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Belo Monte: desmoralização pública e internacional do governo brasileiro, artigo de Telma Monteiro

De cima de sua arrogância e autoritarismo o governo está assistindo à própria desmoralização pública e internacional, pois sem máscaras ficou vulnerável.

[EcoDebate] No final de 2010 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) recebeu uma petição contra a usina de Belo Monte com três pedidos de Medidas Cautelares. Assinaram em apoio 34 organizações brasileiras.

A petição descreve as irregularidades do processo de licenciamento de Belo Monte e principalmente a ausência da consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas da bacia do Xingu. Os peticionários pediram que fosse suspenso imediatamente o processo de licenciamento, que fosse interrompida as atividades do Estado brasileiro ou de terceiros e que fossem respeitados os direitos humanos das pessoas e comunidades da região afetada.

O governo brasileiro se pronunciou, finalmente, em 17 de março. Ao que tudo indica (ainda não está disponível) as justificativas não foram convincentes e a CIDH emitiu uma Medida Cautelar em primeiro de abril. No documento, a comissão solicita ao Estado brasileiro que suspenda imediatamente o processo de licenciamento de Belo Monte e que cessem as intervenções no local até que sejam observadas quatro condições:

1. Cumprimento da obrigação de realizar consultas conforme a Convenção sobre Direitos Humanos;

2. Garantia de que sejam dadas informações acessíveis aos povos indígenas com tradução nos respectivos idiomas;

3. Adoção de medidas vigorosas e abrangentes para proteger a vida e integridade pessoal dos povos indígenas em isolamento voluntário, da bacia do Xingu;

4. Adoção de medidas vigorosas para prevenção de doenças e epidemias entre os povos indígenas, em decorrência da migração.

Essas quatro condições resumem os fatos que comprovam as violações dos direitos humanos por parte do governo e suas instituições no processo de licenciamento de Belo Monte. A Medida Cautelar da CIDH é um avanço importante na luta que a sociedade civil vem travando contra a implantação de projetos hidrelétricos na Amazônia.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão e a presidente Dilma Rousseff têm ignorado sistematicamente tudo aquilo que foi produzido por especialistas, pesquisadores e organizações não governamentais ao longo dos últimos anos. Pareceres, análises que serviriam para esclarecer suas excelências sobre um projeto social e ambientalmente falido como o de Belo Monte. A Funai, Aneel, Ana, Epe seguem na mesma linha, acompanhados de perto pelas empresas estatais e privadas do setor elétrico que apostam na contrainformação.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) soltou uma nota lamentável que transforma indígenas em não indígenas e atribui a si o fato de o projeto de Belo Monte ter sido alterado para preservar as terras indígenas. É lamentável o displante de um órgão que tem o papel de defender os direitos dos povos indígenas vir a público para desqualificar uma comissão internacional criada exatamente para que a sociedade lançasse mão dela quando todos os caminhos tivessem sido barrados.

A sociedade tem assistido estarrecida à falta de justiça do judiciário brasileiro quando o assunto é uma das megaobras do PAC e de interesse exclusivo das empreiteiras. O governo em nota informou que a CIDH deveria aguardar que as instâncias jurídicas no Brasil fossem esgotadas, mas esqueceu que essas instâncias são dominadas pelo Estado brasileiro, com seu exército de advogados pagos a peso de ouro na Advocacia Geral da União (AGU). Esgotar as instâncias jurídicas nesse caso é certeza de não ter a priori o direito às decisões justas. É perder antecipadamente.

As decisões liminares contra Belo Monte, estão sendo desmontadas uma a uma pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região presidido pelo desembargador federal Olindo Menezes. Quaisquer que sejam os argumentos de defesa da AGU, eles são acatados pelo TRF1. O julgamento definitivo das onze ações que tramitam no judiciário, provavelmente, só acontecerá depois que Belo Monte já estiver pronta. Corroborando a justiça do fato consumado.

