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Comentários sobre logística reversa, artigo de Roberto Naime

 

[EcoDebate] A nova lei que estabelece a política nacional de resíduos sólidos (Lei 12.305) é um diploma de princípios e diretrizes mais do que de procedimentos. Leis lembram o judiciário, e é verdade. E nosso judiciário está extremamente condicionado à normas expressas minuciosamente por literalidades. As escolas de direito se esmeram em discutir que as normas só são aplicáveis mediante caracterização de suporte fático. E operadores de direito do setor privado se esmeram em contorcionismos filológicos e gramáticos para tentar descaracterizar aplicabilidade de suporte fático a condutas específicas de pessoas físicas ou jurídicas.

Acontece que uma política nacional não tem como especificar procedimentos. Deve se manter na generalidade dos princípios e diretrizes. Portanto aumenta o trabalho e a responsabilidade de todos os envolvidos na questão e não apenas do judiciário.

Não é mais possível aplicar a hermenêutica retrospectiva, patologia crônica do judiciário brasileiro. Interpretar de forma que o diploma se pareça cada vez mais com legislações ou princípios superados pela realidade social.

Todos de certa forma comemoram a Lei 12.305, porque se chegou a um consenso de redação depois de quase duas décadas no legislativo que todos consideraram adequado. O Art 30 explicita a responsabilidade compartilhada. Não é possível que o setor privado consiga imaginar que responsabilidade compartilhada ocorra apenas se o setor público tomar a iniciativa de disciplinar procedimentos. O Art 33 explicita a logística reversa para agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e produtos eletro-eletrônicos. Ninguém pode imaginar que o setor público tenha que produzir uma normatização para operacionalizar este princípio.

Os planos integrados de gerenciamento de resíduos sólidos são um momento muito propício para que entes governamentais e agentes privados empresariais e da sociedade, compartilhem o mesmo espaço de discussão e construam as alternativas próprias e específicas capazes de atender as peculiaridades das realidades locais.

O conceito de logística reversa está presente há bastante tempo no meio empresarial, mas não é unânime, tem sido construído conforme os interesses e características dos envolvidos (DE BRITTO e DEKKER, 2002). Termos como canais reversos e fluxos reversos, já são citados na literatura desde a década de 70 do século passado, mas agora ganham refinamento teórico (ZIKMUND e STANTON, 1971, GUILTINAN e NWOKOYE, 1974 e FULLER, 1978).

Logística reversa é uma expressão bem ampla e genérica, que em seu sentido mais amplo significa todas as operações relacionadas com a reutilização de produtos ou materiais. Mas a idéia é se concentrar em todos os conceitos que traduzam fluxos reversos, ou seja todos os que fluem em sentido inverso ao da cadeia direta do consumo, objetivando agregar valor de diversas naturezas por meio da reintegração dos componentes ou materiais a ciclos produtivos, originais ou diversos (DIAS e TEODÓSIO, 2006).

Logística reversa é planejar, controlar e operar o controle do fluxo de informações logísticas de pós venda e de pós consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo por meio dos canais de distribuição reversos, agregando valor ecológico, econômico e social e conferindo sustentabilidade ao conjunto (MIGUEZ et al, 2007).

O reuso, a reciclagem, a recuperação e o gerenciamento de resíduos contribui para diminuir o uso de recursos naturais que muitas vezes são não renováveis reduzindo ou eliminando a ocorrência de impactos ambientais (CARTER e ELLRAM, 1998).

Em marketing ou engenharia de produção engloba a terminologia de “closed-loop supply channel” (KRIKKE, et al, 2003). Ou seja cadeia de suprimentos em circuito fechado. Assim a gestão das cadeias produtivas não se encerra na venda e entrega do produto mas inclui a análise do ciclo de vida do produto, com sua possível e provável reintegração na cadeia produtiva (GEYER e JACKSON, 2004).

Não é exagerado concluir que a inclusão da logística reversa teve a concordância tácita ou explícita porque o futuro do capitalismo enxerga sustentabilidade em uma reflexão estratégica, onde a logística reversa é uma fase do processo que resulte em melhoria da competitividade. Não basta pensar em reduzir impostos ou salários, tem que reaproveitar materiais, economizar matérias-primas, produzir economia de água e energia e gerar inclusão social com geração de emprego, ocupação, renda e absorção social integral (ROGERS e TIBBEN-LEMBKE, 1999).

A logística reversa cresceu e hoje se destaca na medida que se integrou no apoio à análise do ciclo de vida do produto (BERTHIER, 2003). Passou a ser um dos objetivos operacionais da logística moderna. Não é por acaso que não se observam mais transportadoras que não tenham agregado o conceito integral de logística à suas operações.

