A queda da fecundidade e o pronatalismo conservador e ecocida
O mundo tem enfrentado o pronatalismo antropocêntrico e ecocida que não pensa na perda da biodiversidade e na extinção de espécies
“Populações grandes e em crescimento são boas para uma coisa: guerra” – Andrew McKillop
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O mundo está passando por uma ampla transição demográfica, que significa redução das taxas de mortalidade e fecundidade. Depois de milhares de anos com prevalência de elevadas taxas vitais houve uma primeira grande conquista social que foi a redução da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida.
As pessoas passaram a sobreviver em maior proporção nos primeiros anos de vida e conquistaram maior longevidade. A transição da alta para a baixa mortalidade foi fundamental para impulsionar o bem-estar individual, mas também para o desenvolvimento econômico e social. Também foi essencial para a segunda conquista que foi a redução das taxas de fecundidade, pois com a maior sobrevivência das crianças, os casais puderam diminuir o número de filhos para atingir o tamanho ideal da família.
Os gráficos abaixo, da Divisão de População da ONU mostram a taxa de fecundidade e a população global entre 1950 e 2100. O gráfico do painel da esquerda mostra que a taxa de fecundidade total (TFT) estava em torno de 5 filhos por mulher em meados do século passado, caiu para 2,25 filhos por mulher em 2025, deve atingir o nível de reposição de 2,1 filhos por mulher em 2050, devendo chegar em 2100 com 1,84 filho por mulher.
Desta forma, a população mundial que era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 chegou a 8,1 bilhões de habitantes em 2025, deve atingir o pico de 10,3 bilhões de habitantes em 2085, para iniciar um processo de decrescimento, com uma leve queda para 10,2 bilhões de habitantes em 2100, conforme mostra o gráfico abaixo, no painel da direita.
Portanto, o mundo terá um acréscimo de cerca de 2 bilhões de pessoas entre 2025 e 2100, segundo a projeção média da Divisão de População da ONU (revisão 2024). Evidentemente, esta projeção global é uma média, segundo que muitos países já apresentam decrescimento populacional, enquanto outros continuam apresentando altas taxas de crescimento demográfico. Desta forma, a probabilidade de a população mundial ser maior do que a população de 2025 é de mais de 95%.
No entanto, o livro “Empty Planet: The Shock of Global Population Decline”, dos jornalistas canadenses Darrell Bricker e John Ibbitson (2019), contesta as previsões da Divisão de População da ONU que apontam que a população mundial vai continuar crescendo (mesmo que em ritmo menor) ao longo do século XXI, devendo alcançar 11,2 bilhões de habitantes em 2100.
Os autores argumentam que a população mundial em breve começará a declinar, remodelando dramaticamente a paisagem social, política e econômica do mundo. Eles dizem que, ao longo da história, o despovoamento foi o produto de catástrofes: eras glaciais, pragas, o colapso das civilizações, etc. Porém, na contemporalidade, o declínio da população deve ocorrer em função da regulação da fecundidade e da menor demanda por filhos, que ocorre em função da urbanização, menor religiosidade das famílias, empoderamento das mulheres, enfim, em decorrência do desenvolvimento econômico e social.
Embora os autores considerem que uma população global menor trará consigo uma série de benefícios (tais como salários mais altos; bons empregos estimulando a inovação; menor risco de fome; vantagens para o meio ambiente, etc.), eles realçam o lado negativo e as rupturas que a depopulação pode provocar. O envelhecimento populacional (com o respectivo aumento da razão de dependência demográfica) e a redução do volume da população em idade de trabalhar são os desafios mais evidentes.
Todavia, os dois autores (que não são demógrafos) apostam em um cenário de projeção com um pico populacional abaixo dos 9 bilhões, em meados do atual século e um declínio nas décadas seguintes. Embora este cenário seja uma das possibilidades indicadas pelas projeções da ONU, não é a alternativa mais provável, pois enquanto a população da Europa, da América Latina e da Ásia deve apresentar redução na segunda metade do século, a população da África deve ter um crescimento muito expressivo, compensando a queda nas demais regiões.
