Aquecimento Global: Alexandre Costa comenta a previsão decadal do United Kingdom Meteorological Office
Bomba, bomba? Realmente a vida real é por demais dinâmica, para seguir à risca certos planejamentos. Volto, portanto, a “furar a fila” das temáticas a serem abordadas neste blog e, nesta postagem, venho priorizar a recém-anunciada “revisão” da previsão decadal do United Kingdom Meteorological Office (UKMO ou Met Office). O que tem acontecido é que negadores têm espalhado por aí que o instituto britânico estaria “prevendo menos aquecimento” ou até mesmo “admitindo que o mundo não aquecerá”. Evidentemente trata-se de mais uma farsa a ser devidamente desmontada. Infelizmente, é possível até que canais de informação de boa qualidade sobre a questão ambiental e climática se deixem levar equivocadamente por parte desse discurso. Por exemplo, o Portal Ecodebate reproduziu matéria da BBC que se de um lado nada tem a ver com a desonestidade de certos órgãos da mídia (como a Fox News norte-americana), do outro confunde alguns conceitos e não esclarece os pontos que devia, deixando margem a uma impressão errônea em relação ao que de fato está acontecendo.
Imagine que você dispõe de um par de dados comuns, desses nos quais contamos a pontuação pelo números em cada face e para os quais, a princípio, a probabilidade de qualquer face cair voltada para cima é a mesma. O tempo equivale ao que acontece se fizermos um único lançamento. Pode dar 5. Pode dar 9. Pode dar 11. Na verdade, pode dar qualquer número entre 2 e 12. Se o jogador lançar os dados como manda o figurino, o desfecho do lançamento é, na prática, imprevisível, certo? Mas o que seria o análogo ao clima? Seria uma sucessão de lançamentos, o que nos permitiria lidar com probabilidades, com situações mais ou menos prováveis. Façam uma experiência. Lancem um par de dados um grande número de vezes e anotem o resultado após cada lançamento e depois calcule a média. É grande a chance de encontrar um valor próximo de 7, quanto maior for o número de vezes que o par de dados for lançado, ainda que não saibamos quantos pontos iremos obter em cada lançamento individualmente. Isso é o clima.
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| Supercomputador do National Center for Atmospheric Research, nos EUA |
E de um ano para o outro, será que isso continua valendo? Podemos checar isso facilmente. Na tabela que mostrei neste texto e que reproduzo novamente aqui ao lado, fica evidente que não. Afinal, 2011 foi mais frio que 2010 e isso não significa nada. Da mesma forma, 2004 foi mais frio que 2003 e 2007 foi mais frio que 2006. Evidentemente não podemos levar esse raciocínio adiante indefinidamente, para escalas de tempo cada vez mais longas. Mas até onde podemos ir? A resposta está exatamente na escala decadal.
Quando se fala de aquecimento global, fala-se de tendências de longo prazo, para além da escala decadal. Se tomarmos uma década isoladamente, ainda podemos cair numa das armadilhas favoritas dos negadores: a fraude de dizer que “o aquecimento global desapareceu” e que “as temperaturas se estabilizaram”. No entanto, tipicamente os institutos de meteorologia assumem que períodos de mais do que uma década (a Organização Meteorológica Mundial recomenda 30 anos) são longos o suficiente para suavizar essas flutuações de curto e médio prazos. Na figura ao lado, está representada a evolução, ao longo do tempo, das anomalias de temperatura média global. Qualquer pessoa no pleno exercícios de suas faculdades mentais (ou menos que isso) pode perceber uma evidente tendência de aquecimento no período (de 40 anos). Mas se pegarmos pequenos períodos de menos de uma década (escolhidos a dedo, diga-se de passagem) poderíamos realmente, como evidenciado através das retas azuis decrescentes na figura sair por aí dizendo que “o mundo está resfriando”? Em outro de meus textos anteriores, mostrei, através de gráficos simplificados, idealizados, como oscilações naturais e o aquecimento antrópico se somam, dando a sensação, durante períodos de alguns anos, de estagnação e, em outros, de rápido aquecimento.
“As previsões decadais são concebidas especificamente para prever flutuações no sistema climático a partir do conhecimento do clima atual e da variabilidade multianual dos oceanos.
Pequenas flutuações ano-a-ano como aquelas que se vê no prazo mais curto de previsões de cinco anos são esperadas devido à variabilidade natural do sistema climático e não tem impacto sustentado no aquecimento de longo prazo.
Neste caso, mudanças nas temperaturas da superfície em algumas partes do mundo ao longo do ano passado ofereceram uma contribuição-chave para as diferenças entre as previsões de 2011 e 2012, mas outros fatores também tiveram seu papel.
Projeções em escala de séculos são menos sensíveis à variabilidade natural e as atualizações da previsão decadal em 2012 não dizem nada sobre as projeções de mudança climática para o século vindouro.”
O ritmo de aquecimento é ditado, na verdade, pelo desequilíbrio energético, isto é, pela diferença entre a energia que entra no sistema climático e a que sai. Em função do aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, está entrando mais energia no sistema climático do que saindo e essa concentração só tem aumentado num ritmo cada vez mais acelerado. De 1971 a 2010, foram nada menos que 273 bilhões de trilhões de Joules. Para se ter uma idéia, a explosão da Bomba de Hiroshima liberou 52 trilhões de Joules, então o aquecimento planetário nas últimas 4 décadas equivaleu à explosão de mais de 5 bilhões de bombas atômicas como a “Little Boy”, o que é uma energia maior do que a que seria liberada se todo o arsenal nuclear da humanidade tivesse sido detonado. De ano para ano ou de poucos anos em poucos anos, o calor acumulado pode ser usado em maior proporção para aquecer porções profundas do oceano; em outros, para derreter o gelo, sem grandes impactos sobre a temperatura na superfície. Em outros, esse calor flui em maiores proporções dessas outras componentes do sistema climático para a atmosfera.
Portanto, a previsão da Met Office obviamente não só não “desmonta a farsa do aquecimento global” como querem os negadores mais tresloucados, mas sequer é uma “boa notícia” como aparentemente quiseram enxergar setores da imprensa e mesmo do ambientalismo. As únicas “boas notícias” pelas quais podemos – não esperar, mas lutar – são o estabelecimento de um acordo global para reduzir as emissões, seguida de uma desaceleração no crescimento das concentrações de CO2. Sem isso, o “ritmo” do aquecimento global não diminuirá num passe de mágica. E a “bomba, bomba” dos negadores, assim como o tiro no pé com o vazamento do AR5, não passa de outro traque…
Alexandre Costa, Fortaleza, Ceará, Brazil, é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.
Artigo indicado pelo Autor e originalmente publicado em seu blogue pessoal [O que você faria se soubesse o que eu sei?] e republicado pelo EcoDebate, 11/01/2013
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