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Brasil em alerta enquanto vírus H5N1 avança em rebanhos dos EUA

 

foto de granja

Brasil enfrenta risco silencioso com avanço da gripe aviária H5N1. Maior exportador de frango do mundo tem vigilância eficiente, mas exige segurança de recursos orçamentários

 

Enquanto a pesquisa da Escola de Saúde Pública da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY) revela que estadunidenses não enxergam a gripe aviária como ameaça significativa, o Brasil enfrenta um cenário de risco peculiar: é simultaneamente um dos países com melhor sistema de vigilância contra o vírus H5N1 e um dos mais vulneráveis economicamente caso uma epidemia se concretize.

A complacência identificada nos Estados Unidos, onde apenas 31% dos cidadãos demonstram preocupação com a possibilidade de transmissão generalizada do vírus, acende um alerta para o contexto brasileiro, que possui o maior rebanho comercial de aves do mundo e é líder global em exportação de frango.

Vulnerabilidade econômica e sanitária

O Brasil mantém até o momento seu status de país livre de gripe aviária de alta patogenicidade em criações comerciais. Entretanto, casos em aves silvestres já foram detectados em diversos estados brasileiros desde 2023, e a atual disseminação do vírus H5N1 em gado leiteiro nos EUA representa um novo desafio para o sistema de vigilância nacional.

“A adaptação do vírus a mamíferos, como ocorre agora com o gado leiteiro americano, é um desenvolvimento preocupante que altera o perfil de risco global”, explica o Dr. Paulo Brandão, virologista da Faculdade de Medicina Veterinária da USP. “Para o Brasil, isso significa que precisamos repensar nossos protocolos de monitoramento, que tradicionalmente focavam apenas em aves.”

De acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), o Brasil exportou mais de 4,5 milhões de toneladas de carne de frango em 2024, gerando receitas de aproximadamente US$ 8 bilhões. Um surto de H5N1 poderia devastar esse setor e provocar perdas bilionárias.

O paradoxo da comunicação de risco

O estudo da CUNY destaca um problema universal na comunicação de risco: como alertar sem alarmar. Esse dilema é particularmente relevante para o Brasil, onde autoridades sanitárias buscam equilibrar a necessidade de transparência com o risco de pânico injustificado que poderia afetar o consumo interno e as exportações.

“Há um receio compreensível de que informações sobre casos de gripe aviária, mesmo em aves silvestres, possam ser mal interpretadas por parceiros comerciais ou consumidores”, observa a Dra. Mariana Campos, pesquisadora em comunicação de risco da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Entretanto, esse receio não pode comprometer a transparência necessária para uma resposta eficaz.”

A pesquisa americana mostra que 65% dos entrevistados desconheciam o surto atual de gripe aviária em fazendas leiteiras e 78% não estavam cientes do primeiro caso humano associado ao consumo de leite não pasteurizado. Paralelamente, levantamentos informais sugerem que a população brasileira também tem pouca informação sobre os riscos atuais do H5N1.

Vigilância brasileira: eficiente, mas ameaçada?

O Brasil é reconhecido internacionalmente pela eficiência de seu sistema de vigilância sanitária para doenças aviárias. O Plano de Contingência para Influenza Aviária e Doença de Newcastle, desenvolvido pelo MAPA, é considerado um modelo na América Latina.

“Nossa capacidade de detecção precoce e resposta rápida a possíveis focos de gripe aviária é robusta”, afirma o Dr. Roberto Soares, auditor fiscal federal agropecuário do MAPA. “Monitoramos constantemente as rotas migratórias de aves silvestres e mantemos vigilância ativa em propriedades comerciais.”

Entretanto, especialistas alertam que a complacência pública e política, similar à observada nos EUA, poderia comprometer este sistema no médio prazo. Cortes orçamentários, relaxamento de protocolos e a chamada “fadiga de vigilância” após anos de atenção à COVID-19 são riscos reais.

O risco de transmissão para humanos no contexto brasileiro

A recente confirmação do primeiro caso humano de H5N1 associado ao consumo de leite não pasteurizado nos EUA adiciona uma nova dimensão de preocupação. Embora o consumo de leite cru seja menos comum no Brasil do que nos Estados Unidos, existe um nicho de mercado crescente para produtos artesanais que podem não seguir processos adequados de pasteurização.