Portanto, o argumento do livro “Empty Planet” não retrata de forma consistente o conhecimento demográfico sobre o futuro da população mundial. Mas mesmo que a população global se estabilize em 9, 8 ou 7 bilhões de habitantes, seria difícil sustentar a ideia de que o Planeta estará vazio com tanta gente. Visões acadêmicas diferenciadas é normal no mundo científico e, geralmente, não causam muitos danos. Porém, este tipo de política pronatalista pode ser danosa quanto passa a influir nas políticas públicas.
Atualmente, as principais vozes pronatalistas estão nas forças políticas da extrema direita. Nos EUA há três líderes no governo americano que estão verbalizando a luta pronatalista e contra os direitos sexuais e reprodutivos. Apesar das promessas de campanha de Trump de não atacar a liberdade reprodutiva, ele não perdeu tempo usando seus poderes executivos para restringir os direitos sexuais e reprodutivos. Na primeira semana de ataques de Trump à liberdade reprodutiva já mostrou as verdadeiras intenções de sua administração: proibir o aborto em todo o país e reverter o acesso à assistência médica reprodutiva por qualquer meio necessário.
Artigo de Olivia Nater (12/02/2025) mostra que o esforço distópico do governo Trump por mais nascimentos desconsidera as preferências e escolhas das pessoas sobre o tamanho da família. Uma pesquisa abrangente da organização sem fins lucrativos Population Connection e Lake Research Partners lançou luz sobre o declínio das taxas de natalidade, revelando que os americanos têm uma preferência estabelecida por famílias pequenas e que as preocupações com o estado do mundo e as finanças desempenham um grande papel nas decisões de procriação das pessoas. Mas infelizmente, o governo Trump tem um histórico terrível nesses tipos de políticas pronatalistas e a pressão assustadora de seus membros por mais nascimentos está cada vez mais parecendo ‘The Handmaid’s Tale’.
Segundo Marian Starkey: “Esses pronatalistas de extrema direita claramente não se importam com o bem-estar das crianças e dos pais. Eles são movidos pela ganância e pelo nacionalismo e só querem um suprimento infinito de bebês para abastecer nossa economia profundamente insustentável, reforçar as fileiras militares e combater a diversificação étnica e racial da imigração”.
O vice-presidente dos EUA, JD Vance tem feito campanha contra a taxa de fecundidade em declínio nos Estados Unidos. Na campanha presidencial de 2024 ele chamou a candidata Kamala Harris e outras mulheres sem filhos de “childless cat ladies”. Vance sugeriu que pessoas sem filhos deveriam pagar impostos mais altos do que pessoas que têm filhos.
O bilionário Elon Musk – que até o momento é pai de 14 filhos – tem dito que “o colapso populacional devido às baixas taxas de natalidade é um risco muito maior para a civilização do que o aquecimento global”. Ele defende políticas pronatalistas e diz que pretende mandar, no médio prazo, pelo menos 1 milhão de pessoas para Marte.
Outro bilionário Jeff Bezos – um dos homens mais ricos do Planeta e dono da Amazon e do jornal Washington Post – quer que a humanidade se reproduza e gere 1 trilhão de humanos para colonizar o Universo. São duas as razões para tal: a primeira é que o ser humano é tão inteligente e tecnologicamente capaz que não pode se limitar a morar em um Planeta periférico que orbita uma estrela de 5ª grandeza; a segunda é que a Terra, além de ser finita, mais cedo ou mais tarde, vai se tornar inabitável e a humanidade necessita arrumar um novo lar para viver e se reproduzir indefinitivamente. (Alves, 15/12/2021).
