Ideologia política define confiança na ciência climática, aponta estudo global
Pesquisa em 26 países mostra que alinhamento político interfere na credibilidade dada à ciência em países como Brasil, EUA, Alemanha e Japão
Estudo mostra que a descrença na ciência climática cresce entre os eleitores de direita e pode dificultar a adoção de políticas ambientais urgentes
Um novo estudo publicado no Journal of Environmental Psychology reforça o que muitos já suspeitavam: a confiança nas evidências científicas sobre as mudanças climáticas está profundamente ligada às ideologias políticas.
Intitulada “Trust in Climate Scientists is Associated with Political Ideology: A 26-Country Analysis” (“Confiança em Cientistas do Clima Está Associada à Ideologia Política: Uma Análise em 26 Países”), a pesquisa analisou mais de 50 mil respostas de cidadãos de diferentes partes do mundo e concluiu que posicionamentos políticos influenciam fortemente o grau de confiança na ciência climática.
Os resultados mostram que, em diversas nações, especialmente nos países ocidentais mais industrializados, pessoas com posicionamentos ideológicos à direita tendem a confiar menos nos cientistas do clima. Já aqueles alinhados à esquerda ou ao centro demonstram níveis significativamente mais altos de confiança.
A implicação desse achado é profunda: em tempos de crise climática, a descrença seletiva nas evidências científicas pode minar políticas públicas urgentes e retardar ações coletivas necessárias para conter o aquecimento global.
📊 Box: O que revelou o estudo internacional
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Título do estudo: Trust in Climate Scientists is Associated with Political Ideology: A 26-Country Analysis
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Publicação: Journal of Environmental Psychology (2025)
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Método: análise estatística de dados de mais de 50 mil indivíduos em 26 países, com controle para variáveis como escolaridade, idade e renda.
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Países analisados: EUA, Brasil, Reino Unido, Alemanha, França, Japão, Canadá, Austrália, Espanha, Itália, México, Polônia, Argentina, África do Sul, entre outros.
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Achado central: indivíduos com ideologia de direita ou conservadora tendem a confiar menos em cientistas do clima, especialmente em países com forte polarização política.
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Variação entre países:
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Alta associação entre ideologia e confiança: EUA, Austrália, Canadá, Reino Unido
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Média associação: Brasil, Alemanha, Japão, Itália
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Baixa associação: África do Sul, México, Argentina, Espanha
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Polarização política e clima: um problema global
O estudo não se limita aos Estados Unidos – país onde a polarização política sobre o tema é notoriamente intensa. A análise comparativa entre 26 países permite observar como esse fenômeno se manifesta em diferentes contextos culturais, econômicos e institucionais.
Segundo os autores, a associação entre ideologia política e confiança na ciência climática tende a ser menor em países com menor polarização partidária e onde a questão ambiental é tratada como pauta de interesse comum, não de disputa ideológica.
Por que a confiança importa?
Confiança é um elemento-chave para a aceitação pública das evidências científicas e para a disposição em apoiar políticas ambientais. Quando indivíduos desconfiam dos cientistas, é mais provável que rejeitem dados sobre o aquecimento global, subestimem os riscos e resistam a medidas como a redução do uso de combustíveis fósseis.
O papel da mídia e dos líderes políticos
A pesquisa também destaca o papel da mídia e de figuras públicas na formação das percepções sobre a ciência climática. Quando líderes políticos desacreditam a ciência ou promovem teorias conspiratórias, a desconfiança tende a se espalhar entre seus eleitores.
No Brasil, por exemplo, o negacionismo climático ganhou espaço durante o governo Bolsonaro, com ataques a dados oficiais e ao trabalho de instituições como o INPE.
Caminhos possíveis: educação e comunicação estratégica
Combater o ceticismo climático não se resume a divulgar dados. É preciso compreender os filtros ideológicos pelos quais as pessoas os interpretam. A comunicação científica precisa ser estratégica, empática e adaptada aos diferentes públicos.
Educação ambiental, reforço ao letramento científico e valorização das instituições de pesquisa são caminhos para restaurar a confiança pública – e ampliar o apoio social a ações para mitigar as mudanças climáticas.
O desafio da ação coletiva
A crise climática exige colaboração entre governos, cientistas e cidadãos. No entanto, a polarização política pode bloquear esse consenso. O estudo publicado no Journal of Environmental Psychology deixa claro: reconstruir a confiança na ciência é tão urgente quanto reduzir as emissões.
Em um mundo onde a ideologia molda a percepção dos fatos, restaurar o papel da ciência como base comum da ação coletiva será decisivo para enfrentar o maior desafio do século.
Referência:
Remsö, Amanda, Justus Schmidt, Sandra J. Geiger, Bojana Većkalov, Živa Krajnc, Isobel Laughton, Mariam Shavgulidze, et al. 2024. “Trust in Climate Scientists Is Associated with Political Ideology: A 26-country Analysis.” OSF Preprints. March 25. doi:10.31219/osf.io/dvczr_v1
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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