“Há uma romantização do consumo de produtos ‘naturais’ e ‘direto da fazenda’ que pode aumentar o risco de exposição a patógenos como o H5N1, caso o vírus chegue ao nosso rebanho leiteiro”, alerta a Dra. Fernanda Ramos, médica veterinária e especialista em saúde pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Além disso, a proximidade entre pequenas propriedades rurais e áreas de preservação no Brasil facilita o contato entre aves domésticas e silvestres, criando potenciais pontos de entrada para o vírus.

Preparação e resposta brasileira

Diferentemente dos Estados Unidos, onde a resposta à gripe aviária é compartilhada entre diversas agências federais, no Brasil o MAPA centraliza as ações de vigilância e controle em animais, com apoio do Ministério da Saúde para casos humanos.

Esta centralização pode representar uma vantagem em termos de coordenação, mas também um risco caso recursos insuficientes sejam alocados para a vigilância do H5N1. O estudo da CUNY sugere que a baixa percepção pública sobre a ameaça pode se traduzir em menor pressão política para financiamento adequado das ações de vigilância.

“Precisamos garantir que a vigilância para o H5N1 não perca prioridade no orçamento público”, defende o Dr. Luiz Antonio Sangioni, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária. “O custo de prevenção é sempre muito menor que o de controle de um surto estabelecido.”

Lições da pandemia de COVID-19

A pesquisa da CUNY evidencia um fenômeno preocupante: a experiência com a COVID-19 aparentemente não aumentou a vigilância pública para novas ameaças virais. Pelo contrário, muitos desenvolveram uma “fadiga pandêmica” que os torna menos receptivos a alertas sanitários.

No Brasil, especialistas observam tendência similar. “Existe uma percepção equivocada de que já passamos pelo pior com a COVID-19 e que outras ameaças virais não seriam tão graves”, comenta o Dr. Marcelo Burattini, infectologista e epidemiologista da UNIFESP. “No entanto, o H5N1 tem potencial de letalidade muito superior ao SARS-CoV-2.”

A taxa de mortalidade do H5N1 em humanos é de aproximadamente 50%, significativamente mais alta que a da COVID-19. Embora a transmissão entre humanos ainda seja rara, o vírus tem demonstrado capacidade de adaptação a novos hospedeiros, aumentando o risco de mutações que poderiam facilitar sua disseminação.

Necessidade de equilíbrio entre alerta e alarmismo

A análise do estudo da CUNY aplicada ao contexto brasileiro sugere a necessidade de uma abordagem equilibrada: alertar sem causar pânico desnecessário. A comunicação de risco deve ser clara, transparente e baseada em evidências, fornecendo ao público informações precisas sobre o status atual da gripe aviária e as medidas de prevenção adotadas.

“O Brasil tem um dos sistemas de vigilância sanitária mais eficientes do mundo para doenças aviárias, mas a manutenção desse sistema depende também do engajamento público e político”, conclui o Dr. Brandão. “A complacência identificada nos EUA deve servir como um alerta para não repetirmos o mesmo erro.”

Para o Brasil, país que ocupa posição de liderança global na produção e exportação de proteína animal, a vigilância contra o H5N1 não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de segurança econômica e alimentar. A lição central do estudo da CUNY para o contexto brasileiro parece clara: subestimar ameaças emergentes pode ter consequências graves, e a melhor defesa continua sendo a vigilância informada e constante.

Referência:

Rachael Piltch-Loeb, Katarzyna Wyka, Trenton M. White, Shawn G. Gibbs, Sara Gorman, Ashish Joshi, Spencer Kimball, Jeffrey V. Lazarus, John J. Lowe, Kenneth Rabin, Scott C. Ratzan, and Ayman El-Mohandes:

The American Public’s Disengagement With Highly Pathogenic Avian Influenza (HPAI): Considerations for Vaccination and Dietary Changes

American Journal of Public Health 0, e1_e5, https://doi.org/10.2105/AJPH.2025.308080

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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