Na Europa, governos populistas de direita assumiram a liderança da luta pronatalista. Na Hungria, Viktor Orbán está gastando cerca de 5% do PIB nas políticas para aumentar a fecundidade. Em discurso de grande repercussão, Orbán disse: “Em toda a Europa, há cada vez menos crianças, e a resposta do Ocidente a isso é a migração. Eles querem que entre tantos migrantes quanto crianças desaparecidas, para que os números se somem. Nós, húngaros, temos uma maneira diferente de pensar. Em vez de apenas números, queremos crianças húngaras. Migração para nós é rendição”.
Desta forma, alguns dos grandes bilionários das big techs e líderes políticos da extrema direita têm defendido o pronatalismo e o familismo. No passado, o crescimento da população e da economia foi incentivado pelas religiões, pelas famílias, pelo patriotismo e pelas instituições governamentais. Agora são os setores mais conservadores que defendem o papel tradicional da mulher na família e incentivam o alto número de filhos.
Contudo, diversos indicadores mostram que a humanidade ocupa espaço demais na Terra e está destruindo os ecossistemas.
Segundo a Global Footprint Network, a Pegada Ecológica global supera a biocapacidade em 71%, ou seja, as atividades antrópicas estão consumindo 1,71 planeta, pois os humanos estão vivendo acima de “suas posses”, recorrendo ao “cheque especial ambiental”. Ao mesmo tempo, o crescimento demoeconômico dos últimos 80 anos tem provocado um caos climático e uma aceleração do aquecimento global que é uma ameaça existencial à civilização humana.
Segundo a WWF, no relatório Planeta Vivo 2024, o estado atual da biodiversidade do planeta está pior do que nunca. O Índice Planeta Vivo (LPI) registra alterações na abundância relativa das populações de espécies vertebradas selvagens ao longo do tempo. A abundância relativa refere-se à taxa de mudança das populações de animais selvagens ao longo do tempo, independentemente do tamanho dessa população. As populações podem conter muitos indivíduos ou pouquíssimos: ao medir a mudança na abundância relativa, o LPI rastreia a tendência média em vez de aumentos ou reduções do número total de indivíduos.
Apesar de 30 anos de intervenções políticas para conter a perda da natureza, os declínios mostrados em relatórios anteriores continuam. O LPI global 2024 mostra uma diminuição de 73% entre 1970 e 2020, o que representa um declínio médio anual de 2,6% ( segundo a figura 1.4 mostrada abaixo). Isso significa que, ao longo de 50 anos, o tamanho das populações de animais selvagens monitoradas reduziu, em média, em quase três quartos. Quase 35.000 tendências populacionais e 5.495 espécies estão incluídas no LPI. Esses dados são coletados em locais de monitoramento em todo o mundo e incluem populações que estão aumentando, diminuindo ou estabilizadas ao longo do tempo.
Portanto, sob o domínio do fundamentalismo de mercado e do conservadorismo moral nas questões reprodutivas, o mundo tem enfrentado o pronatalismo antropocêntrico e ecocida que não pensa na perda da biodiversidade e na extinção de espécies e diante da ameaça de colapso ambiental da Terra, vendem a ilusão de uma colonização de outros planetas e do universo.
Contudo, é preciso defender as áreas anecúmenas e respeitar os direitos da natureza, garantindo a solidariedade entre as espécies, para a convivência pacífica da biodiversidade da Terra. Só existe um planeta habitável e todo o esforço deve ser no sentido de evitar uma Terra inabitável.
Referencias:
ALVES, JED. 1 trilhão de pessoas para colonizar o universo, Ecodebate, 15/12/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/12/15/1-trilhao-de-pessoas-para-colonizar-o-universo/
Darrell Bricker, John Ibbitson. Empty Planet: The Shock of Global Population Decline, February 2019 https://www.amazon.com/Empty-Planet-Global-Population-Decline/dp/0771050887
Olivia Nater. Trump administration’s dystopian push for more births disregards people’s family size preferences and choices, Population Connection, February 12, 2025
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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