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Reforma cultural, artigo de Montserrat Martins

[EcoDebate] Há coisas que a gente se acostuma a ouvir desde criança, como a discussão de que se tem de escolher entre o “futebol bonito” e o “futebol objetivo”. Até que surge alguém capaz de subverter essa regra, o que vem fazendo Leandro Damião, capaz de decidir jogos sozinho (como já fez o Renato Portaluppi), em que a beleza do lance (a bicicleta, por exemplo) não é enfeite, mas o modo necessário para fazer o gol. Damião, assim, subverte uma cultura antiga. O momento de aparente equilíbrio econômico do Brasil, em contraste com as crises na Europa e nos Estados Unidos, também desafia convicções culturais seculares, de um povo colonizado que se acostumou com um sentimento de inferioridade e de auto-desvalia, recheado a piadas sobre sua própria indolência.

Crenças que não correspondem às estatísticas sobre a carga horária de trabalho, comparadas com as de outros países. O que as pessoas pensam sobre o seu país, sobre a região onde moram e sobre si mesmas influi em sua conduta. Especialistas lembram que economia também é comportamento, inclusive. E todos nós sabemos que não adianta haver leis escritas que não são cumpridas, assim como há “leis não-escritas” que são seguidas à risca em certos lugares.

Está em pauta agora a reforma política, importante para aperfeiçoar as instituições. Mas é difícil rebater um argumento surgido nos debates sobre esta, de que mesmo com 1 bilhão de verbas públicas que seriam destinados ao financiamento público de campanhas, não estaríamos livres da corrupção. É necessária uma discussão exaustiva, mesmo, sobre o melhor regramento para que a representação política seja preservada ao máximo da corrupção. Mas não há como fugir da questão cultural que – em qualquer ordenamento jurídico e político – se impõe como uma realidade a ser enfrentada.

Uma discussão séria sobre o aperfeiçoamento do sistema, aliás, não pode evitar uma discussão profunda sobre o papel do Tribunal de Contas do Estado (TCE) como fiscal do uso das verbas públicas. O vice-presidente do Centro de Auditores Públicos Externos do TCE-RS, Amauri Perusso (entrevistado pelo site Sul 21), diz que não há neutralidade nos julgamentos, porque o preenchimento de vagas para o órgão é feito em forma de “rateio entre partidos”. Do modo que é hoje, “o TCE se torna um braço avançado do parlamento e contamina os julgamentos”. Como a maioria do conselho é formada por indicados do governo e da Assembleia, foram aprovadas as contas do governo passado, mesmo com gastos mais de 30% em publicidade sem autorização legislativa, sendo que os percentuais para a saúde e educação, previstos em lei, não foram cumpridos.

Rio de Janeiro e Paraná evoluíram para a publicação de um edital pela Assembleia Legislativa, no qual o cidadão que se disponha para a vaga pode se apresentar para ser sabatinado pelos parlamentares, um passo para um maior controle público na composição do TCE. Não faz sentido que na maioria dos Estados (especialmente no Rio Grande do Sul, que se acredita tão “politizado”) apenas parlamentares possam fazer indicações. A justificativa deste “status quo” é tão frágil quanto dizer que “sempre foi assim”. Tradição não é motivo para manter sistemas que vem sendo ineficazes para enfrentar o mau uso das verbas públicas. E se é essa a nossa “cultura” política, então está na hora de uma reforma cultural.

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 26/08/2011

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Alexa

One thought on “Reforma cultural, artigo de Montserrat Martins

  • Mesmo que a reforma política não represente a imediata extinção da corrupção eleitoral, certamente será, desde o início, um grande passo no sentido de sua redução.
    Não devemos nos preocupar com garantia total, e sim em criar mecanismos que gerem dificuldade à prática de tal corrupção, o que, acreditamos, culminará na redução do número de ocorrências, e permitirá que, no futuro, o aprimoramento do processo nos aproxime da corrupção zero. Nisto dá para acreditar. Só não devemos ficar assistindo, de braços cruzados.

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