Outras manifestações igualmente lastimáveis se sucederam como a da ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que considerou a decisão precipitada ou a do presidente do Senado, José Sarney, que se disse “perplexo” com a Medida Cautelar da CIDH. Perplexos, estamos todos nós diante de tantas provas incontestáveis vindas da sociedade, sobre os equívocos do projeto Belo Monte.

Em boa hora a OEA se manifestou, dando uma prova contundente de que a sociedade está certa. O governo e suas instituições juntos com seus vassalos de plantão e xenófobos estão atônitos e foram pegos desprevenidos. De cima de sua arrogância e autoritarismo estão assistindo à própria desmoralização pública e internacional, pois sem máscaras ficaram vulneráveis.

Para ler a petição à OEA, clique aqui

Para ler a Medida Cautelar da OEA, clique aqui

Telma Monteiro
https://twitter.com/TelmaMonteiro

EcoDebate, 07/04/2011

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3 thoughts on “Belo Monte: desmoralização pública e internacional do governo brasileiro, artigo de Telma Monteiro

  • Caros Amigos

    Só para ver a desinformação que foi levada a OEA por determinadas ONGs, vou citar uma das solicitações da OEA que mostram a total ignorância da realidade brasileira:

    2. Garantia de que sejam dadas informações acessíveis aos povos indígenas com tradução nos respectivos idiomas;

    É solicitado neste item dois que as informações sobre as usinas fossem traduzidas para que os índios pudessem ler na sua língua nativa.

    Primeiro, os índios que lêem no Brasil são alfabetizados em português ou em português e na sua língua nativa.

    Segundo, qual língua que deve ser traduzida e qual será o grupo mínimo que define a quem deve ser traduzida, explico, no Xingu há remanescente de grupos étnicos com aproximadamente em torno de uma dezena de indígenas. deverão ser feitas traduções para estes grupos.

    As determinações da OEA, seriam válidas se houvesse na região grandes grupos étnicos, como existem em outros estados brasileiros.

    O que significa “informações acessíveis”. Talvez esta informação técnica se for transformada em informação acessível a qualquer pessoa leiga (indígena ou não), fique algo completamente caricato que servirá mais a mistificação dos fatos do que qualquer coisa.

    A OEA foi induzida a pensar que os nossos índios do Amazonas em geral estão no mesmo nível de um Evo Morales, ou de imensas comunidades indígenas dos países da américa central ou andina que já chegaram a um nível de compreensão (não de aceitação!) da sociedade ocidental que permite críticas e a propostas de alternativas viáveis.

    Não podemos esquecer que tanto nos Andes como na América Central, quando os espanhóis chegaram já havia comunidades indígenas que em várias situações estavam TECNOLOGICAMENTE mais evoluídas do que os espanhóis.

  • Mais alguns comentários sobre a solicitação da OEA.
    Para se mostrar de forma simplificada uma obra de engenharia elabora-se mapas ou plantas, a maior parte da população brasileira (índia ou não) tem dificuldade de entender uma planta, agora imagine as comunidades indígenas que nem falam português (ou seja não tiveram acesso a escola) como eles vão entender.

    Nota do EcoDebate: o argumento parte da suposição que TODOS os indígenas não estão intelectual e culturalmente capacitados a interpretar a realidade que os cerca. É uma suposição incorreta.

    Além do mais, eles tem o direito de serem ouvidos. Sugerimos que leiam a nota “Belo Monte: governo brasileiro precisa respeitar o direito das oitivas indígenas“, do Ministério Público Federal no Pará.

  • Temos acompanhado o assunto, e é realmente vergonhoso como os governos Lula e Dilma têm ignorado a opinião da população atingida. A atitude de fazer constar apenas a realização de audiências públicas desprezando totalmente a opinião pública expressa nessas audiências já faz escola em prefeituras dos diversos estados do Brasil. É a arrogância do autoritarismo e a ausência ou anulação da oposição que caracterizam um regime totalitário.

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