Portanto quando a lei fala em compartilhamento, cristaliza uma tendência da sociedade atual (DEMAJOROVIC,1995) e o compartilhamento da gestão da logística reversa é uma tendência. Tanto o setor público quanto o empresarial devem entender como uma grande oportunidade que se abre. Do setor público atuar obtendo melhores resultados que significa melhor qualidade de vida para as populações. Do setor privado agregar valor viabilizando a integração com cadeias produtivas que geram sustentabilidade e renda para os materiais e por consequência para os negócios em geral. A lei genérica e de princípios abre exatamente espaço para que cada comunidade se organize segundo suas peculiaridades específicas no setor governamental, no setor privado e na participação social comunitária para a obtenção da melhor sinergia possível da institucionalização local da gestão compartilhada.

Quem tem a autoridade para instituir sistemas acordados e organizados é o setor público. Quem tem “expertise” para incluir os resíduos gerados é o setor produtivo, dentro da mais ampla conceituação de ciclo de vida de produto, dentro do qual a logística reversa é apenas uma parte importante, e quem se compromete a contribuir para o sucesso da operação, além do setor público e das empresas, é a sociedade. É sempre muito melhor que este processo se insira num conjunto de procedimentos de educação ambiental, mas deve ser implantado de qualquer forma.
Ou ocorre a educação ambiental adequada e prévia ou a educação ambiental se desenvolve durante a prática cotidiana das ações, quando pode ser mais problemática e menos eficiente, mas também ocorre.

Múltiplos atores são envolvidos nas cadeias de logística reversa e nenhum conseguirá se organizar individualmente para a obtenção de resultados satisfatórios. É a sinergia do conjunto formado por normas, organização e investimentos que obtém resultados, considerando que a maior parte dos materiais de uma maneira ou de outra acabam se constituindo em cadeias de reciclagem com sustentabilidade. O alcance de bons resultados depende de ações anteriores, como coleta seletiva específica ou usinas de triagem e retorno a processos de reutilização ou reciclagem.

Dias e Teodósio (2006) citam dados importantes para analisar a potencialidade que está se descortinando. Somente nas regiões metropolitanas do Brasil são 15 milhões de domicílios, 50 milhões de habitantes e 6 bilhões de embalagens do tipo PET ao ano.

Somente com a ação conjunta de governos em todas as esferas, organizações não-governamentais, setores sociais organizados, universidades e empresas em geral é que são obtidos ganhos de escala representados pela sinergia da ação conjunta.

Todos os materiais tem uma lógica de ciclo de vida, após devem ser inseridos em cadeias de reutilização ou reciclagem que geram economia ambiental, geração de ocupação e renda com intangível retorno de inclusão social de forma organizada e sistêmica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTHIER, H. C. Garbage, work and society. Resources, Conservation and Recycling, n 39 p 193-210, 2003.
CARTER, C. R. e ELLRAM, L. M. Reverse logistics: A review of literature and framework for future investigation. International Journal of Business Logistics, 19(1) 85-102, 1998.
DE BRITTO, M. P. e DEKKER, R. Reverse logistics: a framework . Econometric Institute Report El. 2002-38 Erasmus University Rotterdam. The Netherlands 2002.
DEMAJOROVIC J. Da política tradicional de tratamento do lixo à política de gestão de resíduos sólidos. Revista de Administração de Empresas. São Paulo. EAESP. FGV. V 35, n 3, p 88-93, mai-jun, 1995.
DIAS, S. L. F. G. e TEODÓSIO, A. S. S. Estrutura da cadeia reversa: “caminhos” e “descaminhos” da embalagem PET. Produção v 16, n 3, p 429-441, Set/Dez 2006.
FULLER, D. A. Reciclyng consumer solid waste: a commentary on selected channel alternatives. Journal of Business Research v 6 n 1 p 41-43, January, 1978.
GEYER, R. e JACKLSON, T. Supply loops and their constraints: the industrial ecology of recycling and reuse. California Management Review v 46 n 2, Winter, 2004.
GUILTINAN, J. P. e NWOKOYE, N. Reverse channels for recycling: an analisys of alternatives and public policy implications. American Marketing Association Proceedings n 36, p 341-346, Spring and Fall, 1974.
KRIKKE, H. R. et al. Concurrent Product and Closed-Loop Supply Chain Design with an Application to Refrigerators. Internation Journey of Production Research, 41 (16), p 3689-3719, 2003.
MIGUEZ, E., MENDONÇA, F. M. e VALLE, R. A. B. Impactos ambientais, sociais e econômicos de uma política de logística reversa adotada por uma fábrica de televisão – um estudo de caso. XXVII Encontro Nacional de Engenharia de Produção. Foz do Iguaçu, PR, Brasil, anais, 2007.
ROGERS, D. S. e TIBBEN-LEMBKE, R. S. Going backwards: reverse logistic trends and practices. University of Nevada. Reno, 1999.
ZIKMUND, W. G e STANTON, W. T. Recycling solid wastes: a channel of distribution problem. Journal of Marketing v 35 n 3 p 34-39, July, 1971.

Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 05/04/2012

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