, problemas de saúde e conflitos sociais.
Em 2022, cerca de 8 milhões de pessoas foram afetadas diretamente por desastres naturais no Brasil, incluindo vítimas de estiagens, desalojados, desabrigados e vítimas fatais. O Brasil está entre os países com grande vulnerabilidade às crises climáticas.
Para enfrentar esse desafio, é imperativo investir mais na adaptação às mudanças climáticas. Uma maneira crucial de fazer isso é fortalecer os sistemas de alerta precoce de múltiplos perigos.
Diante da crescente ameaça e da vulnerabilidade exposta, especialmente das populações mais pobres, torna-se urgente que o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil seja dotado de recursos orçamentários adequados e de uma estrutura capilarizada que alcance estados e municípios de forma eficaz.
Essa estrutura é fundamental para atuar na prevenção e reação aos desastres climáticos, garantindo o planejamento, a prevenção, a proteção e a recuperação. Investir em infraestrutura resiliente e desenvolver planos de emergência são passos cruciais para promover um futuro mais seguro.
Em suma, as recorrentes tragédias climáticas no Brasil, que afetam desproporcionalmente os mais pobres, são um choque de realidade que exige ser encarado.
Além da necessária redução de emissões de gases de efeito estufa, a adaptação aos impactos já em curso é essencial.
Isso passa necessariamente pela implementação de políticas públicas urbanas sérias e eficazes, que garantam o direito à moradia digna longe de áreas de risco, e por um Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil robusto, presente em todo o território nacional, com capacidade real de proteger as populações mais vulneráveis e mitigar os danos de eventos que tendem a se tornar cada vez mais frequentes e intensos.
A ação conjunta de governos, empresas e sociedade civil é fundamental para enfrentar este desafio global, que já nos afeta cotidianamente.
Referências:
- Extremos climáticos sempre afetam os mais pobres
- Faltam políticas públicas urbanas para desastres naturais no Brasil
- Impactos dos eventos climáticos extremos na população e na economia
- Riscos climáticos aumentam e cobram preço humano e econômico
- Tragédia Climática no Rio Grande do Sul: Lições de um Desastre
Henrique Cortez, jornalista e ambientalista. Editor do EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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