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Artigo

A alma das árvores

 

Foto de árvore de grande porte
Foto: EBC/ABr

Ensaio de Rosângela Trajano

Na alma das árvores há generosidade. Elas dão sombra mesmo a quem nunca lhes disse bom-dia. Oferecem frutos a quem passa, abrigo a passarinhos, cura a quem souber colher com respeito.

As árvores não apenas vivem: elas sentem. Elas amam com um coração de criança inocente. Em cada dobra de casca, em cada raiz entranhada no solo, pulsa uma memória antiga, mais velha que a linguagem humana. Dizer que as árvores têm alma pode soar como delírio aos ouvidos racionais, mas quem já se deitou sob a sombra de uma mangueira em silêncio absoluto sabe – há algo ali, algo que observa sem olhos, que escuta sem ouvidos, que fala sem palavras.

Elas recebem nossas dores, aflições, mágoas e tristezas. Por mais quietas que fiquem desconfiam de que algo não está bem em nós e tentam nos confortar dando-nos frutos e sombra como uma verdadeira mãe cuida de nós. As árvores são aquelas mães em quem podemos nos aninhar em seus braços certos de que estamos seguros e podemos nelas confiar.

A alma das árvores não grita. Ela sussurra. Fala com o vento que passa pelas folhas, com o tempo que molda seus troncos tortos, com a chuva que desce como carícia. É uma alma paciente, que sabe esperar – cem, duzentos anos, se for preciso – até que o mundo aprenda a escutá-la.

E com essa paciência ela nos espera durante toda a sua vida por um abraço, uma palavra de carinho, uma lágrima ou um riso sincero que possa tocar os seus cinco sentidos e despertar emoções que só elas podem sentir, porque verdadeiramente os seus espíritos sabem mais coisas do que os nossos e guardam segredos mais profundamente do que os homens cheios de problemas e estresses.

Cada árvore guarda dentro de si uma espécie de oração. O jequitibá que resistiu ao machado, a figueira que abraça as pedras, o ipê que explode em flores amarelas antes que tudo morra de calor. Elas carregam os segredos da terra, testemunhas silenciosas da passagem dos homens. Os troncos são arquivos. As raízes, guardiãs. As copas, templos.

A alma das árvores traz na sua essência o resíduo do tempo passado, das linhas tortas escritas por algum velho ou criança largado num parque, a dor da saudade de suas irmãs que foram derrubadas pelas mãos dos homens e assim como nós humanos elas sentem a dor da perda, a dor da distância e da injustiça. E se pudessem julgar os homens o que fariam conosco? Quem sabe elas não fizessem nada a não ser nos dar amor, pois são tão bondosas e cheias de compaixão que seriam incapazes moverem um dedo para nos ferir.

E quando os seus cuidadores partem – os que regavam, os que falavam com elas, os que liam as nuvens junto às folhas – elas sentem falta. As árvores sentem a ausência. Murcham em silêncio. Esperam. Porque a alma das árvores é feita de espera e memória. Quando deixamos de cuidar delas, não apenas cortamos uma vida vegetal: rasgamos uma relação ancestral.

Sim, quando os seus cuidados partem fica uma saudade em seus troncos e folhas que vai murchando tudo e se desfolhando mostrando que sua alma chora a lembrança de quem tanto tempo cuidou dela com carinho e amor. É por isso que quando a minha mãe viaja a árvore da minha casa costuma ficar meio tristonha por mais que eu fale com ela, porém a minha mãe é a sua cuidadora e ambas guardam afetos que só elas compreendem, eu sou apenas mais uma estranha para a árvore que vez ou outra chega à janela da casa.

Na alma das árvores há generosidade. Elas dão sombra mesmo a quem nunca lhes disse bom-dia. Oferecem frutos a quem passa, abrigo a passarinhos, cura a quem souber colher com respeito. Não pedem nada em troca, exceto o tempo – e esse, os homens parecem ter desaprendido a oferecer.

Olhar para uma árvore deveria ser um exercício de humildade. Não há arrogância na árvore, nem pressa. Ela se move no tempo de antes do tempo, e sua alma nos lembra que há outros ritmos, outras formas de ser no mundo. Talvez por isso seja tão difícil entendê-las.

Mas quem já se sentou à beira de uma árvore e se permitiu ouvir com o corpo inteiro, sabe: elas têm alma, sim. E ela pulsa com a força do mundo que ainda pode ser salvo. E a sua alma é tão bela que não vive de rancores, mágoas ou ódio. Ela prega a paz entre os homens, é cuidadosa, respeita as diferenças e aninha as minorias em seus braços protegendo principalmente as pessoas em situação de rua, as crianças abandonas e perdidas ou os idosos que não têm para onde ir. Cada alma de uma árvore tem o seu perfume único e misterioso que misturado aos outros forma aquele ar gostoso de respirar no meio da floresta.

Rosângela Trajano, Colunista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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